A Universidade de Lund, na Suรฉcia, identificou e classificou as 12 medidas mais eficazes que as cidades europeias tรชm vindo a testar nas รบltimas dรฉcadas, utilizando dados de experiรชncias reais.

Pergunta: o que รฉ que as seguintes estatรญsticas tรชm em comum?
- A segunda fonte (em crescimento) de emissรตes de CO2 na Europa;
- O principal causador de mortes de crianรงas nos Estados Unidos e Europa;
- A principal causa de poluiรงรฃo sonora, indutora de stress, e de poluiรงรฃo do ar, reduzindo a esperanรงa de vida nas cidades europeias;
- Um dos principais motores da desigualdade entre ricos e pobres em zonas urbanas.
Resposta: carros nas nossas ruas, principalmente os carros daqueles com maiores rendimentos.
Apesar de uma (lenta) migraรงรฃo para carros elรฉctricos, as atuais tendรชncias de consumos estรฃo a tornar o uso do carro ainda mais dispendioso e desigual. Uma anรกlise recente mostrou que a reduรงรฃo de emissรตes por parte de veรญculos elรฉtricos foi mais que anulada pelo aumento do consumo de SUVs, veรญculos altamente dependentes de combustรญveis fรณsseis. Os SUVs emitem mais carbono que Canadรก ou Alemanha, e contribuem mais que a indรบstria pesada para o aumento destas emissรตes.
Enquanto os carros sรฃo frequentemente necessรกrios para promover mobilidade e inclusรฃo social das populaรงรตes โ em especial para os portadores de deficiรชncia โ, cidades centradas no automรณvel sรฃo especialmente desvantajosas para as populaรงรตes marginalizadas. No Reino Unido, mulheres, jovens e idosos, comunidades racializadas e portadores de deficiรชncia tendem a fazer parte das famรญlias de menores rendimentos, das quais 40% nรฃo tรชm carro. Contrastando com as famรญlias de maiores rendimentos, em que praticamente 90% detรชm pelo menos um carro.
Os hรกbitos de conduรงรฃo de um pequeno grupo causam grandes danos na sociedade como um todo, e isto รฉ especialmente relevante nas cidades. Por exemplo, Copenhaga calculou, considerando os impactos para o bem estar social (saรบde fรญsica, mental, acidentes e trรขnsito) e para o ambiente (emissรตes de gases efeito estufa, poluiรงรฃo do ar e sonora), que cada quilรณmetro feito numa bicicleta traz benefรญcios sociais em torno dos โฌ0.64, enquanto um quilรณmetro feito por um carro causa uma perda lรญquida para a sociedade de -โฌ0.71. Consequentemente, cada quilรณmetro em que um carro รฉ substituรญdo por uma bicicleta criarรก um benefรญcio social de โฌ1.35 โ de acordo com o mesmo estudo, os ganhos de trocar um carro movido a combustรญveis fรณsseis por um carro elรฉtrico รฉ de meros cรชntimos.

Reduzir o papel do carro nas cidades
Hรก meio sรฉculo, a capital dinamarquesa era dominada pelo carro. No entanto, depois de campanhas lideradas por movimentos cรญvicos e populares para mudar as ruas e as polรญticas em vigor, como substituir lugares de estacionamento por ciclovias segregadas, o contributo da bicicleta em todas as viagens aumentou de 10% em 1970 para 35% nos dias de hoje. Em 2015, pela primeira vez, o nรบmero de viagens feitas com bicicletas ultrapassou o nรบmero de viagens de automรณveis.
Entretanto, outras iniciativas para limitar o uso do carro tรชm sido testado pelo mundo; mas autarcas, urbanistas e cidadรฃos ainda nรฃo tem um guiรฃo solidamente suportados por evidรชncia cientรญfica de qual a melhor forma de reduzir o carro nas cidades. A nossa investigaรงรฃo mais recente, feita pela Paula Kuss, do Centro de Estudos de Sustentabilidade da Universidade de Lundo, e publicada no Case Studies on Transport Policy, tenta contribuir para este debate ao ao quantificar a eficรกcia de diferentes polรญticas cujo objectivo รฉ a reduรงรฃo do uso do carro.
O nosso estudo classifica as 12 medidas mais eficazes que as cidades europeias tรชm vindo a testar nas รบltimas dรฉcadas, utilizando dados de experiรชncias reais, que vรฃo de medidas de discriminaรงรฃo positivas como programas de incentivo ao uso de bicicletas ou caminhar para o trabalho, atรฉ medidas restritivas como a remoรงรฃo de lugares de estacionamento. A classificaรงรฃo reflete a eficรกcia das cidades nรฃo sรณ na reduรงรฃo do uso do carro, mas tambรฉm em atingir melhorias na qualidade de vida e mobilidade sustentรกvel para os seus residentes.
No total, analisรกmos um total de 800 relatรณrios, revistos por pares, e estudos de casos por toda a Europa, publicados desde 2010, a procura de estudos que quantificam onde e como รฉ que as cidades conseguiram reduzir o uso do carro. De acordo com a nossa revisรฃo da literatura, as polรญticas mais eficazes sรฃo a introduรงรฃo de uma portagem urbana โ que reduz o uso do carro entre 12% a 33% – e a criaรงรฃo de ruas sem carros e ciclovias segregadas, que reduzem o uso do carro nos centros das cidades atรฉ 20%. A tabela abaixo classifica e resume as 12 medidas mais eficazes para reduzir o uso do carro:
Classificaรงรฃo de estratรฉgia de reduรงรฃo do uso do automรณvel
Intervenรงรฃo | Desincentivos | Incentivos | Eficรกcia |
---|---|---|---|
1. Portagem urbana | Condutores pagam para entrar na cidade | Receitas vรฃo para as cidades, para os seus sistemas de mobilidade sustentรกvel | 12-33% de reduรงรฃo de carros no centro das cidades |
2. Controlo de estacionamento e trรขnsito | Remover lugares de estacionamento, alterar rotas de trรขnsito | Substituir lugares de estacionamento por ciclovias e passeios, e por ruas sem carros | 11-19% de reduรงรฃo de carros no centro das cidades |
3. Zonas de trรกfego limitado | Excluir carros de partes das cidades (excepto residentes) | Multas a financiar o transporte pรบblico | 10-20% de reduรงรฃo de carros no centro das cidades |
4. Serviรงos de mobilidade para movimentos pendulares | Trabalhadores recebem um passe gratuito de transporte pรบblico e tรชm shuttles privados para o local de trabalho | 37% de reduรงรฃo de commuters de carro | |
5. Estacionamento pago no local de trabalho | Condutores pagam para estacionar no trabalho | Esquemas de recompensa aos trabalhadores pelo uso dos transportes pรบblicos; receitas com estacionamento financiam transporte pรบblico | 8-25% de reduรงรฃo de commuters de carro |
6. Planeamento de viagens para o trabalho | Gestรฃo de estacionamento e remoรงรฃo de lugares | Descontos em transportes pรบblicos; melhor infraestrutura ciclรกvel; promoรงรฃo do uso de transportes, caminhar e bicicleta | 3-18% de reduรงรฃo de commuters de carro |
7. Planeamento de viagens para a universidade | Reduรงรฃo de estacionamento nos campus universitรกrios | Descontos em transportes pรบblicos; melhor infraestrutura ciclรกvel; aconselhamento e promoรงรฃo de alternativas ao carro junto de estudantes | 7-27% de reduรงรฃo de uso de carro por commuters universitรกrios |
8. Serviรงos de mobilidade para a universidade | Passe gratuito de transportes pรบblicos e conexรตes por shuttle para estudantes | 24% de reduรงรฃo de estudantes a viajar de carro | |
9. Partilha de carros | Acesso a carros partilhados integrado com locais de trabalho e bairros | 12-15 carros privados substituรญdos por cada carro partilhado | |
10. Planeamento de viagens para a escola | Aconselhamento e eventos para ajudar os jovens e seus pais a caminhar, pedalar ou partilhar carro para a escola | 5-11% de reduรงรฃo de carro em viagens escolares | |
11. Planeamento de viagens personalizadas | Descontos em transportes pรบblicos; aconselhamento para ajudar residentes da cidade a caminhar e pedalar | 6-12% de reduรงรฃo de carros entre residentes | |
12. Aplicaรงรฃo para mobilidade sustentรกvel | Recompensas por alcanรงar determinadas metas de caminhar, pedalar e uso de transportes pรบblicos | 73% de utilizadores da aplicaรงรฃo a declarar reduรงรฃo do uso do carro |
A desigualdade no uso do carro
O carro รฉ intrinsecamente ineficiente e desigual no consumo de espaรงo e recursos. Em mรฉdia, os automรณveis passam 96% da sua vida estacionados, utilizando espaรงo nas cidades que poderiam ter outros usos mais benรฉficos, como a habitaรงรฃo e parques pรบblicos. Em Berlim, os automobilistas, em mรฉdia, utilizam 3,5 vezes mais espaรงo pรบblico que os nรฃo automobilistas, o que se deve essencialmente ao espaรงo de estacionamento.
E geralmente sรฃo as pessoas com maiores rendimentos que utilizam mais o carro: na Europa, o 1% mais rico conduz aproximadamente quatro vezes mais que o condutor mรฉdio, resultando numa contribuiรงรฃo de 21% da sua pegada carbรณnica. Para este grupo de maiores poluidores, o uso do carro รฉ o segundo maior responsรกvel pelas suas emissรตes poluentes, apenas atrรกs da aviaรงรฃo (que, em mรฉdia, gera o dobro das emissรตes).
Dar prioridade ao carro como meio de transporte tambรฉm favorece a expansรฃo das cidades para os subรบrbios. As casas nos subรบrbios sรฃo geralmente maiores, o que contribui para um maior nรญvel de consumo energรฉtico. Famรญlias que vivem em zonas suburbanas da Amรฉrica do Norte tรชm pegadas carbรณnica consistentemente maiores que os residentes urbanos: um estudo feito em Toronto mostra que a pegada suburbana era duas vezes superior.
Tambรฉm existe evidรชncia que o trรขnsito rodoviรกrio aumenta com a expansรฃo das estradas existentes โ no entanto, este princรญpio, da โprocura induzidaโ, รฉ frequentemente ignorado pelos responsรกveis pelo planeamento de trรกfego, que sobrestimam os benefรญcios e subestimam os custos associados a construir infraestruturas rodoviรกrias.
Os veรญculos elรฉctricos sรฃo necessรกrios, mas nรฃo sรฃo uma soluรงรฃo perfeita. Como os carros costumam ter uma vida รบtil longa, a migraรงรฃo para os elรฉtricos รฉ muito lenta. Alguns estudos antecipam reduรงรตes de emissรตes relativamente pequenas na prรณxima dรฉcada como resultado da adoรงรฃo de veรญculos elรฉtricos. E mesmo que um carro elรฉtrico nรฃo cause poluiรงรฃo do ar atravรฉs do seu motor, o desgaste dos travรตes e pneus do carro continuam a deteriorar a qualidade do ar com poeiras tรณxicas e micro-plรกsticos. Independentemente de como um carro รฉ movido, podemos realmente considerar eficiente o uso de veiculo que passa atรฉ 95% da sua vida รบtil parado, em vez de mover passageiros e mercadorias?

Covid-19: uma oportunidade perdida?
O nosso estudo avalia experiรชncias e inovaรงรตes na mobilidade urbana introduzidas antes da pandemia. Em resposta ao Covid-19, os hรกbitos de mobilidade (pelo menos no inรญcio) mudaram de forma drรกstica. No entanto, apรณs uma reduรงรฃo significativa do uso do carro na Primavera de 2020, a conduรงรฃo automรณvel e poluiรงรฃo associada a esta prรกtica aumentou para nรญveis prรณximos dos prรฉ-pandรฉmicos. Na Suรฉcia, enquanto o uso de transporte pรบblico caiu 42% no primeiro ano de pandemia, o uso de carro caiu apenas 7% no mesmo perรญodo, levando a um aumento da prevalรชncia do carro em termos relativos.
Enquanto hรกbitos enraizados como o uso do carro sรฃo difรญceis de alterar, perรญodos disruptivos sรฃo chances de alterar tais comportamentos โ em parte porque as pessoas sรฃo forรงados a criar novos hรกbitos e rotinas, onde podem descobrir vantagens inesperadas. Contudo, para tais mudanรงas se manterem de forma permanente, mudanรงas nas infraestruturas das cidades sรฃo necessรกrias. Infelizmente, apesar das cidades Europeias terem introduzido ciclovias pop-up e o uso de bicicletas ter aumentado de forma impressionante, entre 11% e 48%, estamos a observar um regresso da cidade centrada no carro, com faixas de rodagem e lugares estacionamentos a substituรญrem, novamente, espaรงos dedicados a ciclistas e peรตes.
Regra geral, tem-se desperdiรงado a oportunidade de conjugar a recuperaรงรฃo pandรฉmica com objectivos climรกticos. Menos de 20% dos gastos pรบblicos relativos ร pandemia tiveram um contributo para a reduรงรฃo da emissรฃo de gases efeito estufa.
Um factor determinante para o futuro do carro nas cidades รฉ o regresso da conduรงรฃo como forma de mobilidade entre casa e o trabalho. Polรญticas de mobilidade pensadas para reduzir viagens de automรณvel desnecessรกrias, e oportunidades de utilizar tecnologias de comunicaรงรฃo remota podem reduzir as emissรตes associadas a estas prรกticas em 94% โ o que tambรฉm pouparia tempo. Quem trabalha remotamente trรชs ou mais dias por semana tende a viajar menos que os restantes trabalhadores. No entanto, longas viagens de carro podem facilmente anular este tipo de poupanรงa, por isso, viver prรณximo do local do trabalho continua a ser a melhor alternativa.
Nรฃo existem soluรงรตes milagrosas
A investigaรงรฃo cientรญfica รฉ consensual: reduzir o uso do carro deve ser uma prioridade para melhorar indicadores de saรบde, cumprir objectivos climรกticos e criar cidades com melhores condiรงรตes de habitabilidade. Contudo, diversos governos na Europa e Estados Unidos continuam a subsidiar fortemente o uso do carro atravรฉs de uma combinaรงรฃo de subsรญdios ร produรงรฃo fรณssil, crรฉditos fiscais para quem utiliza o automรณvel, e incentivos para veรญculos comerciais que promovam este modo de transporte face a outros. De forma geral, estas medidas pagam aos poluidores para continuarem a impor estes custos na sociedade.
Autarcas detรฉm mais ferramentas ao seu dispor do que por vezes se apercebem – desde de medidas econรณmicas como taxas e subsรญdios, ou estratรฉgias de mudanรงa de comportamento como partilhar informaรงรฃo sobre mobilidade dos seus cidadรฃos. O nosso estudo mostra que mais de 75% das inovaรงรตes a nรญvel urbano que reduzem o uso do carro foram aplicadas por autarquias โ em particular aquelas que foram mais eficientes, como portagens urbanas, regulaรงรตes no estacionamento ou condiรงรฃo, e a criaรงรฃo de zonas de trรกfego limitado.
Mas um ponto importante do nosso estudo รฉ que um reduzido nรบmero de medidas muito especรญficas nรฃo sรฃo eficazes โ nรฃo existem soluรงรตes milagrosas. As cidades com maior sucesso nesta รกrea costumam combinar vรกrias polรญticas, incluindo medidas que promovam a mobilidade leve, e medidas mais punitivas que cobram ou restringem a conduรงรฃo ou estacionamento automรณvel.

Estas sรฃo as 12 melhores formas de reduzir o uso automรณvel numa cidade:
1. Portagem urbana
A medida identificada no estudo como sendo a mais eficaz implica o pagamento de uma porta ao entrar na cidade, com a transferรชncia das receitas para modos de transporte mais sustentรกveis. Londres foi a cidade pioneira desta polรญtica, e reduziu o trรกfego no centro uns impressionantes 33% atravรฉs da introduรงรฃo desta portagem em Fevereiro de 2003, pelo primeiro Presidente de Londres, Ken Livingstone. A portagem tem um preรงo fixo (com algumas excepรงรตes para certos veรญculos ou grupos sociais) e tem sido aumentada ao longo dos anos, das 5 ยฃ/dia para 15 ยฃ/dia em Junho de 2020. Um ponto fundamental desta medida รฉ que 80% da receita รฉ canalizada para a rede de transporte pรบblico.
Outras cidades europeias seguiram o exemplo e adotaram sistema semelhantes apรณs a aprovaรงรฃo em referendos em Milรฃo, Estocolmo e Gotemburgo โ nas cidades suecas, o preรงo de entrada na cidade varia conforme o dia e a hora de entrada. Apesar da eficรกcia das portagens urbanas, esta medida de forma isolada nรฃo consegue resolver o problema do trรขnsito, que persiste enquanto existirem incentivos e infraestruturas que favoreรงam o uso do carro.
2. Controlo de estacionamento e trรขnsito
Vรกrias cidades europeias, regulaรงรตes para remover lugares de estacionamento e alterar a estrutura rodoviรกria โ em vรกrios casos substituir espaรงo anteriormente utilizado como infraestrutura automรณvel para outros usos, como ruas sem carros, ciclovias e passeios. Por exemplo, Oslo a substituiรงรฃo de lugares de estacionamento por ruas sem totalmente pedonais e ciclovias resultou numa reduรงรฃo do uso do carro no centro em atรฉ 19%.
3. Zonas de trรกfego limitado
Roma, historicamente uma das cidades com mais trรขnsito na Europa, alterou o seu modelo de mobilidade em favor do transporte pรบblico, ao restringir o uso do carro no centro da cidade, em certos perรญodos do dia apenas para residentes, e cobrando uma taxa anual pela utilizaรงรฃo. Esta medida reduziu o trรขnsito na capital italiana em 20% durante as horas de restriรงรฃo, e 10% durante os restantes perรญodos, em que todos os carros podem entrar no centro. A receita associada com multas รฉ utilizada para financiar o sistema de transporte pรบblico.
4. Serviรงos de mobilidade para movimentos pendulares
Das medidas exclusivamente focadas no incentivo positivo do nosso estudo, a mais eficaz foi uma campanha de serviรงos de mobilidade para os commuters da cidade de Utrecht, Holanda. O municรญpio e empresas privadas colaboraram de forma a garantir transporte pรบblico gratuito para os trabalhadores, combinado com autocarros privados para ligar o transporte pรบblico com os locais de trabalho. Este programa, promovido atravรฉs de estratรฉgias de marketing e comunicaรงรฃo, foi responsรกvel por uma reduรงรฃo de 37% na proporรงรฃo de passageiros que usavam o carro para chegar ao centro da cidade.
5. Estacionamento pago no local de trabalho
Outro forma eficaz de reduzir o nรบmero de pessoas que utilizam o carro para chegar ao local de trabalho รฉ a introduรงรฃo de um dรญstico de estacionamento. Por exemplo, um centro mรฉdico no porto de Roterdรฃo reduziu o nรบmero de empregados que utilizavam o carro em 20-25%, atravรฉs de um sistema em que os trabalhadores pagavam pelo estacionamento, enquanto ofereciam a opรงรฃo de abdicar do lugar de estacionamento em troca de serviรงos de transporte pรบblico. Este sistema foi trรชs vezes mais eficaz que um programa mais abrangente na cidade britรขnica de Nottingham, que aplicou um dรญstico de estacionamento a todas as empresas com mais de 10 lugares de estacionamento. As receitas associadas a este programa foram canalizadas para o sistema de transporte pรบblico da cidade, contribuindo para a expansรฃo do metro de superfรญcie.
6. Planeamento de viagens para o trabalho
Programas em que as empresas garantem aconselham e incentivam os seus trabalhadores a deixar de usar o carro sรฃo usados em vรกrias cidades da Europa. Um dos principais estudos da รกrea, publicado em 2010, avaliou 20 cidades no Reino Unido e revelou que, em mรฉdia, 18% dos trabalhadores comeรงaram a usar outro meio de transporte que nรฃo o carro, apรณs a aplicaรงรฃo de um conjunto de medidas โ incluindo autocarros corporativos, descontos no uso de transporte pรบblico e melhoria da infraestrutura ciclรกvel โ e tambรฉm a reduรงรฃo dos lugares de estacionamento. Noutro programa, a cidade Britรขnica de Norwich apresentou resultados semelhantes atravรฉs de um extenso plano que nรฃo inclui descontos no transporte pรบblico. Este tipo de polรญticas, que simultaneamente oferece incentivos positivos para o uso de outras formas de mobilidade de penaliza o uso do carro, foram mais eficazes que uma polรญtica estritamente focada em incentivos em Brighton & Hove, no sul de Inglaterra. A criaรงรฃo de infraestruturas ciclรกveis, como os hangares de bicicletas, apenas reduziram o uso do carro em 3%.
7. Planeamento de viagens para a universidade
Tal como programas de planeamento apresentados acima, programas de planeamento de transporte na Universidade combinam a promoรงรฃo de alternativas de transporte com medidas restritivas de estacionamento no campus universitรกrio. O caso de maior sucesso estudado nesta investigaรงรฃo foi na Universidade de Bristol, em que o uso do carro por parte dos trabalhadores foi reduzido em 27%, enquanto se melhorou a infraestrutura ciclรกvel e ofereciam descontos no sistema de transporte pรบblico. A cidade de San Sebastian implementou um programa mais ambicioso que inclui tanto professores como alunos. Apesar de ter alcanรงado uma reduรงรฃo mais modesta, em torno dos 7,2%, a reduรงรฃo do nรบmero absoluto de carros foi significativa, dado o tamanho total da populaรงรฃo afectada.
8. Serviรงos de mobilidade para a universidade
A cidade siciliana de Catania usou um mรฉtodo apenas focado em incentivos de mobilidade para a populaรงรฃo universitรกria. Ao oferecer transporte pรบblico gratuito e uma ligaรงรฃo de autocarro atรฉ ao campus, a cidade conseguiu reduzir a populaรงรฃo estudantil que utiliza o carro em 24%.
9. Partilha de carros
De acordo com a nossa anรกlise, talvez de forma surpreendente, o uso partilhado do carro รฉ um mรฉtodo com resultados mistos no que diz respeito a reduรงรฃo do uso do carro. Este tipo de sistema, onde os participantes podem facilmente alugar um carro por algumas horas, obteve resultados promissores em Bremen (Alemanha) e Gรฉnova (Itรกlia), onde cada carro compartilhado substitui, em mรฉdia, 12-15 carros privados. Este mรฉtodo inclui o aumento do nรบmero de carros compartilhados e estaรงรตes de aluguer, integrando-as em zonas habitacionais, transportes pรบblicos e infraestrutura ciclรกvel.
Ambos os programas tambรฉm envolveram campanhas de consciencializaรงรฃo. No entanto, outros estudos apontam para os riscos do uso compartilhado do carro, de fato, induzir para o maior consumo do automรณvel, por parte de pessoas que anteriormente nรฃo conduziam. Portanto, recomendamos que seja feita mais investigaรงรฃo sobre como desenhar um sistema de uso partilhado do carro que reduza verdadeiramente o seu uso.
10. Planeamento de viagens para a escola
Duas cidades inglesas, Brighton & Hove e Norwich, utilizaram (e avaliaram) medidas de planeamento de viagens escolares: fornecendo conselhos, planeando viagens e tambรฉm atravรฉs de eventos, para alunos e pais utilizaram outras formas de mobilidade como caminhar, andar de bicicleta ou partilhar o uso do automรณvel. Para alรฉm destas campanhas, a infraestrutura ciclรกvel foi melhorada. Norwich descobriu que foi capaz de reduzir a quota do uso de carro para viagens escolares em 10,9%, usando essa abordagem, enquanto a anรกlise feita em Brighton permitiu descobrir que o impacto da medida foi cerca de metade.
11. Planeamento de viagens personalizadas
Diversas cidades tรชm experimentado planos de aconselhamento individualizado para os seus residentes, incluindo Marselha (Franรงa), Munique (Alemanha), Maastricht (Holanda), San Sebastian (Paรญs Basco, Espanha). Estes programas โ ao aconselharem os residentes a planear a viagem a pรฉ, de bicicleta ou a usar (ร s vezes com descontos) o transporte pรบblico โ resultaram em reduรงรตes do uso do carro de 6-12%. Contudo, visto que estes sistemas englobam todos os residentes, e nรฃo apenas uma minoria como programas focados em escolas ou algumas empresas, estas medidas tรชm um papel relevante a reduzir a utilizaรงรฃo do carro em termos absolutos. (A cidade de San Sebastian introduziu planos de viagens universitรกrios e globais em simultรขneo, o que provavelmente teve um efeito reforรงado, comparativamente com estas polรญticas de forma isolada).
12. Aplicaรงรฃo para mobilidade sustentรกvel
Tecnologia associada aos telemรณveis tรชm vindo a crescer no que diz respeito ร estratรฉgia de reduรงรฃo do uso do carro. Por exemplo, a cidade italiana de Bolonha desenvolveu uma aplicaรงรฃo para pessoas e grupos de trabalhadores de vรกrias empresas acompanharem a forma como se deslocam. Os participantes competem por pontos ao andar a pรฉ, de bicicleta, ou utilizar transportes pรบblicos, com empresas locais a oferecerem prรฉmios ร s equipas que conseguem mais pontos.
Existe um interesse crescente na gamificaรงรฃo da mobilidade sustentรกvel – e ร primeira vista, os dados da aplicaรงรฃo de Bolonha mostram resultados impressionantes. De forma impressionante, 73% dos utilizadores reportaram usar menos o automรณvel. Mas ao contrรกrio de outros estudos que medem o nรบmero ou distรขncia das viagens, nรฃo รฉ possรญvel calcular a reduรงรฃo efetiva do uso do carro, ou emissรตes de CO2, e por isso a eficรกcia do programa รฉ ambรญgua.
Enquanto os dados de mobilidade de aplicaรงรตes podem ser ferramentas รบteis para melhorar o planeamento de viagens, รฉ necessรกrio desenhar bens e serviรงos inteligentes que realmente reduzam emissรตes e promovam a sustentabilidade do transporte, porque a evidรชncia existente รฉ hรญbrida. Por exemplo, um estudo de 2021 mostra que depois de serviรงos de transporte como a Uber e Lyft entrarem no mercado, o nรบmero de carros existentes aumenta โ em particular em cidades que jรก eram altamente dependentes do carro โ e a utilizaรงรฃo de transporte pรบblico cai em zonas mais ricas.

As cidades precisam de se reinventar
Reduzir a dependรชncia automรณvel nรฃo รฉ apenas uma boa ideia. ร algo necessรกrio para garantir a sobrevivรชncia das pessoas e ecossistemas no mundo, que o recente relatรณrio do IPCC relativo aos impactos climรกticos mostra como o mundo tem de ficar prรณximo dos 1,5ยฐC para limitar os efeitos mais nefastos do aquecimento global. Para evitar danos irreversรญveis e cumprir com as obrigaรงรตes assinadas no tratado de Paris, os paรญses industrializados como o Reino Unido e Suรฉcia tรชm de reduzir as suas emissรตes em 10-12% por ano โ cerca de 1% por mรชs.
Contudo, atรฉ ao inรญcio da pandemia, as emissรตes com transporte na Europa continuavam numa trajectรณria de crescimento. De facto, as atuais polรญticas preveem que as emissรตes de transporte em 2040 estejam praticamente inalteradas dos valores observados 50 anos antes.
Para cumprir os objetivos climรกticos e de saรบde do planeta, municรญpios necessitam de fazer a transiรงรฃo para modos de mobilidade sustentรกvel, primeiro evitando a necessidade de mobilidade (como o exemplo da cidade de 15 minutos em Paris); e depois, alterando as necessidade de mobilidade do carro para transporte pรบblico, sempre que possรญvel; finalmente, tornar a frota automรณvel remanescente neutra em emissรตes.
Esta transiรงรฃo tem de ser rรกpida e justa: autarcas e sociedade civil precisam de trabalhar com as populaรงรตes para ganharem legitimidade polรญtica e รญmpeto para fazer estas mudanรงas. Sem uma aceitaรงรฃo pรบblica abrangente para reduzir o nรบmero de carros, o objetivo da UE para ter 100 cidades neutras em carbono em 2030 รฉ uma hipรณtese improvรกvel.
Reduzir o nรบmero de carros de forma radical exige que as cidades sejam melhores lugares para se viver – e รฉ possรญvel. Um estudo de 2020 demonstra que podemos usar menos 60% da energia de hoje e garantir nรญveis de vida dignos para os 10 mil milhรตes de habitantes projetados para o planeta. Mas para fazรช-lo, os paรญses desenvolvidos precisam de desenvolver redes de transporte pรบblico trรชs vezes maiores do que aquelas que existem, e cada pessoa tem de limitar as suas viagens em 5 000 quilรณmetros (em cidades densas) e em 15 000 quilรณmetros (em รกreas remotas).
Os impactos positivos de reduzir os carros nas cidades vรฃo ser sentidos por todos que vivem e trabalham nelas, na forma de um espaรงo pรบblico mais habitรกvel. Como um jornalista que visitou a cidade sem carros belga de Ghent, disse em 2020:
“O ar sabe melhorโฆ as pessoas tornaram as ruas em salas de estar e jardins extras.”
As cidades precisam de se re-imaginar e tornarem o necessรกrio no possรญvel. No cerne da questรฃo, guiado por evidรชncia cientรญfica que mostre o que funciona, as cidades precisam de se libertar do carro.
Artigo da autoria de Kimberly Nicholas, professora associada de sustentabilidade na Universidade de Lund, na Suรฉcia.
Este artigo foi originalmente publicado na plataforma The Conversation e republicado no Lisboa Para Pessoas devidamente traduzido, sem nenhuma alteraรงรฃo ao conteรบdo original, que pode ser encontrado aqui. O texto estรก licenciado ao abrigo da norma CC BY-ND 4.0.