Debateu-se o “Estado da Cidade” – com uma linha clara a dividir Moedas e a esquerda

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No primeiro debate do Estado da Cidade, o Presidente da Câmara enalteceu “um ano de concretização”, mas a esquerda não lhe poupou críticas.

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Da mesma forma que na Assembleia da República se debate o “Estado da Nação”, na Assembleia Municipal de Lisboa discute-se o “Estado da Cidade”. O primeiro debate do género no mandato de Carlos Moedas realizou-se a 11 de Outubro, após um ano na governação da cidade; o Presidente da Câmara enalteceu “um ano de concretização”, mas a esquerda não poupou lhe críticas. O PS, através de uma intervenção do deputado Miguel Coelho, foi particularmente duro nas críticas: “Não se vislumbra da sua parte uma estratégia para a cidade. Apenas sorrisos e choradinhos acerca dos malvados da oposição que não o deixam fazer coisas.”

O lado de Moedas

Em vésperas de cumprir um ano de mandato (tomou posse a 18 de Outubro de 2021), Moedas foi à Assembleia Municipal para “prestar contas”, garantindo que a sua disponibilidade para isso é “total”, seja na chamada Casa da Cidadania de Lisboa, seja “na rua junto dos lisboetas”. E prometeu “verdade, transparência e proximidade” no primeiro debate sobre o Estado da Cidade, “um debate essencial para transmitirmos aos nossos munícipes como evoluiu a nossa cidade, quais as dificuldades que encontramos e ultrapassamos, e quais os compromissos que propomos fazer ao longo do próximo ano”. O discurso do Presidente da Câmara assentou muito na ideia de um ano de concretização e decisão, uma narrativa que Moedas tem levado também para as diferentes entrevistas que deu à comunicação social nos últimos dias.

“Em apenas um ano, tenho orgulho em dizer que este foi um ano de concretização e decisão”, disse, enumerando, de seguida, medidas suas e iniciativas que vinham do mandato anterior: os transportes públicos gratuitos para “os mais novos e mais velhos”, a selecção de Lisboa para ser uma das 100 cidades neutras em carbono até 2030, a transição da iluminação pública para tecnologia LED, a construção de mil novos fogos para habitação acessível e municipal, o programa de renovação de bairros e habitações municipais, as iniciativas na área da transparência e corrupção (“temos, pela primeira vez, um Código de Ética na Câmara Municipal”), a aceleração da aprovação de projectos de urbanismo, o aumento da devolução do IRS e a remoção dos cartazes do Marquês de Pombal.

Moedas deu um destaque especial à retirada dos cartazes do Marquês, referindo que se tratou de “uma decisão muito importante” e de “uma decisão em que os lisboetas estiveram todos connosco e eu sei que estão todos comigo”. O Presidente da Câmara garante que “por muito que [os partidos] queiram levar isto para o campo político, ninguém está de acordo” com a presença de outdoors de propaganda política naquela praça; e disse que foi “preciso ter coragem de ir lá e tirar”. As pessoas, disse, “esperam que o Presidente da Câmara faça e tenha coragem para fazer mesmo quando é difícil”.

“Admitimos com naturalidade que ainda não fizemos tudo. Temos ainda três anos para trabalhar”, acrescentou o Presidente da Câmara de Lisboa, relançando estar com “energia redobrada” para o segundo ano de mandato e destacando algumas medidas sociais, como um cheque-bebé para as famílias mais carenciadas ou um passe cultural para os mais novos e mais velhos terem acesso gratuito à cultura da cidade, e ainda o seu “pacote anti-inflacção”. Moedas realçou várias vezes o papel dos vereadores da oposição em decisões da cidade e enalteceu medidas criadas em conjunto – apesar de na imprensa ter vindo a referir ao longo dos últimos meses, e por diversas vezes, em bloqueios do lado da oposição.

“Queremos que Lisboa possa competir com as grandes capitais, ter a audiência de ser tão grande como as outras”, mas destacou que “o futuro de Lisboa exige capacidade de o Governo tomar decisões”. Referiu o futuro Aeroporto (“queremos um aeroporto que esteja na proximidade de Lisboa e queremos que essa decisão seja tomada em 2023”) e pede que o Estado central transfira os “fundos devidos” para que a Câmara de Lisboa possa “assumir mais responsabilidades”. “Não temos de medo de assumir mais responsabilidades na educação, na saúde ou no social. Queremos essas responsabilidades mas com os recursos que nos devem”, entende Moedas, que quer que o Governo central “pague o custo de uma verdadeira descentralização” e que não se limite a “descentralizar os problemas”.

O lado da oposição

Miguel Coelho foi, pelo PS, o primeiro a discursar depois de Carlos Moedas, prometendo fazer “uma justa avaliação do Estado da Cidade após este primeiro ano de mandato”. Antes, pediu a Moedas para deixar de “se lamentar e de passar culpas para os outros”, “justificando alguns dos seus insucessos, excitações e recuos com alegados bloqueios de partidos da oposição”. “Não tem nenhum fundamento este tipo de vitimização e como argumento já ta um pouco estafado, tanto que não o usou aqui hoje”, referiu Miguel Coelho, apontando que “até aos primeiros dias de Setembro, das 700 propostas que levou ao executivo municipal, o PS só votou contra quatro”.

O deputado municipal socialista, Presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, lembrou uma “questão aritmética”, dirigindo-se a Carlos Moedas: “Deve sempre ter em conta que houve mais lisboetas que não o quiseram para Presidente da Câmara do que aqueles que realmente o desejaram”, disse, referindo-se ao resultado eleitoral de 34,26% da coligação New Times, contra os 62,65% de toda a oposição (excluindo brancos e nulos).

Miguel Coelho apontou esta crítica depois de sucessivas afirmações de Moedas sobre ter ganho as últimas eleições, desvalorizando os vereadores da oposição, que foram igualmente eleitos, representando uma parte do eleitorado. “Para nós, PS, não está nem esteve em causa a sua legitimidade política para governar a cidade de Lisboa. É uma questão arrumada”; mas “importa que o Presidente saiba interpretar com rigor os resultados eleitorais” e, não tendo maioria, “tem de ter uma permanente disponibilidade para dialogar e para conceder às restantes forças políticas o direito e dever de ajudá-lo a definir a alguns dos caminhos estruturantes a seguir.”

“Lisboa está mal, Lisboa está pior e caminha para uma rápida degradação. E o cidadão comum já está a sentir”, discursou o líder do PS. “Não se vislumbra nenhuma estratégia para a cidade. Apenas sorridos e choradinhos acerca dos malvados da oposição que não o deixam fazer as coisas.” Categorizando Moedas como um “neoliberal”, avec “uma visão de sociedade que elege como primeira prioridade o direito à liberdade económica do cidadão e à livre iniciativa empresarial sem qualquer regulação da parte do Estado”, o deputado socialista disse que está, nesse campo, a “cumprir o seu programa eleitoral”. Acusou-o, por exemplo, de abdicar de “oito milhões de euros” com a devolução do IRS “a quem ganha mais”, uma receita que daria para a autarquia “para garantir anualmente cerca de 750 mil refeições, isto é, 2050 por dia”. Miguel Coelho referiu ainda que Moedas tem “uma enorme capacidade para o exercício da propaganda” et un “grande habilidade” para anunciar obra de outros como sua, dando como exemplo o Plano Geral de Drenagem ou a entrega recente de novas chaves de habitação acessível. “É propaganda tendenciosa e pouco elegante.”

Regressando à temática da Almirante Reis, que dominou o primeiro ano de mandado, o Presidente da Junta de Santa Maria Maior categorizou como “um desastre”, com uma “espiral de informações e compromissos contraditórios, estudos que eram e não eram, simulações de processos participativos, e por fim com uma decisão tomadas com base em quem teve a capacidade de gritar mais alto”. Para o PS não há dúvidas: “A ausência de estratégias e a desorientação nesta área [da mobilidade] são bem evidentes. Às segundas, quartas e sextas, valoriza retoricamente a preservação ambiental. E nas terças, quintas e fins-de-semana, subordina ao interesse económico da cidade, ignorando que estes estão dependentes dos outros e vice-versa.” Miguel Coelho apontou ainda que Moedas “diz o que a plateia quer ouvir. Se estiver com cidadãos organizados em defesa do automóvel, dirá que jamais lhe passa pela cabeça condicioná-los. Mas se estiver com representantes das bicicletas e trotinetas, dir-lhes-á que os vai favorecer em detrimento dos automóveis”.

“Lisboa está pior consigo em matéria de mobilidade”, acrescentou o autarca de Santa Maria Maior, a freguesia para onde esteve prometida uma ZER ABC com restrições ao trânsito automóvel. “Como vai conseguir ter menos automóveis na cidade ou controlar as emissões de gases e agentes poluidores sem, com bom senso, condicionar a circulação de veículos movidos a combustíveis fósseis? Como conseguirá alargar a rede de transportes públicos e a sua sustentabilidade operacional sem ponderar um plano geral de circulação na cidade de Lisboa, considerando a rede de ciclovias, as ZER, o direito ao uso do transporte privado, a acessibilidade aos bairros, o estacionamento e o direito à segurança de quem circula a pé?”

Miguel Coelho falou ainda de habitação, higiene urbana e da descentralização de poderes para as Juntas de Freguesia, apontando que “Lisboa precisa de mais resultados e de menos conversa”, e também de um “pensamento integrado”. “Lisboa está parada, sem rumo e sem estratégia”, disse, acusando Moedas de estar a pensar em saltar da capital para a liderança do PSD já em 2025. Referindo-se a Jorge Sampaio ou António Costa, apontou que “todos eles estiveram mais que um mandato” na Câmara de Lisboa, onde “criaram raízes para o que se seguiu”, lamentando que Moedas não tenha ainda conseguido afirmar o seu compromisso com uma candidatura nas autárquicas daqui a três anos. “Esta ambiguidade não serve Lisboa”, comentou, em que Moedas “não quer comprometer-se com decisões difíceis e polémicas, que hipotequem as suas ambições de exercer outros cargos do Estado”.

O deputado municipal do PS liderou a oposição a Moedas no debate sobre o “estado da cidade”, um encontro dominado pela retórica e que à esquerda ficou marcado pelo mesmo tom: da mobilidade à habitação, da higiene urbana aos outdoors do Marquês de Pombal. Miguel Graça, deputado pelos Cidadãos Por Lisboa, referiu que “o estado da nossa cidade é um grande vazio, cheio de dialogo e participação” e perguntou porque é que os panneaux d'affichage políticos não foram retirados também de zonas como o Campo Pequeno, o Largo do Rato ou a Alameda, onde também obstruem o “enquadramento de monumentos nacionais ou de edifícios públicos”. Cláudia Madeira, do PEV, disse que “a realidade [do mandado] mostrou ser bastante diferente daquilo que se proclamou” em campanha eleitoral – de “novos tempos, novas formas de pensar a cidade e de ligar a cidade a cidade aos cidadãos”. “Os novos tempos não resolveram ainda nenhum problema sério da cidade” e “uma parte considerável das propostas da Câmara não é inovadora nem representa uma ruptura com as políticas dos últimos anos”, apontou a deputada verde. Já José Sobreda Antunes, também do PEV, completou o raciocínio, apontando “uma estranha impreparação e incapacidade de lidar com aqueles que são os reais problemas da cidade e dos seus habitantes”.

António Valente, do PAN, apontou que “esta cidade não é para as pessoas”, criticou a política da habitação, pediu mais espaços verdes, realçou que “nem um centímetro de ciclovia foi construído este ano” e pediu que Lisboa seja “elevada a cidade anti-taurina”, com vozes críticas na plateia. Isabel Mendes Lopes, deputada municipal do Livre, apontou Paris ou Pontevedra como “cidades que estão a tomar o futuro nas suas mãos e que estão a transformar-se para serem cidades do século XXI”, com ruas “abertas às pessoas e pensadas para elas”, escolas abertas à comunidade ou ilhas de frescura contra as ondas de calor. “Podem dizer que um ano é pouco tempo e que é pouco tempo para mostrar trabalho, principalmente para uma equipa acabada de chegar e que não estava preparada para governar”, disse, “mas um ano, na verdade, é muito tempo. É tempo mais que suficiente para mostrar a visão, a ambição, para revelar a historia da cidade que se quer construir para o futuro. E após um ano não conhecemos ainda esta visão.”

Natacha Amaro, do PCP, focou a sua intervenção em tópicos como a limpeza e higiene urbana, referindo que “seria impossível falar do estado da cidade” sem abordar este tema e que “salta à vista a situação que se vive por toda a cidade: ruas sujas, lixo por recolher, caixotes, papeleiras e ecopontos a transbordar”. Reconheceu que “nunca foi uma área fácil”, mas criticou a passagem de competências nesta matéria para as Juntas de Freguesia, apontando o dedo tanto ao PSD como ao PS – ao invés de uma gestão “integrada e coordenada” e “com capacidade de escala” pela Câmara. Falou do património escolar e ainda da habitação municipal, referiu que a oferta da Carris está “estagnada e longe do que seria necessário”, e disse que a “degradação da qualidade do ar” só irá ser agravada com a “manutenção do aeroporto na Portela” (o PCP defende um novo Aeroporto fora da cidade, com o encerramento da Portela). No final, a deputada comunista pediu “uma outra governação conhecedora da cidade e dos interesses de quem cá vive e cá trabalha”.

Isabel Pires, pelo BE, criticou a coligação New Times pela narrativa de que “em apenas um ano fizeram mais que qualquer outro governo da cidade, passando a ideia de um feito absolutamente histórico, irrepetível no tempo e no espaço”; e apontou o dedo a uma“má reacção à crítica, demagogia e populismo sobre qualquer proposta que não seja dos próprios”, categorizando-a como “uma coligação arrogante, porque acha que todos os outros e todas as outras são maus porque fazem política como se os próprios também não fizessem, como se tivessem vindo parar onde estão por obra divina”. “É uma manobra de populismo perigosa e infelizmente já muito experimentada um pouco por toda a Europa”, referiu a deputada bloquista, passado o seu discurso por áreas como a mobilidade e a habitação.

Rodrigo Mello Gonçalves, deputado pela Iniciativa Liberal (IL), abordou a mobilidade, uma “área incontornável” por ser “uma preocupação permanente dos lisboetas”. Disse que a política de mobilidade da autarquia “parou, tarda a arrancar e pelo meio ainda teve uma falsa partida” - “Parou, e a nosso ver bem, uma política de ciclovias feita às três pancadas pela cidade em que os próprios ciclistas se queixavam de problemas de segurança. Parou um projecto de Zona de Emissões Reduzidas, que não era mais que uma Zona de Acesso Automóvel Condicionado, mal pensada e pouco discutida, na Baixa-Chiado. Parou uma política de guerrilha aos automobilistas e que fomentava a conflitualidade na cidade. Parou uma política de imposições e proibições. Parou uma lógica de supressão de lugares de estacionamento que dificultou a vida a muitos lisboetas nos últimos anos. Tudo isso parou e é positivo.” Para o deputado liberal, “tardam a arrancar” dossiês como o processo de auditoria à rede ciclável, um regulamento da mobilidade eléctrica automóvel, o regulamento da mobilidade suave partilhada, o início de uma revisão ao regulamento do estacionamento para “dar o desconto prometido aos lisboetas”, e ainda novos parques de estacionamento automóvel para aumentar a oferta de lugares, que diz haver em número insuficiente. Sobre a “falsa partida”, mencionou os transportes públicos gratuitos para estudantes e maiores de 65 anos, referindo que a IL foi “o único partido em Lisboa que não votou a favor apostando na abstenção”, por entender que deveria ter uma lógica metropolitana.

O debate sobre o “Estado da Cidade” realiza-se anualmente na Assembleia Municipal de Lisboa, com a presença da Câmara de Lisboa e dos deputados municipais.

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