Lisboa organizou uma “conversa de café” para discutir o Largo do Rato

A Câmara de Lisboa iniciou um processo participativo para a requalificação do Largo do Rato. A primeira iniciativa foi uma “conversa de café” (ou “world café), uma metodologia de discussão de ideias que tem vindo a ser acarinhada pela autarquia.

Ideias que saíram da conversa de café (fotografia LPP)

Em 2014, a Câmara de Lisboa apresentava o programa Une place dans chaque quartier, uma ambiciosa iniciativa de espaço público com o intuito de requalificar uma série de praças e largos pela cidade, conferindo novas centralidades aos bairros. Foram, na altura, identificadas 30 praças prioritárias, a intervir até 2017. O Largo do Rato, “talvez o mais intrincado nó rodoviário da cidade, onde afluem várias importantes antigas ruas”, como fora descrito, era uma delas. O trabalho de diagnóstico e de estudo prévio foi feito, houve um momento de participação pública em 2015, mas a obra nunca se concretizou.

O plano passava por aumentar o passeio sul do Largo do Rato para fomentar a actividade comercial nessa zona e também criar um espaço de estadia, por repor o eléctrico 24 (foi feito em 2018 sem mexer no Largo), por melhorar o atravessamento pedonal do Largo através de novos percursos pedonais, por reorganizar toda a circulação rodoviária com a introdução de uma rotunda, e por retirar o estacionamento junto à Igreja de Nossa Senhora da Conceição para criar aí uma outra área pedonal e de estadia, entre outros aspectos.

A requalificação do Largo do Rato n’Une place dans chaque quartier (via CML)

Um novo trabalho

Apesar de existir um trabalho feito, a Câmara de Lisboa decidiu agora meio que começar do zero. E, por isso mesmo, no passado dia 4 de Outubro, ao final da tarde, juntou duas dezenas de pessoas em torno de quatro mesas para uma… conversa de café.

A conversa de café sobre o Largo do Rato (fotografias LPP)

Conversa de café (ou world café) é uma metodologia de discussão de ideias que tem vindo a ser recentemente adoptada pela Câmara de Lisboa em processos de participação pública. Foi utilizada, por exemplo, no processo participativo sobre o eixo da Almirante Reis, que decorreu antes do Verão, e também no Conselho de Cidadãos. Agora, o município está a aplicar esta técnica ao processo participativo que decidiu iniciar para o Largo do Rato e que deverá culminar na elaboração de um novo projecto de requalificação, num futuro próximo. Numa “conversa de café”, grupos de pessoas discutem um assunto em várias mesas pequenas, sendo que cada mesa pode ter um tema ou objectivo mais específico. Esta metodologia terá sido desenhada por Juanita Brown e David Isaacs, em 1995, nos EUA.

Durante cerca de duas horas, os participantes – que se tinham inscrito no site da Câmara para participar nesta iniciativa – estiveram organizados em quatro grupos, distribuídos por quatro mesas; cada mesa tinha com um macro-tema (ou pilar) associado: Environnement, Conectividade, Património e Segurança. Os grupos foram rodando pelas diferentes mesas/temas para que todas as pessoas tivessem oportunidade de discutir todos os temas.

Quatro pilares da intervenção no Largo do Rato e seus objectivos

Environnement

  • saúde e bem-estar;
  • actividade física;
  • acesso a água;
  • espaços verdes;
  • zonas de fresco;
  • ruído;
  • qualidade do estado do ar;
  • permeabilidade do solo.

Conectividade

  • rede viária;
  • rede de transportes;
  • rede pedonal;
  • transportes de bens;
  • a condição pedonal;
  • “permeabilidade urbana” (a condição urbana/humana).

Património

  • história;
  • território;
  • o erudito;
  • o popular;
  • património cultural;
  • edificado;
  • comércio;
  • elementos singulares;
  • marchas para S. Bento.

Segurança

  • rodoviária;
  • pessoas e bens;
  • iluminação;
  • estado de conservação do espaço público.

“Esta é uma primeira conversa de várias sessões participativas que queremos fazer para discutir o tema do Largo do Rato, um tema que não é fácil pela sua complexidade e pelas condicionantes técnicas que tem”, explicou Paula Rebelo, arquitecta do Departamento de Espaço Público da Câmara de Lisboa, no início da sessão. “Pretendemos criar um projecto robusto de requalificação deste Largo com quem o conhece melhor, as pessoas que moram cá e quem também passa cá.” Tal como no caso da Almirante Reis, a Câmara pretende que a intervenção no Largo do Rato não se foque exclusivamente na área do largo em si, e que tenha em conta toda a vizinhança, que abrange diferentes freguesias e arruamentos que confluem naqueles metros quadrados, como a Rua Alexandre Herculano, a Rua da Escola Politécnica, a Rua das Amoreiras, a Rua de São Bento ou a Avenida Álvares Cabral.

A primeira conversa de café foi promovida pela autarquia dentro do festival Bairro Real, uma iniciativa da Príncipe + Real, uma associação que tem como finalidade juntar as pessoas e as organizações do Príncipe Real, um território sem limites muitos formais. Esta conversa juntou pessoas de diferentes idades e contextos, que foram seleccionadas a partir das inscrições recebidas para representar uma amostra o mais diversa possível. Apesar das diferenças, foi possível identificar ideias consensuais – pelas várias mesas, por exemplo, pareceu unânime a necessidade de diminuir o trânsito automóvel e de aumentar o espaço para as pessoas circularem a pé ou usufruírem do largo, registando-se divergências na forma de o fazer; se alguns propuseram taxar a entrada de carros na cidade, outros sugeriram medidas de redução do espaço automóvel como desincentivo à sua utilização.

Mais pessoas, menos carros

O Largo do Rato hoje (fotografia LPP)

Em cada mesa, a conversa foi acompanhada por técnicos da Câmara de Lisboa, que, após o momento de discussão propriamente dito, sintetizaram e apresentaram aos restantes grupos as ideias, sugestões e propostas dos participantes. Ao mesmo tempo, e ao longo de toda a sessão, a designer e ilustradora Manuela Gonçalves, da Câmara, foi sintetizando num quadro visual os tópicos principais: menos carros, menos trânsito, melhor organização dos transportes, rede ciclável, mais árvores e maior permeabilidade, corredores verdes, melhor qualidade do ar, retirar os transportes pesados de mercadorias, alargar passeios e torná-los mais confortáveis, mais preservação do património, melhor iluminação, haver um planeamento da oferta comercial, mais segurança e policiamento, maior coesão entre o largo.

As ideias para o Largo do Rato

Environnement

Uma expressão que se destacou nesta mesa: “um Rato para as pessoas”.

  • redistribuir os diferentes modos de mobilidade para criar espaço para as pessoas;
  • mais árvores para um ambiente mais fresco, com mais sombra e menos ruído;
  • introdução de ciclovia e de estação GIRA;
  • alargar os passeios, separando-os do tráfego rodoviário com estrutura verde;
  • criar um espaço verde no Rato, por exemplo, no lugar do “mamarracho”;
  • integrar o Rato num corredor verde que continua para a vizinhança;
  • activar o Aqueduto e o chafariz;
  • uma ponte pedonal;
  • mais caixotes do lixo e menos caixotes do lixo [foram apresentadas estas duas ideias antagónica];
  • medidores de CO2;
  • mais transportes gratuitos para ter menos carros no Rato;
  • retirar os cartazes de propaganda;
  • uma zona ajardinada no centro e na lateral do largo.

Conectividade

  • expansão do Mercado do Rato, criando uma relação com o largo;
  • passeios contínuos nos cruzamentos do largo com as ruas secundárias;
  • redução da circulação automóvel, com ruas como a do Salitre ou a da Escola Politécnica a ficarem com sentido único ou mesmo sem trânsito;
  • estabelecer uma taxa de tráfego/circulação como em Londres;
  • alterar a política de 2º e 3º dísticos para resolver a política de estacionamento;
  • relocalização das paragens de autocarro para junto das saída do Metro ou para ruas adjacentes, dando outro uso à zona central onde elas estão hoje;
  • introduzir o Rato na rede ciclável;
  • passeios acessíveis;
  • separador central arborizado na Rua Alexandre Herculado e na Rua D. João V;
  • eliminar degraus nas passadeiras, tornando-as acessíveis.

Património

O tema mais difícil entre as várias mesas.

  • manter a imagem actual do Largo do Rato e criar condições para apreciar o seu património;
  • reduzir a publicidade visual;
  • abrir ao público alguns jardins que estão em zonas interiores, fechados;
  • preservar a traça do lugar;
  • preservar as vistas;
  • limpar os elementos patrimoniais;
  • tentar recuperar algum do “aspecto do Largo do Rato antigo”;
  • diversificar o percurso das manifestações em direcção a São Bento para não passarem todas pelo Rato.

Segurança

Uma frase que foi destacada nesta mesa: “arrisco a minha vida todos os dias a atravessar o Rato”.

  • criar percursos pedonais contínuos e não com várias interrupções;
  • atravessamento pedonal subterrâneo ou aéreo, sem prejudicar o aspecto do largo (escolher um design apelativo);
  • aumentar o uso dos transportes públicos e a mobilidade ciclável;
  • taxa elevada para a circulação de carros;
  • reduzir o raio de curvatura nos cruzamentos para diminuir a velocidade dos carros nessas zonas;
  • criar um regulamento para as trotinetas ou eliminá-las;
  • passeios como os da Avenida da República (piso liso, sem calçada);
  • menos burocracia para a reabilitação de edifícios;
  • ter em conta a construção anti-sísmica e formar pessoas para saber como agir perante sismos;
  • mais policiamento;
  • evitar a excessiva ocupação do espaço por bares e esplanadas;
  • melhorar e aumentar a iluminação, principalmente nas passadeiras e passeios, apostando em candeeiros baixos.

Para breve, a Câmara de Lisboa não tem calendarizadas mais iniciativas enquadradas no processo participativo de requalificação do Largo do Rato, devendo haver novidades só no final deste ano ou em 2024. Até lá, as novas ideias poderão ser cruzadas com o trabalho que já tinha sido feito anteriormente, no âmbito do programa Une place dans chaque quartier, que recuperamos aqui. A autarquia tinha referido ao jornal Mensagem de Lisboa, em Novembro de 2022, que a requalificação do Largo do Rato é “uma das prioridades do atual executivo, e como tal, continua prevista a intervenção, fora do âmbito do programa Uma Praça em Cada Bairro”.

O Largo do Rato n’Une place dans chaque quartier

Análise SWOT

Forças

  • existência de frentes de comércio e serviços públicos;
  • interface urbano de transportes públicos com estação terminal da linha de Metro existente (Amarela);
  • carga simbólica do espaço;
  • forte poder de atratividade pela sua posição estratégica na distribuição das redes: viária, transportes e pedonal;
  • valor arquitetónico das suas frentes edificadas com diferentes escalas e funções, que enriquecem o local.
  • função de porta de entrada no casco histórico da cidade;
  • integra a rede pedonal estruturante da cidade.

Fraquezas

  • presença rodoviária muito demarcada criando incompatibilidade no atravessamento pedonal;
  • inexistência de locais de estadia resultando na falta de mobiliário urbano e elementos arbóreos;
  • presença de barreiras físicas (muros e gradeamentos) que promovem cortes na leitura espacial do largo;
  • inexistência de ciclovias e mobiliário para estacionar bicicletas;
  • topografia do largo.

Oportunidades

  • valorizar o interface urbano de transportes públicos (Carris, Metro) com a ligação à linha da CP através do projeto urbano do Mercado do Rato.

Ameaças

  • excessivo peso do interface urbano de transportes públicos (Carris, Metro);
  • forte carga rodoviária.
Principais linhas de actuação
  • aumentar o passeio sul do Largo, junto da frente comercial, dotando-o de dimensão de estadia;
  • potenciar este espaço de uma nova estrutura arbórea que potencie a estadia e o aumento das áreas de esplanada;
  • articular esta intervenção com os projetos existentes na área da acessibilidade pedonal;
  • promover a integração da mobilidade suave, integrando-o numa nova rede da 7ª Colina;
  • compatibilização da proposta de espaço público com a reposição da carreira de elétrico, aproveitando sempre que possível a infraestrutura existente;
  • estudo de circulação viária de toda a área envolvente com introdução de medidas que possibilitem a execução da proposta;
  • implementar um sistema de circulação viário que permita a inversão de sentido em todas as direções (explorar a possibilidade de rotunda);
  • acentuar o eixo focal da Igreja de Nossa Senhora da Conceição (via Rua Alexandre Herculano/Rua do Salitre) e da Avenida Álvares Cabral;
  • melhorar e tornar mais seguro o atravessamento pedonal do Largo através de novos percursos pedonais;
  • retirar o estacionamento no espaço fronteiro à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, introduzindo mobiliário urbano que fomente a estadia;
  • elaborar um estudo de fachadas para a frente edificada sul do largo, que através de um estudo de cérceas e uma nova paleta de cores que permita valorizar a frente mais heterogénea do Largo, com incidência nos rés-do-chão comerciais;
  • elaboração de programa de apoio à reabilitação dos imóveis situados no largo;
  • implementação do programa rés-do-chão como forma de reconverter e diversificar a oferta comercial existente.
Participação pública

Decorreu, online, entre Janeiro e Fevereiro de 2015, tendo tido estas sugestões:

  • necessidade de aumentar a área pedonal e de definir áreas de estadia com mobiliário urbano adequado, quiosques, esplanadas, etc;
  • urgência de adaptação dos passeios a pessoas com mobilidade reduzida e de melhoria do sistema de iluminação pública; 
  • introdução de intervenções artísticas no espaço público e a recuperação/valorização do chafariz do Largo do Rato;
  • reforço da ligação entre os diversos transportes públicos;
  • criação de condições no largo para a circulação de bicicletas e a reposição da linha do eléctrico.
  • reorganizar e simplificar a circulação rodoviária, reduzindo o espaço dedicado ao transporte individual;
  • introduzir medidas de redução da velocidade automóvel;
  • garantir percursos pedonais livres de obstáculos;
  • melhorar as condições de segurança e tempos de espera nos atravessamentos do largo;
  • otimizar os percursos de acesso a transportes;
  • eliminação do estacionamento abusivo e reserva de áreas para cargas e descargas.
  • introdução de áreas verdes e a arborização no Largo do Rato foi identificada como fundamental para a melhoria da qualidade do espaço público.
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