
Um artigo do Polígrafo e outro do Público e antes disso duas publicações do antigo jornalista José António Cerejo na rede social Facebook (ici e ici), com mais de uma centena e meia de partilhas. Nas últimas duas semanas, muito se falou do Parque Urbano do Alto do Duque e do antigo Aquaparque do Restelo com muitas dúvidas e alguns equívocos à mistura. O Lisboa Para Pessoas visitou o local, situado na freguesia de Belém, contactou a Câmara de Lisboa e escreveu o seguinte texto em colaboração com o grupo Vizinhos de Belém.
Há 28 anos o Aquaparque do Restelo fechou. Uma tragédia, envolvendo a morte de duas crianças, que foram sugadas por duas tubagens sem a rede de protecção que deveriam ter, ditou o encerramento daquele espaço. Durante mais de duas décadas, o “Aquaparque da morte”, como ficou conhecido, manteve-se ao abandono (até meados de 2018). Tentou-se concessionar o espaço a uma empresa privada para a criação de um parque temático, mas o projecto nunca avançou, como escrevia o Diário de Notícias naquele ano, dando conta da alternativa então em estudo pela Câmara de Lisboa: criar ali um parque infantil.
De parque aquático a parque temático. De parque temático a parque infantil… com uma escola de ciclismo
Ultrapassado o contexto trágico do Aquaparque e os conflitos legais que impediram qualquer intervenção naquele local, procurou-se devolver aquela área ao Parque Florestal de Monsanto. Assim, uma parte do recinto do antigo complexo aquático foi requalificado com a retirada das piscinas, a plantação de árvores e a colocação de prado, tal como escrevia a imprensa em 2018. Foi também construído um parque infantil entre pinheiros, no meio do prado. Essa área encontra-se aberta ao público no imediato e integrada no Parque Florestal de Monsanto. Mas a autarquia baptizou o espaço também como Parque Urbano do Alto do Duque ou Parque Urbano da Quinta de Santo António.
Fechados mantêm-se os vários edifícios que compunham o Aquaparque. As obras de requalificação deste antigo edificado arrancaram em 2018 e foram terminadas um ano depois (Empreitada n.º 41/16/DMEVAE/DEV/DCREV). A abertura esteve prevista primeiro para a Primavera e depois para o Outono, mas já lá vamos. De fora, através das grades e dos portões que impedem o acesso ao espaço, é possível espreitar caminhos pedonais traçados, árvores plantadas, e em aparente bom estado, e todo o complexo com bom aspecto exterior e com a “pintura em dia”. Mas, tratando-se de uma requalificação terminada há dois anos, existem agora várias ervas indesejadas a crescer ao longo dos caminhos e junto aos edifícios.
Segundo declarações de José Sá Fernandes, vereador da Câmara de Lisboa responsável pela Estrutura Verde, à imprensa em 2018, o plano era criar neste espaço um parque infantil coberto, “uma coisa que faz falta em Lisboa, haver sítios que tenham cobertura para quando está mau tempo, chuva, vento, para as pessoas poderem usufruir”, explicou o autarca na altura. Declarações parecidas prestou Sá Fernandes numa Reunião Pública Descentralizada da Câmara Municipal de Lisboa para a freguesia de Belém no mesmo ano. Com uma zona ajardinada, uma cafetaria que seria concessionada e casa-de-banho, o espaço estaria aberto todos os dias às famílias para festas de aniversário e outras actividades que pudessem beneficiar da proximidade da Natureza e de Monsanto. Os portões e o gradeamento manteriam a segurança do recinto durante a noite.
De acordo com o projecto divulgado então e recuperado pelo colectivo Vizinhos de Belém, o parque infantil coberto estaria dividido por quatro faixas etárias – bebés, pré-escolar, escolar e adolescentes – com equipamentos adequados a cada idade, e contaria também com uma área de mesas de matraquilhos, mesas para jogos de tabuleiro e equipamentos de fitness no exterior, protegido por telheiros. “Acho que vai ficar muito agradável”, comentou Sá Fernandes na altura aos jornalistas. Mas não ficou. O projecto do Parque Urbano do Alto do Duque parece abandonado desde a requalificação do edificado concluída em 2019, o que motivou José António Cerejo a lançar a discussão na sua página de Facebook: “Vai uma aposta? Antes das próximas eleições autárquicas vai aqui – no espaço do antigo aquaparque de Monsanto, junto ao bairro de Caselas, em Lisboa – ser inaugurado o Parque Urbano do Alto do Duque. Ninguém mo disse, mas eu adivinho”, escreveu o antigo jornalista do Público, aproveitando para lançar algumas críticas ao vereador lisboeta que não se recandidata em Setembro: “De grande organizador, todos conhecemos os méritos do Zé [José Sá Fernandes]: especialista em inaugurar obras inacabadas (…); mestre em atribuir concessões de espaços e equipamentos públicos a empresas duvidosas, através de processos pouco transparentes, que depois têm de ser anuladas, acabam por não se concretizar, ou ficam manchadas por suspeitas várias.”
Para que fique claro: a publicação de José António Cerejo refere-se ao espaço interior do dito Parque Urbano, aquele que se encontra circunscrito pelas vedações; sendo que a área exterior se encontra aberta. Ao Lisboa Para Pessoas, o Gabinete do Vereador José Sá Fernandes confirma-o: “O Parque Urbano em causa está aberto há vários anos e todas as vedações foram retiradas. O acesso é completamente livre e tem um parque infantil e juvenil disponível, áreas de pic-nics e de estadia. É um espaço que mantém uma clareira central com boa exposição solar e é visitado por muitos utilizadores do Parque Florestal. Depois de todas as obras de demolições, hoje Monsanto recuperou quase 3 hectares do Parque Florestal, num processo notável de naturalização.”
Na visita que o Lisboa Para Pessoas realizou ao local não encontrou qualquer indicação ou placa acessível do dito Parque Urbano do Alto do Duque. O nome do espaço aparece, no entanto, num mapa dos percursos pedestres de Monsanto que se encontra colado junto à entrada principal do antigo Aquaparque, confirmando-se que o mesmo integra tanto o edificado protegido pelo gradeamento e pelos portões, como a parte exterior. O espaço aberto ao público aparenta estar limpo mas não ter muita utilização. Há um anfiteatro onde a autarquia queria que se realizassem eventos mas não encontrámos qualquer “vestígio digital” de alguma vez ter acontecido por ali alguma coisa. Um parque infantil, mesmo ao lado, tem aspecto de novo. Umas fitas da Polícia Municipal rodeiam-no; dá aspecto de terem sido postas aquando das restrições da pandemia e de nunca terem sido retiradas.
O impasse da abertura e a escola de ciclismo
A requalificação da área do Parque Urbano circunscrita ficou concluída no Verão de 2019, conforme notam os Vizinhos de Belém, e a abertura prevista para o Outono, de acordo com declarações do Presidente da Câmara, Fernando Medina, numa outra Reunião Pública Descentralizada para a freguesia de Belém, em 11 de Setembro de 2019. O executivo esclareceu também, por essa altura, que as duas salas do edificado onde se instalaria a cafetaria e a área de festas de aniversário teriam de ir a concurso público para serem concessionadas a entidades privadas. Enquanto preparava o lançamento para a hasta pública, a Câmara disse que ainda aguardava que a EDP Distribuição e a EPAL executassem as empreitadas necessárias para servir adequadamente o edifício principal com electricidade e água. Posteriormente, enquanto decorriam essas empreitadas, foram roubados equipamentos de ar condicionados instalados no edifício, o que levou a Polícia Municipal a estar presente 24 horas no local desde o final de 2019.
Só na 130ª Reunião Pública da Câmara Municipal de Lisboa, a 27 de Maio de 2020, o vereador José Sá Fernandes conseguiu lançar a Proposta n.º 80/2020 relativa à “Concessão de uso privativo de uma parcela delimitada de terreno na antiga Quinta de Santo António (Ex-Aquaparque), incluindo os edifícios, as construções, os equipamentos e a área envolvente, sita na Avenida das Descobertas, no Parque Florestal de Monsanto, em Lisboa” (o Parque Urbano do Alto do Duque também já foi referenciado como Parque Urbano da Quinta de Santo António). A discussão e votação da proposta acabou por ser adiada por ser do domínio privado da Câmara, de acordo com vários vereadores presentes na reunião, e não voltou a aparecer em nenhuma ordem de trabalhos até ao passado mês de Julho.

No passado dia 30 de Julho, foi aprovado em Reunião de Câmara o “Protocolo de Colaboração entre o Município de Lisboa, a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicletas e o Núcleo Cicloturista de Alvalade, para a atribuição de uma licença de utilização privativa do domínio público municipal de uma parcela delimitada de terreno na Quinta de Santo António, incluindo os edifícios, as construções, os equipamentos e a área envolvente, no Parque Florestal de Monsanto (PFM), para a implementação do Centro de Formação e Aprendizagem para o Uso da Bicicleta, nos termos da proposta”. De acordo com a acta da reunião, a proposta, que já foi tornada pública no Boletim Municipal, foi aprovada com votos a favor do PS, PSD e CDS, e as abstenções do PCP e do BE.

De acordo com o protocolo, a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB), que promove regularmente em conjunto com a autarquia cursos de iniciação à bicicleta, e o Núcleo Cicloturista de Alvalade (NCA), que lançou a Escolinha de Bicicleta, a primeira escola de bicicletas do país, tendo proporcionado a aprendizagem da bicicleta a centenas de pessoas desde a sua criação, vão ter acesso durante 25 anos – um período longo no tempo de vida, prioridades e estratégia de uma cidade – aos espaços onde outrora se previa a instalação da cafetaria e da sala para festas de aniversário.
Segundo o protocolo, a instalação do denominado Centro de Formação e Aprendizagem para o Uso da Bicicleta de Lisboa tem três fases:
- Na primeira fase começará a funcionar a escola com “preços para alunos abaixo dos valores atualmente praticados no mercado”;
- Para a segunda fase está prevista a criação de uma loja, uma oficina, parqueamento para bicicletas, uma cafetaria e estruturas para lavagem e aluguer de bicicletas;
- Na terceira fase está contemplada a instalação de um quiosque e de um novo parque infantil no exterior.
O centro destina-se a três tipos de utilizadores de bicicleta: utilizador de lazer (utilizador ocasional; faz percursos de bicicleta, por exemplo, ao fim-de-semana); utilizador citadino/mobilidade (faz percursos de bicicleta na cidade todos os dias); e utilizador BTT . O protocolo dá o direito à FPCUB e ao NCA de começarem a pagar despesas correntes (água, electricidade, etc) “a partir da segunda fase do projecto” e estabelece uma renda mensal de 80 euros durante a primeira fase; e de 2300 euros a partir do segundo ano da segunda fase.
“Não existem, no concelho de Lisboa, projectos ou equipamentos que permitam a aprendizagem da bicicleta a preços acessíveis e de forma massificada, justificando-se o apoio do Município de Lisboa a projectos desta natureza”, lê-se no documento, onde também é referido que “não obstante o aumento do número de utilizadores de bicicleta na cidade de Lisboa nos últimos anos, são ainda muitas as pessoas que, podendo fazê-lo, não utilizam a bicicleta nas suas deslocações porque não sabem andar de bicicleta”. Não obstante do racional por detrás deste protocolo, note-se que o mesmo foi estabelecido entre a autarquia e duas entidades sem a existência prévia de um concurso público, por exemplo, que permitiria dar a oportunidade a outras associações e organismos ligados às duas rodas para participar ou mostrar interesse no projecto do Centro de Formação e Aprendizagem.
De referir ainda que João Gonçalves Pereira, vereador do CDS sem pelouro, é presidente de uma das associações, o NCA, não tendo, por isso, participado na discussão e votação da proposta. Ao jornal Público, João Gonçalves Pereira destacou que o antigo Aquaparque “é o espaço ideal. Permite a iniciação à bicicleta, permite um pequeno acesso ao contacto entre bicicletas e automóveis e tem ali Monsanto ao lado”. “Este é um espaço de serviço à cidade. Se andamos a investir em ciclovias, vamos ensinar os lisboetas a andar de bicicleta”, acrescentou, apontando os meses de Março e Abril do próximo ano para o início da operação.
Ao Lisboa Para Pessoas, o Gabinete do Vereador José Sá Fernandes esclareceu que “a situação de pandemia atrasou o lançamento de qualquer procedimento de concessão destinada a estes equipamentos dada a sua maior complexidade de operação, bem como a menor capacidade de investimento, tendo sido considerado protelar uma decisão”. O mesmo Gabinete acrescenta que “uma vez que se concluiu a recuperação dos imóveis e dos equipamentos mesmo antes do eclodir da pandemia – que como se sabe veio impossibilitar o uso de estruturas desta natureza durante largos meses – e para que não constituíssem um potencial foco de desvalorização fruto de eventuais actos de vandalismo, optou-se por mantê-los encerrados”. A autarquia destaca a “mais-valia social e ambiental” do projecto agora protocolado e diz que “é preferível que o local tenha uma utilização desportiva/social e não uma utilização estritamente comercial”, com a cafetaria e sala de festas.
O edificado do Parque Urbano do Alto do Duque ficará, com a FPCUB e a NCA, aberto ao público, não tendo sido abandonados os planos iniciais de criar naquela zona um parque infantil coberto, uma vez que apenas duas salas ficarão atribuídas ao futuro Centro de Formação e Aprendizagem para o Uso da Bicicleta de Lisboa. Isto significa que a segunda publicação de José António Cerejo no Facebook, na qual o ex-jornalista escrevia que todo o Parque Urbano seria concessionado para a escola de velocípedes, contém informação falsa, ao contrário da avaliação realizada pelo jornal Polígrafo.
Artigo actualizado a 13/08/2021 com a adição de mais informações.