O Jardim-Escola João de Deus dos Olivais ficou sem carros à porta. Pais e mães passaram a fazer os últimos metros a pé com as suas crianças. Escola quer aproveitar a nova envolvente mais segura e agradável para aulas de educação física e outras actividades.

André Carvalho, director do Jardim-Escola João de Deus dos Olivais, lembra-se bem de como era a rua em frente da escola antes do encerramento ao trânsito: um caos de automóveis. Os pais e mães “faziam tetris” e estacionavam onde conseguiam, incluindo em cima dos passeios estreitos, para deixarem os filhos mesmo à porta. E com as manobras de marcha-atrás para saírem, “era uma sorte” uma criança não ser apanhada por um carro, diz. Se fosse necessário, uma ambulância ou veículo dos bombeiros não conseguiria aceder à escola.
No início deste ano, tudo mudou. A rua em frente ao Jardim-Escola João de Deus dos Olivais foi fechada definitivamente ao trânsito pela Câmara Municipal de Lisboa. Trata-se de uma rua sem saída – de um beco, o que terá tornado mais fácil o seu encerramento. “Os Olivais estão cheios de becos”, comenta André Carvalho, explicando que muitas ruas no bairro são cortadas a meio por zonas pedonais ou áreas verdes. Agora, os pais e mães são forçados a parar os carros mais longe da entrada da escola e a fazer os últimos metros a pé com as crianças.

Continua a existir algum caos – principalmente de manhã, pois os horários de entrada são mais coincidentes que os de saída. Foram criados cinco lugares de tomada e largada de passageiros junto à rua da escola agora fechada, mas que são insuficientes para acomodar todos os veículos que vão chegando quase em simultâneo ali por volta das nove horas. Muitos pais e mães páram ao longo da rua e onde há espaço, mesmo que exista uma raia ou uma linha amarela a indicar proibição de paragem. Apesar dessa contraordenação, fazem questão de ensinar os seus mais pequenos e pequenas a atravessar a estrada pela passadeira. Os últimos metros até à escola são agora feitos a pé e de mãos dadas – os encarregados de educação acompanham os seus educandos até ao portão da escola, trocam olás e bons dias com outros adultos. As crianças mais velhas já fazem este percurso sozinhas.
“Penso que todos reconhecem que não é tão cómodo mas havia consciência” do problema que ali existia, e “não há coragem para exigir que se volte atrás”, aponta André. O director da escola refere que a aceitação foi generalizadamente positiva e que teve apenas “dois ou três casos de pais que colocaram algumas questões” que foram encaminhadas para a autarquia – por exemplo, o que fazem quando têm duas crianças pequenas e uma tem de ficar no carro. O acesso dos veículos de emergência, que antes com a confusão à porta da escola teriam dificuldade de aceder à mesma, está agora assegurado, assim como o de carrinhas de fornecedores – alguns dos pilaretes colocados a fechar a rua podem ser rebaixados em caso de necessidade. “Agora já faz alguma confusão ver aqui um carro”, desabafa André.




O encerramento daquele beco sucedeu a algumas experiências no espaço público em redor da escola “que não funcionaram” – foi pintada uma faixa amarela em redor do passeio para sinalizar a proibição de paragem naquele local e removido os lugares de estacionamento público que existiam na rua, reservando toda a área à tomada e largada de passageiros. E o próprio Jardim-Escola criou uma “bolsa de segurança”, com três vasos mesmo em frente à escola para bloquear paragens de veículos mesmo junto ao portão. Já no ano 2020/21 começou a ser ensaiado o encerramento definitivo com a iniciativa municipal Mexe-te Pela Tua Cidade, que levou ao fecho da rua todas as quartas e que permitiu perceber como é que seria a dinâmica de entradas e saídas com essa condicionante excepcional. O envolvimento de alguns encarregados de educação do Comboio de Bicicletas que se realiza naquela escola às quartas e da direcção da escola foram importantes para este fecho.

O caos que se vivia em frente ao Jardim-Escola João de Deus dos Olivais todas as manhãs e todas as tardes, de segunda a sexta, não é diferente do que se experiência por muitas escolas da cidade – os carros dos pais e mães acumulam-se à entrada dos agrupamentos escolares, parados onde há espaço, mesmo que ocupem passeios ou paragens de autocarro. A confusão é momentânea e concentrada principalmente de manhã, nos 20-30 minutos correspondentes à entrada da maioria dos alunos; de tarde, dilui-se ao longo de mais tempo pois os horários de saída são mais dispersos, não deixando de se notar, contudo, a partir das 16 horas.
André Carvalho espera usar o novo espaço conquistado à frente do Jardim-Escola João de Deus dos Olivais para algumas aulas de educação física, nomeadamente aulas para aprender a andar de bicicleta, de patins e de skate. Prevista está também uma intervenção artística no asfalto, a ser realizada com a colaboração dos meninos e meninas do Jardim-Escola. André quer também “dar um nome ao beco”, para que deixe de ser “só um complemento de uma rua” e possa ter mais dignidade.

Cidades como Paris e Barcelona têm vindo a retirar os carros da frente das escolas da cidade, criando ruas pedonais e onde são privilegiados modos suave de deslocação como a bicicleta. O objectivo é melhorar a segurança rodoviária e a qualidade ambiental. Em Lisboa, realiza-se todas as terças-feiras o encerramento da envolvente do Agrupamento de Escolas D. Filipa de Lencastre, no bairro do Arco do Cego, aos carros; mas é caso único na cidade. Tirando este fecho definitivo nesta escola nos Olivais, as envolventes escolares da capital portuguesa são ainda muito dominadas pelo automóvel e, aliás, é de carro que a maior parte dos alunos se deslocam para as escolas, segundo o inquérito Mãos Ao Ar! de 2020.