Elevador da Glória. Divulgados novos documentos

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A Carris publicou toda a documentação relativa à manutenção recente do Elevador da Glória, incluindo os contratos celebrados com a MNTC desde 2019. Já o GPIAAF, gabinete independente que investiga acidentes ferroviários, divulgou um primeiro relatório com alguns factos sobre o descarrilamento.

Ao final do dia 3 de Setembro de 2025, o Elevador da Glória descarrilou, depois de o cabo que sustentatava o sistema no subsolo ter cedido (fotografia de Miguel A. Lopes/Lusa)

Sem rasuras, total transparência. A Carris publicou toda a documentação relativa à manutenção do Elevador da Glória, incluindo os contratos celebrados com a MNTC desde 2019 que não constavam do portal Base. Isto porque, ao abrigo do Código dos Contratos Públicos, os chamados “sectores especiais” – como o dos transportes – estão sujeitos a regras próprias, que não impõem a publicação de todos os contratos nesse portal, onde costuma ser possível consultar as compras feitas com dinheiro público. No Base estava apenas disponível o contrato de 2022.

São três os contratos assinados entre a Carris e a MNTC desde 2019: os de 2019 e de 2022 resultam de concursos públicos; o de 2025 de um ajuste directo, que basicamente prolonga o contrato de 2022, terminado a 31 de Agosto, por mais cinco meses, até ao final de Janeiro de 2026. Os três contratos dizem respeito a “prestação de serviços de manutenção dos ascensores da Bica, Lavra e Glória, e elevador de Santa Justa da Carris”.

AnoContrataçãoDuraçãoPreço
2019Concurso públicoContrato de três anos, com início no final de Agosto de 2019 e término no final de Agosto de 2022868,14 mil €
2022Concurso públicoContrato de três anos, com início a no final de Agosto de 2022 e término a 31 de Agosto de 2025995,52 mil €, dos quais 5,91 mil €/mês eram para a manutenção do Elevador da Glória
2025Ajuste directoContrato de cinco meses, com início a 31 de Agosto de 2025 e término no final de Janeiro de 2026221,33 mil €

O contrato de 2019 tem o valor de 868,14 mil euros e vigorou entre o final de Agosto de 2019 e o final de Agosto de 2022. O de 2022 a partir desse período até 31 de Agosto de 2025 e apresenta um valor de 995,52 mil euros, dividido em duas secções: 851,51 mil euros para “serviços de manutenção preventiva, preditiva, curativa e correctiva” dos ascensores da Carris, sendo que para o Elevador da Glória se estimava uma despesa mensal de 5,91 mil euros; e uma bolsa de horas de 144 mil euros para “reparação de danos decorrentes de actos de vandalismo, acidentes/amedrontamentos, que só serão executados mediante solicitação e aprovação prévias da Carris”.

Por sua vez, o ajuste directo de 2025 vigora desde o passado 31 de Agosto de 2025 por um período de cinco meses e tem o valor de 221,33 mil euros. No total, a relação da MNTC com a Carris resultou num encaixe superior a 2 mil milhões de euros desde 2019.

Foi numa página no seu site onde a Carris divulgou toda a documentação relevante (captura de ecrã por LPP)

Os documentos foram disponibilizados sem nomes ou assinaturas rasuradas, para total transparência em relação ao seu conteúdo – até porque essa informação, no que toca a contratos públicos, não tem protecção ao abrigo do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), apenas demais dados pessoais, como NIF e morada, devem ser expurgados.

Com esta transparência, a Carris pretende evitar quaisquer dúvidas que possam ser levantadas em relação à validade dos documentos, como aconteceu com o contrato de ajuste directo de 2025. Conforme observou o jornal Página Um, a versão que a empresa entregou aos jornalistas no final da conferência de imprensa de dia 4, não era a versão final do documento pois não estava assinada e rubricada por todas as partes. A versão que a Carris agora tornou pública já mostra todas as assinaturas e rubricas em todas as páginas do documento; a empresa publicou também a deliberação do Conselho de Administração no passado dia 14 de Agosto, na qual decidia avançar com o ajuste directo, depois de o concurso público não ter corrido bem por todas as propostas serem superiores.

A publicação desta documentação encerra todas dúvidas procedimentais que poderiam existir em relação à manutenção contratualizada pela Carris com a MNTC, mas não sobre a realização dessa manutenção. Continuam a ser válidas as perguntas sobre se a manutenção contratualizada seria adequada para o uso intensivo que os elevadores passaram a ter com o turismo, ou sobre se a contratualização deste tipo de serviços pelo habitual critério da contratação pública do valor mais baixo é o mais adequado. Esta última dúvida pode ser substanciada na diferença entre os preços base dos concursos e os valores dos contratos consequentes.

Manutenção, um resumo

  • a manutenção dos elevadores da Glória, Lavra, Bica e Santa Justa foi externalizada em 2007, depois de no ano anterior ter sido lançado um primeiro concurso público para a prestação de serviços nesse âmbito;
  • foram lançados depois concursos em 2011 (com o preço base de 330 mil euros), 2015 (com o mesmo preço base), 2019 (com o preço base de um milhão de euros) e 2022 (com o preço base de 1,7 milhões);
  • a MNTC venceu os concursos públicos de 2019 (por 868,14 mil euros) e 2022 (por 995,52 mil euros);
  • o concurso público lançado em Abril de 2025 para dar continuidade aos serviços de manutenção, pelo preço base de 1,2 milhões de euros, não chegou a bom porto, por todas as propostas serem de preço superior. Em resultado, a Carris fez um ajuste directo com a MNTC por 221,33 mil, prolongado a relação em vigor por mais cinco meses, entre 31 de Agosto de 2025 e o final de Janeiro de 2026. Neste período, a empresa espera ter tempo para lançar um novo concurso público.
  • desde a externalização da manutenção dos elevadores que o tempo das inspecções reduziu, bem como o número de pessoas alocadas. Se antes de 2007 a Carris tinha uma equipa interna de 24 pessoas, organizada em turnos de oito horas, garantindo que em cada ascensor havia sempre duas pessoas dedicadas à manutenção contínua, agora o trabalho é realizado por uma equipa externa de seis pessoas. A MNTC faz uma manutenção semanal e mensal do equipamento, bem como uma inspecção diária.

O primeiro relatório da inspecção

Estão em curso três inspecções: uma da Carris, uma da Polícia Judiciária e outra do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF). O relatório preliminar do GPIAAF só deverá sair dentro de 45 dias, mas este gabinete já publicou uma “nota informativa” – um documento que sintetiza os acontecimentos e factos que são possíveis afirmar no imediato e são ponto de partida para a investigação mais aprofundada:

  • confirma o GPIAAF que o acidente resultou do rompimento do cabo subterrâneo do elevador, que une as duas cabines. O cabo cedeu no ponto de fixação ao veículo 1 (trambolho), a cabine que estava no topo da Calçada da Glória a iniciar a descida – essa zona não é observável sem a desmontagem dos componentes, razão pela qual não poderia ser detectada nas inspecções diárias, de carácter visual, mas apenas em intervenções de manutenção mais profundas;
  • perante uma situação anormal, o guarda-freio accionou de imediato o freio pneumático e o manual, mas esses sistemas de segurança não são eficazes perante a rotura do cabo. Ou seja, quando o cabo rompe, nada há a fazer, o que deixa dúvidas sobre a real segurança destes sistemas. Por outro lado, o sistema automático de emergência, concebido para cortar a energia e accionar de imediato os travões, funcionou conforme projectado, mas não se sabe se esse sistema accionou automaticamente o freio pneumático de cada veículo;
  • o plano de manutenção estaria a ser cumprido na íntegra.

O documento do GPIAAF publica dois conjuntos de imagens relevantes. Um desses conjuntos é um esquema de funcionamento do Elevador da Glória, onde estão assinalados os trambolhos, isto é, os pontos onde o cabo se fixa ao veículo. O outro conjunto é uma série de fotografias sobre a situação encontrada, como o estado do cabo que se libertou do trambolho do veículo 1:

O documento do GPIAAF merece ser lido na íntegra e ajuda a perceber em detalhe o modo de funcionamento do Elevador da Glória, podendo ser descarregado em baixo. A investigação vai continuar com recolha de provas, peritagens técnicas e análise documental. Um relatório preliminar será divulgado no prazo de 45 dias, como já referido, e o final no prazo de um ano.

A Carris divulgou ainda os relatórios das inspecções diárias realizadas desde 1 de Setembro, bem como da inspecção mensal realizada no início do mês. Toda a documentação que tem vindo a ser divulgada pela Carris pode ser consultada ici.

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