Devolutos. App feita por cidadãos permite mapear as casas vazias em Lisboa

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Dois cidadãos lançaram a Devolutos, uma aplicação “cívica e colaborativa” que permite mapear as casas vazias em Lisboa. O objectivo é mostrar que há muitas casas sem pessoas em plena crise da habitação.

Um imóvel devoluto em Lisboa (fotografia LPP)

Portugal enfrenta uma das maiores crises habitacionais da sua história recente. Famílias expulsas dos seus bairros, rendas incomportáveis, despejos forçados e uma juventude sem perspetiva de autonomia são sintomas de um problema estrutural. Mas, enquanto se fala de “falta de oferta”, há uma realidade gritante que permanece nas sombras: Lisboa tem milhares de casas vazias.

Foi perante essa realidade que Nelson Vassalo e Hugo Conceição, dois cidadãos meramente preocupados com a crise da habitação, lançaram a Devolutos, uma aplicação para Android e iOS, disponível também através de qualquer browser, que permite mapear casas e prédios devolutos em Lisboa, tornando visível aquilo que demasiadas vezes permanece invisível: um parque habitacional subutilizado ou abandonado, em plena crise social.

A application foi desenvolvida com a ajuda de um colectivo de activistas, designers e programadores, e apresenta-se como uma ferramenta “cívica e colaborativa”, que procura denunciar o abandono urbano, visibilizar a injustiça social e exigir políticas públicas à altura do desafio.

O absurdo de “haver tantas casas sem gente e tanta gente sem casa”

Olhando para os dados dos Censos de 2021, do Instituto Nacional de Estatística (INE), cerca de 10,7% dos alojamentos familiares na área metropolitana de Lisboa estão vazios. Lisboa tem a maior percentagem (14,9%), seguida do Montijo (13,1%), Moita (12,1%) e Barreiro (11,2%). A nível nacional, ainda segundo o INE, existem em Portugal cerca de 723 mil casas vazias ou abandonadas. É um número que impressiona à escala europeia: Portugal é o país da OCDE com mais casas por habitante e onde é mais difícil comprar casa.

Já segundo dados da Câmara de Lisboa, existem na capital quase 48 mil casas vazias. “Não podemos continuar a tratar a habitação como uma mercadoria especulativa. O direito à habitação só será concretizado com o fim do absurdo que é haver tantas casas sem gente e tanta gente sem casa”, sublinha Nelson Vassalo.

“As câmaras conhecem muitos destes imóveis, mas demoram a agir. Com a Devolutos, queremos mostrar que os cidadãos não estão dispostos a esperar mais. Não é admissível que o património urbano esteja ao abandono enquanto milhares de pessoas vivem em situação de emergência habitacional”, argumenta o jovem designer.

Edifício devoluto na Estefânia (fotografia LPP)

A application Devolutos propõe dar aos cidadãos uma ferramenta concreta para identificar, mapear e pressionar a recuperação dos imóveis abandonados. Funciona de forma simples e acessível: qualquer pessoa pode fotografar a fachada de um imóvel visivelmente devoluto, a partir da via pública, e associar-lhe a localização geográfica. O resultado é um mapa colaborativo e em constante actualização, que expõe o paradoxo entre casas vazias e pessoas sem casa.

Note-se que fotografar fachadas a partir da rua é legal uma vez que casas ao contrário de pessoas não têm personalidade jurídica – no entanto, a Associação Nacional de Proprietários (ANP) considera o contrário e ameaçou processar os criadores da Devolutos.

Les devolutos já mapeados em Lisboa (captura de ecrã LPP)

Na primeira semana de vida, os criadores da aplicação estimam que mais de 1000 casas devolutas tenham sido assinaladas por utilizadores de todo o município de Lisboa, referindo que, em menos de uma semana, criou o maior retrato participativo da habitação desocupada na capital.
Dizem ainda que estes mil imóveis são apenas 2% do total de 48 mil casas vazias em Lisboa e uma ínfima fração dos cerca de 723 mil devolutos por Portugal.

A app Devolutos está disponível gratuitamente para dispositivos Android e iOS e em versão web. Em breve, Nelson e Hugo vão lançar actualizações da app e expandir o mapa para todo o país, uma vez que, por agora, só pode ser utilizada na cidade de Lisboa. Os autores notam que a iniciativa não é comercial, nem governamental; é feita por cidadãos e sem fins lucrativos.

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