Resultados do primeiro ano do programa municipal de Comboios de Bicicleta foram apresentados na TRA Conference, uma conferência europeia sobre mobilidade e transportes que decorreu em Lisboa. Autores do trabalho acreditam que “fortalecer a cultura da bicicleta entre crianças e pais aumentará a probabilidade de que escolham a bicicleta para as suas viagens no futuro”.

63% dos pais que participaram no programa municipal Comboios de Bicicleta no ano lectivo 2020/21 reportaram que, pelo menos uma vez por semana, deixaram o carro em casa e os seus filhos foram para a escola de bicicleta em grupo com outras crianças, num destes Comboios. Outros pais (26%) disseram que, mesmo vivendo tão perto da escola que ir a pé é a opção habitual no dia-a-dia, os seus educandos não deixaram de ir nos Comboios de Bicicleta uma vez por semana, mesmo que isso significasse acordar mais cedo ou fazer um caminho mais longo para as aulas.
Estas foram apenas algumas das conclusões de um pequeno estudo realizado entre a cooperativa Biciculture, a Direcção Municipal de Mobilidade da Câmara de Lisboa e o Instituto Superior Técnico, e que foi apresentado na TRA Conference, uma conferência europeia sobre mobilidade e transportes que decorreu em Lisboa de 14 a 17 de Novembro. O estudo teve por base um inquérito realizado junto dos pais cujos filhos participaram nos Comboios de Bicicleta no ano lectivo 2020/21.

Para Ricardo Sobral, investigador no Centro de Investigação e Inovação Em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CERIS) do Instituto Superior Técnico e membro da Bicicultura, as conclusões mencionadas mostram que os Comboios “servem tanto como um serviço de mobilidade mas também como uma actividade que pais e filhos estão dispostos a fazer, tal como aulas de música ou actividades desportivas depois da escola”, disse durante a apresentação dos dados na TRA Conference.
Os Comboios de Bicicletas surgiram em Lisboa em 2015 quando um pai começou, de forma voluntária, a levar o seu filho de cinco anos e outras crianças de bicicleta para a escola, no Parque das Nações. Esse comboio ganhou depois regularidade às sextas-feiras com o apoio da Junta de Freguesia e de outros voluntários. Em 2019, a Câmara de Lisboa decidiu “formalizar” a iniciativa e lançá-la como um programa municipal, alargando-a a mais estabelecimentos de ensino da cidade. Depois de um primeiro piloto no ano lectivo 2019/20, os Comboios de Bicicleta foram lançados oficialmente no ano lectivo seguinte (2020/21).
Geralmente, em cada escola há um Comboio por semana, mas há escolas em que há comboios com maior frequência ou com percursos a passar por diferentes pontos de partida. A gestão do programa de Comboios de Bicicletas cabe à Câmara de Lisboa; e a sua operação à cooperativa Bicicultura, que, além de desenhar os percursos, forma e disponibiliza monitores adultos para acompanharem os grupos de crianças de bicicleta até à escola. Contudo, continuam a existir Comboios de Bicicleta na cidade geridos por pais, professores e outros voluntários, com acompanhamento ou não da Bicicultura.
No seu trabalho, Ricardo Sobral e os colegas procuraram perceber se uma iniciativa de Comboios de Bicicleta teria adesão por parte de crianças e dos seus encarregados de educação no contexto de uma cidade como Lisboa, com baixo uso da bicicleta, infraestrutura limitada e áreas inclinadas, e também se seria capaz de promover uma mudança de comportamento, ao aumentar a utilização da bicicleta por parte da população-alvo. Para tal, utilizaram dados dos formulários de inscrição, dos registos das viagens dos Comboios de Bicicleta, dos questionários enviados aos pais após a realização do programa e do feedback dos monitores que acompanharam os grupos de crianças.

No ano lectivo analisado (2020/21), existiram 16 linhas de comboios em 12 escolas da cidade de Lisboa, tendo participado 183 crianças das 211 inscritas aquando do lançamento do programa. No total, foram realizadas 298 circulações dos Comboios, com uma tendência mensal crescente ao longo do ano lectivo, com excepção do período entre Fevereiro e Março de 2021 em que as escolas estiveram fechadas na sequência da pandemia de Covid-19. O aumento do número de circulações ao longo do ano lectivo acompanhou o aumento do número de escolas e linhas. Ricardo verificou também que 66% dos participantes eram regulares, isto é, integraram os Comboios pelo menos cinco vezes – um total de 120 crianças. Em média, cada Comboio levou seis crianças, com uma escola a ter uma média de quase 18 crianças por Comboio. A maioria das crianças participantes (62%) tinha entre 7 e 9 anos; e a percentagem de participantes femininas foi de 46% (as contagens manuais e regulares do Instituto Superior Técnica estimam que 25% das pessoas que circulam de bicicleta em Lisboa sejam mulheres).



Ao mesmo tempo, uma fatia considerável de pais disse que, depois de as suas crianças terem participado no programa de Comboios de Bicicletas, tanto elas como os pais passaram a utilizar mais a bicicleta como meio utilitário (e também como lazer). Além disso, “nove em cada 10 inquiridos sentiu que os seus filhos se tornaram mais capazes de usar a bicicleta de forma autónoma” e que, “em relação ao uso da bicicleta pelos pais, 10% afirmaram que experimentaram usar a bicicleta para fins de mobilidade pela primeira vez” após verem os filhos a ir para a escola de bicicleta, explicou Ricardo; ao mesmo tempo, 35% dos pais inquridos disse já usar a bicicleta para fins de mobilidade e 55% nunca tinham utilizado para esse efeito. Por outro lado, “15% dos pais inquiridos que nunca tinha utilizado a bicicleta para deslocações de mobilidade antes dos Comboios de Bicicleta fê-lo pela primeira vez após o programa” e 46% afirmou que, desde que seu filho começou a participar nesta iniciativa, passou a usar bicicleta com mais frequência para mobilidade.


Ricardo ressalvou que os resultados são baseados em comportamentos declarados e não observados e que podem ter sido potencialmente influenciados por uma amostra auto-seleccionada, pois apenas 55% dos pais, aproximadamente, decidiu responder ao questionário no final do ano lectivo sobre a realização do programa. No entanto, os dados apresentados “sugerem fortemente que existem efeitos significativos” da iniciativa dos Comboios de Bicicleta no desencadeamento de uma adoção de curto prazo da bicicleta pelos pais. Por outro lado, “fortalecer a cultura da bicicleta entre crianças e pais aumentará a probabilidade de que escolham a bicicleta para as suas viagens no futuro”, lê-se entre as conclusões apresentadas.

O trabalho apresentado na TRA Conference aguarda publicação numa revista científica, na sequência dessa mesma conferência. O artigo é autorado por João Bernardino, Ricardo Sobral e Luís Vieira, da Bicicultura, e por Inês Castro Henriques, Sofia Knapicc e Miguel Cambão, da Direcção Municipal de Mobilidade da Câmara de Lisboa. Ricardo Sobral e Luís Veira também membro no Centro de Investigação e Inovação Em Engenharia Civil para a Sustentabilidade (CERIS) do Instituto Superior Técnico.
O programa municipal de Comboios de Bicicleta realizou-se também no ano lectivo 2021/22 com 15 escolas, 24 percursos e 222 participações efectivas. Aguarda-se o arranque da iniciativa no presente ano lectivo 2022/23; as inscrições estão abertas desde o final de Setembro mas ainda falta uma aprovação em reunião de Câmara da proposta que formalize a transferência de fundos para a Bicicultura, de modo a poder operacionalizar o programa.