Câmara de Almada vai produzir energia solar e partilhá-la com a comunidade

A autarquia almadense está a criar núcleos de produção de energia solar para abastecer edifícios municipais e vai partilhar o excedente com a população que esteja em situação vulnerável. No centro da cidade, mais de 200 painéis solares foram instalados na cobertura do Fórum Municipal Romeu Correia, que está a ser ao mesmo tempo transformado…

A cobertura do Fórum Municipal Romeu Correia é agora um “núcleo” de produção de energia renovável (fotografia LPP)

Podemos ainda saber pouco sobre as causas do apagão de 28 de Abril, mas há algo que já é claro: por um lado, o nosso sistema eléctrico está interligado com o de Espanha e o do resto da Europa; por outro, a produção de energia permanece altamente centralizada em centrais de energia. A promoção de comunidades locais que produzam, armazenem e consumam a sua própria energia pode ajudar a tornar-nos mais resilientes perante situações extremas e raras como aquela que aconteceu, garantindo que, num cenário desse tipo, não haja uma paralisação total do fornecimento e que as necessidades essenciais das populações possam continuar a ser asseguradas.

Alguns condomínios estão já a criar comunidades de Autoconsumo Colectivo (AC), isto é, os vizinhos de um prédio juntam-se para instalar painéis solares e começar a produzir energia colectivamente que, depois, vão dividir entre si. Esta dinâmica, além de lhes dar autonomia energética, pode ajudar a diminuir a factura de electricidade dos condóminos. Outro modelo de produção local é através de uma Comunidade de Energia Renovável (CER). A grande diferença é que a escala, em vez de ser a de um determinado prédio, é a de um bairro – a energia produzida pode ser dividida por habitações num determinado raio de vizinhança e consumida também por escolas, unidades de saúde, bibliotecas e outros equipamentos colectivos. Já demos a conhecer o caso de Telheiras, em Lisboa, onde está a ser dinamizada uma CER por impulso de uma associação local. Agora vamos conhecer o exemplo de Almada.

Cobertura do Fórum Municipal Romeu Correia (fotografia LPP)

É bem no centro da cidade de Almada que a autarquia está a estabelecer um dos dois pontos de produção local de energia. Como os municípios podem ser parceiros de uma CER mas não proprietários, a Câmara de Almada lançou o seu próprio conceito – Núcleo de Energia Renovável (NER). “Queríamos promover a partilha de energia entre edifícios, mas, enquanto município, não podíamos ser uma Comunidade de Energia Renovável”, explica Rui Sebastián, engenheiro do ambiente da autarquia almadense. Na verdade, uma CER é uma entidade autónoma – uma associação ou cooperativa – que pode agregar diferentes famílias e parceiros, incluindo autarquias, mas não servia a dinâmica que a de Câmara de Almada pretendia. 

“Nos últimos anos, foi criada a nível europeu e transposta para Portugal uma directiva que permite que as pessoas partilhem a energia que produzem e que recebam a energia dos vizinhos também. E aí foram definidos dois níveis de formalização”, explica Rui, referindo-se ao AC e às CERs. “Ainda não há jurisprudência para a participação de municípios em Comunidades de Energia Renovável com privados”dit-il. “Pelo menos de forma ágil”, acrescenta Alexandra. “Não é impossível. Nós conseguimos fazer, mas não é propriamente da maneira que é mais benéfica e mais fácil”, adianta, esclarecendo que existem questões como o Código de Contratação Pública. “Nós sabemos que foi criado um grupo de trabalho para tentar resolver isto, e que este assunto está a ser discutido entre o Governo e alguns parceiros.”

“Quando a legislação for adequada e facilitar este processo de criação das Comunidades de Energia Renovável por municípios ou com a integração de municípios, nós iremos transformar os nossos Núcleos em Comunidades de Energia Renovável”, assegura a responsável. “Mas, entretanto, resolvemos começar o nosso próprio percurso”, criando o conceito de NER. “O NER é um conceito nosso apenas, que estamos a utilizar para agregar equipamentos municipais para que estes possam partilhar energia entre si”, acrescenta Alexandra Castro, chefe de divisão de Planeamento e Gestão Ambiental.

Esses equipamentos podem ser espaços culturais, escolas, unidades de saúde e também edifícios de habitação municipal. Na cobertura do Fórum Municipal Romeu Correia, bem no centro de Almada, vai começar a ser produzida energia para abastecer não só este espaço cultural, como outros edifícios da envolvente, nomeadamente uma escola e também uma unidade de saúde. Ao todo, foram instalados 112 painéis fotovoltaicos na cobertura do Fórum, onde já existiam algumas dezenas de painéis, o que vai permitir aumentar a produção eléctrica de 36 kW para 96 kW. O investimento foi de 48 mil euros.

O Fórum Municipal Romeu Correia, visto a partir do Parque Comandante Júlio Ferraz (fotografia LPP)

O Fórum Municipal Romeu Correia é apenas o segundo NER da autarquia almadense. O primeiro foi instalado no Monte da Caparica no Verão de 2024 – tratam-se de 219 painéis fotovoltaicos no topo de 10 edifícios de habitação municipal, localizados entre a Rua dos Três Vales e a Rua de São Lourenço Poente. Estes vão tornar-se produtores de energia solar, que será distribuída por 126 famílias e também por edifícios municipais nas proximidades, como também uma escola e uma unidade de saúde. Este NER resultou de um investimento de 100 mil euros e espera-se, quando entrar em funcionamento, um retorno financeiro em cerca de três anos. Os 219 painéis deverão permitir uma produção total de energia de cerca de 153 419 kWh/ano.

O Fórum já tinha uma instalação solar que permitia alimentar esse espaço cultural, onde também funciona a Biblioteca Central de Almada, e que foi aumentada em 200%. Isto vai permitir alargar a produção de energia e o consumo à vizinhança, nomeadamente à Unidade de Saúde Familiar (USF) de Almada. “Quando a biblioteca estiver fechada, há uma produção excedentária e esse excedente pode ir para a USF”, explica Alexandra. “Localizámos aqui algumas escolas próximas, que podem também receber painéis e produzir energia”, diz Alexandra. “Temos também o Teatro Joaquim Benite e cerca de 160 fogos de habitação municipal no Feijó.”

“Fizemos o investimento em 2024 para cobrir todo o Fórum com painéis, no máximo que podíamos em termos de potência. E agora vamos ceder, em primeiro lugar, energia produzida à UCF. E quando colocarmos mais painéis, é possível começar a fazer cedência aos munícipes também”, indica a responsável. A Câmara de Almada pode vir a colocar painéis também na cobertura da UCF e de alguns prédios de habitação, permitindo aumentar ainda mais a capacidade de produção dessa NER. “Quando colocarmos nestes outros locais, a energia vai ser primeiro consumida por esse edifício onde foi colocado o sistema solar e depois o excedente é partilhado com o núcleo de energia”, explica Alexandra Castro.

Os 219 painéis deverão permitir uma produção total de energia de cerca de 153 419 kWh/ano (fotografia LPP)

Cada núcleo de energia que venha a ser constituída pela Câmara de Almada vai poder beneficiar uma determinada área em redor, num raio de abrangência entre dois a quatro quilómetros. Segundo Alexandra, “a nossa ideia é criar mais núcleos, em vez de os tornar demasiado amplos, e que eles fiquem dentro dos limites de investimento que sejam facilmente geridos pelo Município”. No Monte da Caparica, a NER vai dar energia a “quatro escolas, uma biblioteca, uma piscina municipal e um centro de saúde”explique-t-il. 

Neste caso, os painéis começaram a ser instalados nos prédios de habitação, pelo que serão estes os primeiros beneficiários. “A Câmara vai ceder energia até um certo limite de kilowatts, e o restante será direcionado para esses equipamentos municipais”dit-il. Mais tarde, quando forem colocados painéis nas escolas, na biblioteca ou na piscina, a energia será usada primeiro nesses edifícios, e só depois o excedente será partilhado com a comunidade. No Fórum Municipal Romeu Correia, o processo foi o contrário: os painéis foram instalados no próprio edifício e “a partilha com a população vulnerável será feita mais tarde, quando houver excedentes significativos ou quando instalarmos nos edifícios onde essas pessoas vivem”, esclarece Rui.

Fórum Municipal Romeu Correia (fotografia LPP)

Seja no centro de Almada, seja no Monte, a prioridade será para pessoas em situação de pobreza energética. “Não queremos alimentar este estigma e preferimos usar conceitos mais positivos. Vamos dizer que vamos ceder energia às pessoas, que elas vão poder transitar para uma energia renovável, mais limpa – algo que, sozinhas, demorariam mais tempo a conseguir”, diz Alexandra. “A Câmara cede energia, é uma doação. Nós fazemos o investimento, colocamos os painéis e cedemos parte da energia à população”, refere, acrescentando que “a nossa ideia foi começar a trazer já a população para este conceito. Para isso, tivemos que criar um regulamento municipal, que identifica logo a quem vai ser cedida a energia”.

Independentemente do conceito – se é AC, CER ou NER –, esta produção local de energia permite às famílias fazer a transição para energia mais limpa e diminuir o período de retorno dos investimentos em painéis solares. “Se antes punhas painéis em casa mas se não estivesses em casa, não estavas a consumir, portanto vendias energia à rede a um valor bastante Inferior da tarifa que pagas, agora consegues rentabilizar esse investimento muito melhor”, detalha Rui Sebastian. “Se fizeres um investimento só no teu prédio, por exemplo, podes ter um retorno mais rápido do investimento.” Isto porque, quando uma pessoa não está em casa – e, portanto, não está a consumir energia – pode cedê-la ao vizinho e vice-versa. No caso de Almada, as NERs podem ajudar o Município a poupar de imediato na factura de electricidade, o que leva a que o retorno do investimento seja ainda maior.

Parque Comandante Júlio Ferraz (fotografia LPP)

A conversa com os técnicos municipais sobre as NERs de Almada foi feita no final de Janeiro. Na altura, a autarquia estava ainda a resolver algumas questões técnicas e burocráticas para que a produção de energia pudesse efectivamente arrancar. Situações que já poderão estar agora ultrapassadas. No entanto, tanto em Almada como em Telheiras, há uma certeza: apesar do valor da produção descentralizada de energia, a montagem desses núcleos ou comunidades é algo que demora, seja do caldo da papelada e certificação, seja na resolução de pequenos problemas.

Fazer do Fórum Romeu Correia um refúgio climático

No final de Janeiro, a Câmara de Almada dava gás a outro projecto que promete complementar o investimento solar no Fórum Romeu Correia: o projecto COOLIFEALMADA, que visa tornar a cidade de Almada mais resiliente às alterações climáticas.

Praça da Liberdade (fotografia LPP)

A autarquia instalou 12 sensores, que vão monitorizar a temperatura do ar e a humidade relativa, e acompanhar as mudanças microclimáticas registradas nos locais. Foi ainda implementada uma estação meteorológica que, para além da temperatura e humidade, também regista a velocidade e direção do vento, dados essenciais para compreender e mitigar os efeitos das ilhas de calor urbano.

“Através de soluções baseadas na natureza, essencialmente, mas também de algumas soluções que são mais artificializadas, pretendemos diminuir a temperatura urbana, em especial durante ondas de calor”, explica Alexandra Castro, chefe de divisão de Planeamento e Gestão Ambiental. “Para isso, precisamos de monitorizar as diferenças de temperatura e humidade no pré-intervenções, durante as intervenções e após as intervenções.” 

Um dos sensores (fotografia LPP)

A curto prazo, o projecto prevê a implementação de diversas medidas de adaptação climática, com destaque para a conversão de áreas cinzentas em infraestruturas verdes, plantação de vegetação densa, e substituição de pavimentos por asfalto frio. Muito desse trabalho vai decorrer em torno do Fórum Romeu Correia, entre a Praça São João Baptista, a Praça da Liberdade e o Parque Comandante Júlio Ferraz. “Na Praça São João Batista, vamos ter ensombramento artificial e também com árvores. E vamos ter uma bacia de retenção para recolha de águas e aumentar a humidade da zona, o que faz baixar a sua temperatura”, explica Alexandra, referindo que, para criarem essa bacia de retenção vão retirar parte do actual pavimento. 

“Vamos fazer despavimentação. Assim como na Av. Dom Nuno Álvares Pereira e na Rua Fernão Lopes. Vamos ter algumas áreas significativas de despavimentação”, referiu, adiantando que paralelamente vão também trocar o pavimento betuminoso ou calçada grossa existentes “por um betuminoso com elevado albedo, que, portanto, reflecte muito, o que faz também baixar a temperatura. Os pavimentos claros não absorvem tanta energia e, portanto, também não irradiam tanta energia”, detalha a responsável.

A fachada do Romeu Correia vai ser revestida (fotografia LPP)

Também está prevista a instalação de telhados e fachadas verdes, telas de ensombramento, a identificação de refúgios climáticos e também a instalação de sistemas de nebulização, que irão contribuir para a redução da temperatura sentida nesta área. O Fórum Municipal Romeu Correia vai tornar-se um refúgio climático por excelência na cidade. “Este edifício vai ficar identificado como um refúgio climático”, completa Rui Sebastian, engenheiro de ambiente na Câmara de Almada. “As pessoas vão poder vir para aqui e aproveitar o fresco que aqui está. O próprio edifício vai baixar consumos, porque vai ter uma cobertura verde que também vai baixar a temperatura.” Existirá não só um telhado com arbustos, também uma fachada. “A fachada sul é a que mais insolação recebe e vai ser também ensombrada com uma fachada verde.”

Além das medidas para o espaço público, o projecto inclui incentivos financeiros para que os estabelecimentos comerciais da área envolvente possam adaptar os seus espaços às exigências climáticas, promovendo a resiliência da economia local face aos desafios impostos pelas alterações climáticas. No projecto estão inseridas ainda duas microflorestas no Parque Comandante Júlio Ferraz, o grande espaço verde junto ao Fórum

Uma microfloresta é um pequeno bosque denso de árvores e arbustos, que dá frescura, atrai biodiversidade e ajuda na captação de água. Aquando da nossa visita em Janeiro, já existia uma microfloresta plantada e outra que iria ser plantada no domingo seguinte. Ambas têm agora de crescer. “Como temos um sistema de brisas que permite que este parque tenha um efeito muito benéfico sobre a zona mais urbana interior da Almada, vamos monitorizar exatamente qual é a diferença de temperatura que temos antes e depois dessa medida das microflorestas”, adiantou Alexandra.

O projecto COOLIFEALMADA tem como principal objetivo a adaptação de uma área central da cidade de Almada, tornando-a numa zona mais resiliente às alterações climáticas, particularmente às ondas de calor, reduzindo a temperatura do ar até 3ºC. “Quando houver crescimento das espécies vegetais e a implementação de outras medidas, a temperatura da cidade deve baixar.”

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