Passeio de dia, estacionamento à noite. Ideia não está a funcionar (para já?) em Campo de Ourique

De dia, seria passeio. De noite, estacionamento para residentes. Mas a ideia de espaços multifuncionais ou de uso intensivo não está a ter resultado. Junta de Freguesia de Campo de Ourique está atenta.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

As ruas estreitas de Campo de Ourique deixam pouco espaço para conciliar o conforto pedonal com as necessidade de estacionamento da população residente e o espaço dedicado à circulação viária. E nessa equação, geralmente é a mobilidade pedonal que sai prejudicada. A estratégia da Junta de Freguesia de Campo de Ourique nas ruas onde intervém tem passado por caminhos pedonais mais estreitos ou inexistentes de um lado da estrada e pelo seu alargamento no lado oposto; mais recentemente, decidiu testar zonas multifuncionais, que podem ter diferentes usos ao longo do dia.

Passeio de dia, estacionamento à noite. Esta foi uma ideia que a Junta de Campo de Ourique (JFCO) aplicou na requalificação da rua com o nome da freguesia. A intervenção realizada ao longo da Rua de Campo de Ourique e num troço da Rua Silva Carvalho entre Abril de 2021 e o início deste mês de Janeiro levou à criação de de duas áreas de estacionamento nocturno que, de dia, funcionariam como uma extensão do passeio estreito. A sinalética colocada no local deixa bem claro: proibida a paragem e o estacionamento entre as 9 e as 19 horas.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

O conceito é interessante e permite dar a um determinado espaço o uso que mais importância tem em determinada hora: de dia, para passear e aceder ao comércio local; de noite, para os residentes terem estacionamento. No fundo, trata-se de dar um uso intensivo aos mesmos metros quadrados. A Junta de Campo de Ourique explica-nos que em vez e alcatroar os lugares se procurou um pavimento em lajetas de betão, mais preferencial para o peão e capaz de suportar o peso dos veículos.

Aproveitar cada metro quadrado o máximo possível ao longo do dia, dando-lhes os usos mais adequados em cada momento, é uma estratégia que para a JFCO é importante para se conseguir melhorar o espaço público numa área consolidada como é a zona histórica da freguesia, onde, por outro lado, a procura por estacionamento é constante por parte dos residentes e não há espaço para criar novos parques à superfície. O espaço disponível é pouco, mas a pressão é muita e há diferentes vontades a conciliar.

Numa breve visita ao local, o Lisboa Para Pessoas verificou que a ideia não está a funcionar na prática. Por volta das 17 horas, quase todo o suposto espaço multifuncional nas duas ruas estava ocupado por veículos estacionados; na Rua Silva Carvalho, por exemplo, havia alguns condutores dentro dos seus veículos mas outras viaturas sem ninguém e que permaneceram imóveis durante bem mais que o quarto de hora que estivemos no local.

Fotografia de Lisboa Para Pessoas

Pedro Costa, Presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, admite o problema e diz estar atento, salientando que ainda é cedo para tirar conclusões sobre o conceito. Não tendo a Junta competências de fiscalização, caberá à Polícia Municipal fazê-lo, de forma a garantir a libertação daquele espaço que, em horário diurno, é passeio. Pedro admite, contudo, a realização de uma campanha de sensibilização e educação no local. Certo é que aqueles não-lugares podem ser apetecíveis para condutores que procurem uma paragem rápida escapando, ao mesmo tempo, ao pagamento do parquímetro, em ruas onde todo o estacionamento é tarifado e a oferta já é escassa durante o dia.

A Junta de Campo de Ourique já tinha testado este conceito de espaços multifuncionais de uso intensivo noutras intervenções, por exemplo, na requalificação do Largo Dr. António Viana, onde durante o dia há lugares de estacionamento que passam a área de esplanada, libertando o espaço pedonal que de outra forma estaria ocupado pelas mesas e cadeiras. Para Pedro Costa, “alargar drasticamente área para espaço pedonal” é uma prioridade da Junta quando se intervém em espaço público, até porque entra em linha com a ideia de uma cidade de 15 minutos. Ao devolver espaço ao peão, convida-se, por exemplo, os pais a deixarem o carro em casa e a levar os filhos a pé até à escola ou alarga-se a distância que uma pessoa mais idosa pode percorrer porque deixou de ter aquele obstáculo – “os 15 minutos não são iguais para todos. A minha cidade de 15 minutos não será igual à da minha avó”, exemplifica.

A intervenção na Rua Silva e Carvalho (fotografia de Lisboa Para Pessoas)

Para a freguesia de Campo de Ourique, estão previstos dois parques de estacionamento em silo, um deles está agora em construção num parque já existente e que no fundo irá ganhar novos andares. A Junta entende que “esta construção de lugares” tem de ser acompanhada pela “responsabilidade” de melhorar a vivência do espaço público da freguesia, seja alargando os canais pedonais, seja retirando carros da proximidade de passadeiras – “não pode ser sempre mais estacionamento, tem de ser melhor estacionamento”. Mas, acima de tudo, há que adoptar uma postura de co-criação, pensando as cidades e os bairros numa perspectiva de longo prazo com as pessoas, envolvendo-as nos processos e não impondo soluções contra a vontade da população.

A intervenção na Rua de Campo de Ourique (fotografia de Lisboa Para Pessoas)

Esta adaptabilidade dos espaços que está a ser experimentada nas ruas de Campo de Ourique e Silva Carvalho pode permitir que, num futuro, quando a área já não for precisa para o automóvel (porque se resolveu essa questão), possa ser convertida definitivamente em espaço para o peão. “Por agora, este espaço é precariamente do automóvel”, entende Pedro Costa – para transformar aqueles metros quadrados em passeio definitivo, bastará remover o sinal e colocar pilaretes. “Estamos a dotar a infraestrutura de capacidade de flexibilidade.”

O projecto nestas duas ruas foi executado pela JFCO com o apoio do anterior executivo da CML, sendo que “é cedo ainda para saber o que o novo executivo municipal pensa sobre este tipo de soluções”. Da mesma forma que o espaço pode ser tornado definitivo do peão, o mesmo pode acontecer para o automóvel, removendo o sinal de proibição e tarifando os novos lugares.

Ao longo da Rua de Campo de Ourique e naquele bocado da Rua Silva Carvalho, existiram várias melhorias ao nível da mobilidade pedonal. Por exemplo, na intersecção das duas ruas, o passeio passou a ser contínuo, fazendo o condutor invadir o espaço do peão e não o contrário (o peão invadir o espaço do automobilista). Houve troços com o passeio alargado, o Largo do Paiol passou a ter zonas de estadia, o estacionamento foi todo reorganizado, foram criadas bolsas para motas e bicicletas e os pisos foram renovados.

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