Pais, mães e crianças imaginam um mundo diferente à porta da sua escola

Na mobilidade escolar, o automóvel é rei. Perto de 50% das crianças disse, num inquérito realizado em Outubro do ano passado, que vai para a escola de carro, 19,0% de transportes públicos, 24,2% a pé e apenas 1,5% de bicicleta. “Há muitas coisas por fazer, o espaço público junto às escolas limita muito a mobilidade segura das crianças.” Esta é a opinião do grupo de pais e mães da Escola Básica (EB) Sarah Afonso, nos Olivais, que, no início de Abril, arrancou com um Comboio de Bicicletas às quintas. É o sétimo comboio a circular na cidade, oferecendo às crianças uma forma diferente e alternativa de ir para a escola.

Os Comboios de Bicicletas são um programa municipal criado no início deste ano lectivo, mas a Câmara é aqui um mero mediador. A iniciativa surge entre pais e crianças que tenham vontade de viver a cidade para além do vidro do automóvel e que, pelo menos uma vez por semana, se desafiem a experimentar um modo de transporte diferente: a bicicleta. Localmente, em cada escola, alguns encarregados de educação organizam-se com os seus filhos para criarem o seu comboio, que, como os comboios tradicionais, têm horários, paragens e podem ter várias linhas. No ponto de partida, o comboio pode partir com uma ou duas crianças apenas e ao longo do percurso vai-se formando o grupo; o trajecto pode ser acompanhado pelos pais, mas há sempre pelo menos dois monitores voluntários (um à frente e outro na retaguarda) a garantir a segurança dos mais pequenos.

Na primeira viagem do Comboio de Bicicletas da EB Sarah Afonso, o momento foi de celebração mas também de preocupação. Um grupo de pais e de mães aproveitou a presença do vereador da mobilidade da Câmara de Lisboa, Miguel Gaspar, e da presidente da Junta de Freguesia dos Olivais, Rute Lima, para, num gesto de cidadania participativa, propor uma envolvente diferente para a escola. “As entradas da escola, em vez de serem espaços seguros onde as crianças podem circular sem risco, são locais invadidos por automóveis que incorrem em manobras perigosas e limitam a visibilidade, especialmente quando se trata de crianças pequenas, cuja estatura fica completamente ocultada por um carro”, referem António, Carla, Filipa, Luís, Cláudia e Catarina, por e-mail, ao Lisboa Para Pessoas. “Para haver uma alteração significativa na mobilidade das crianças, por forma a promover as deslocações pedonais e em bicicleta, consideramos prioritário repensar as características físicas das áreas de acolhimento das escolas e a sua inserção no tecido urbano.”

O grupo de encarregados de educação, todos moradores nos Olivais, desenvolveram duas ideias para as duas entradas da EB Sarah Afonso, actualmente dominadas pelo automóvel. No portão principal, defendem um passeio contínuo que se prolongue para a estrada, em substituição das actuais passadeiras sobrelevadas; a ideia é que seja o carro a invadir o espaço do peão e não o contrário. No segundo portão, projectam uma zona de coexistência para aumentar a área em frente à escola e à qual só os residentes na zona possam aceder de automóvel: a ideia é que os carros dos pais não fiquem atolados à porta da escola.

“O vereador e a presidente puderam experienciar em primeira mão a insegurança rodoviária junto aos portões de entrada, que queremos ver corrigida”, relatam, referindo que ambos escutaram as ideias propostas. “O vereador pareceu remeter para a presidente a responsabilidade de avançar com uma solução ou um desejo de solução. A presidente referiu que a parte da insegurança se deve ao estacionamento abusivo de alguns encarregados de educação. O importante é que seja encontrada uma solução conjunta para que as envolventes das escolas se tornem zonas seguras.”

Situação actual em frente à EB Sarah Afonso (fotografia cortesia dos pais e mães)

Iniciativas como os Comboios de Bicicletas, a introdução do ensino da bicicleta na escola, a expansão da rede ciclável e a instalação de estacionamentos seguros (bicicletários) podem contribuir para o aumento da repartição modal da bicicleta no panorama da mobilidade escolar nos próximos anos. O comboio da EB Sarah Afonso é, como referido, o sétimo a nascer na cidade. Há mais dois comboios no Parque das Nações, um no Restelo, um nos Olivais, um em Telheiras e dois entre o Areeiro e Arroios. Os agrupamentos escolares interessados só precisam de se organizar entre si e de se inscreverem aqui.

Muitas vezes, a ideia de criar um comboio numa escola surge de ver os outros a fazer. Foi o caso também dos pais e mães da EB Sarah Afonso que, antes de criarem o seu comboio, foram espreitar o da EB Bairro do Restelo “num dia cinzento de inverno, bem cedo pela manhã”. “Presenciámos a felicidade das crianças, mesmo com alguma chuva à mistura, a pedalar até à escola com os amigos”, contam os pais e mães. “Decidimos trazer a ideia para a nossa comunidade.” Pediram à autarquia a instalação de um parque de bicicletas no interior da escola e arrancaram logo com os comboios, primeiro de uma forma mais informal.

O sucesso dos Comboios de Bicicletas não se avalia nos números. Vê-se nos sorrisos, no bem estar dos mais pequenos, na sua energia. Vê-se, quiçá, nos seus desenhos. “Alguns alunos tiveram uma aula sobre segurança rodoviária e fizeram vários desenhos de como gostariam que fosse o espaço exterior junto à escola”, contam.

“Em alguns dos desenhos vemos carros e estradas mas também vemos muitas bicicletas, ciclovias, bicicletários, jogos da macaca, jogos do galo, pessoas a pé… as crianças não têm uma ideia instituída e fechada sobre a mobilidade e é preciso continuar a mostrar-lhes que é possível chegar de várias formas à escola e que podem considerar a bicicleta como um meio de transporte”, comentam. “Se não criarmos as condições para que a mobilidade pedonal e em bicicleta sejam uma opção, as crianças não só vão deixar de incluir pessoas a pé e bicicletas nos seus desenhos como vão crescer sem equacionar a mobilidade activa como uma opção.” Afinal, de pequenino é que se torce o pepino.

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