No próximo domingo, Benfica escolhe entre estacionamento regulado pela EMEL e a manutenção do actual paradigma. Um tema que divide a cidade e também esta freguesia, onde vivem mais de 30 mil pessoas. Conversámos com os dois lados da problemática.

Rui Simão defende que a freguesia de Benfica deve passar a ter estacionamento organizado e tarifado pela EMEL. Já José Antunes acha o contrário. Os dois têm muitos pontos de discórdia, mas concordam, por exemplo, que a oferta de estacionamento em Benfica é insuficiente. Em vésperas do primeiro referendo local de sempre em Lisboa, conversámos com os dois lados da questão que está a dividir Benfica: deve a freguesia ter estacionamento regulado pela EMEL? SIM ou NÃO. Rui defende o SIM, José o NÃO.
Rui e José aceitaram o convite do Lisboa Para Pessoas para debater, em conjunto, o futuro do estacionamento na freguesia onde ambos residem. No próximo domingo, dia 12 de Fevereiro, os cerca de 32 mil eleitores de Benfica dizem se querem ou não a regulação da EMEL através da participação num referendo local. No boletim que terão de colocar na urna como se de uma eleição normal se tratasse, vão encontrar uma pergunta: “Concorda que a Junta de Freguesia de Benfica emita um parecer favorável à colocação de parquímetros nas Zonas de Estacionamento de Duração Limitada de Benfica?”. A resposta terá de ser dada com uma cruz no quadrado pretendido: no SIM ou no NÃO. Será preciso que pelo menos 50% da população de Benfica participe para o referendo ser válido.

A proposta de valor percepcionada da EMEL
A conversa com Rui e José começa na Rua Nina Marques Pereira – um pequeno arruamento interno, adjacente à Avenida Gomes Pereira e nas traseiras do Palácio Baldaya, que serve sobretudo para estacionamento automóvel de quem ali mora. É o caso de um vizinho que, da sua varanda, nos aborda ao perceber do que estávamos a falar. Disse ser a favor do NÃO e pediu a José um cartaz para dar a um comerciante que também não quer a EMEL na freguesia, porque, não sendo residente na freguesia, passaria a pagar o estacionamento do seu carro (25 €/mês). “Isto não resolve nada”, diz-nos o morador, de seu nome António. “Eu penso que o SIM não ganha, mas se ganhar venha cá falar comigo novamente a ver melhorou alguma coisa.” António tem o seu carro estacionado naquela rua. “Quase não o uso. Só uso quando vou à terra.” É de Viseu, uma região que nos anos 1980 perdeu o comboio, para tristeza de António e de tantos outros viseenses.
Ao contrário do tal comerciante, a eventual vinda da EMEL para Benfica não significaria um encargo adicional para António, que, por ser morador na freguesia, passaria a ter direito a um dístico de residente gratuito, podendo estacionar na sua zona de residência e numa zona adjacente sem custo e de forma ilimitada. Desde a revisão do Regulamento municipal de Estacionamento de Lisboa no mandato autárquico anterior, com Miguel Gaspar aos comandos da Mobilidade na cidade, que a EMEL passou a oferecer um dístico de residente por morada de habitação. Isso significa, na prática, que uma família pode ter um carro a ocupar um lugar na via pública sem pagar nada; contudo, o dístico não garante disponibilidade de lugares – pelo que em zonas onde existe muita pressão (por exemplo, por haver muitas habitações sem garagem), a procura é muito superior para a oferta de estacionamento disponível.
Dicionário da EMEL
- EMEL – criada em 1995 para gerir e regular o estacionamento em Lisboa, a EMEL tem vindo a alargar o seu âmbito e, mais que uma empresa municipal de estacionamento, é hoje uma empresa de mobilidade com projectos como as bicicletas partilhadas GIRA ou o sistema de carregamento de carros eléctricos LEVE. A EMEL gere ainda uma rede de estacionamentos de bicicletas chamado BICIPARK, é responsável pela construção de ciclovias na cidade, por elevadores e escadas rolantes para ajuda na mobilidade pedonal, e está a repensar as cinco principais interfaces de transportes públicos de Lisboa.
- Estacionamento – no que respeita ao estacionamento, a EMEL gere tanto lugares em via pública, organizados por zonas (Zona de Estacionamento de Duração Limitada), como lugares em parques dedicados, que podem ser à superfície, subterrâneos ou em silo. A EMEL gere ainda o estacionamento e a circulação automóvel em bairros históricos da cidade, nomeadamente em Alfama, na Bica, no Castelo e no Bairro Alto – nestes bairros existem as designadas Zonas de Acesso Automóvel Condicionado (ZAAC), às quais só residentes, comerciantes e serviços essenciais podem aceder de carro.
- Zona de Estacionamento de Duração Limitada (ZEDL) – todo o território da cidade de Lisboa foi dividido em zonas, designadas de Zonas de Estacionamento de Duração Limitada (ZEDL). Apesar de já estarem definidas as ZEDLs para toda a cidade, o seu lançamento (ou seja, a EMEL da EMEL depende sempre de um “parecer favorável das Juntas de Freguesia competentes”, segundo o Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem na Via Pública (RGEPVP) da autarquia para a cidade de Lisboa.
- Estacionamento diário e parques dissuasores – a EMEL tem zonas de Bilhete Diário em alguns pontos da cidade, onde é possível estacionar durante todo o dia pagando um valor fixo de 2 € ou 3 €. Estas Zonas de Bilhete Diário estão, em regra, em áreas onde não existem residências e onde a procura de estacionamento é limitada, tendo uma função dissuasora. Também já existem parques dissuasores na cidade – por exemplo, na Ameixoeira, à porta de Lisboa, existem 500 lugares disponíveis por mais 10 €/mês para quem tem passe. Também aqui existem tarifas diárias para usos ocasionais.
- Organização do estacionamento e reserva de lugares para residentes – a EMEL que existe um reordenamento e uma marcação dos lugares de estacionamento na via pública, com a preocupação de libertar passadeiras e outras zonas críticas. Geralmente, também é criado estacionamento para motos (que é gratuito para todas as pessoas) e para bicicletas (igualmente gratuito). Por outro lado, a EMEL cria zonas de estacionamento exclusivo para moradores, reservando pracetas ou partes de ruas.
- Dístico de residente – a EMEL disponibiliza um máximo de três dísticos de residentes por habitação. os residentes têm direito um Dístico de Residente gratuito, que lhes permite estacionar um veículo em duas zonas, aquela onde está localizada a residência e uma segunda zona confinante à escolha. Cada morada pode ter até três dísticos: sendo o primeiro gratuito, o segundo custa 54 €/ano e o terceiro 132 €/ano. Proprietários de carros eléctricos têm direito a um Dístico Verde gratuito, válido para toda a cidade.
- Cuidadores informais e famílias numerosas – o Dístico de Cuidador Informal permite a cuidadores informais estacionarem de forma gratuita e durante três horas por dia na zona de residência da pessoa à qual vão prestar apoio ou numa zona adjacente à escola, incluindo em bolsas exclusivas para residentes. Já o Dístico de Família Numerosa destina-se famílias com pelo menos três menores no agregado (um deles tem de ter menos de dois anos) e permite reservar um lugar exclusivo para a família à porta de casa.
- Dístico de empresa – comerciantes e outros empresários podem pedir um Dístico de Empresa com um custo mensal de 25 €. Este Dístico permite estacionar nas ruas pertencentes à zona da respectiva sede ou estabelecimento comercial.

Falta estacionamento? Ou rotação?
A não garantia de lugar é um dos argumentos de José e da campanha do NÃO. “A EMEL tem sido sistematicamente arremessada pelo poder político camarário como uma solução para as questões de estacionamento, mas a EMEL não só não é solução, como é parte do problema de estacionamento”, entende o opositor. “Há uma escassez de espaço de estacionamento na via pública para os próprios moradores. Portanto, estamos a ver o problema pelo lado errado.” Mesmo que a EMEL crie bolsas de estacionamento só para residentes em Benfica, como tem feito noutras partes da cidade à medida que vai alargado a sua área de operação, José diz que “isso não serve de nada porque o espaço não é suficiente para os próprios residentes”. “Além disso, está a excluir outras possíveis valências que o espaço pode ter. Às vezes as zonas não são exclusivamente residenciais, também têm comércio e serviços. São mistas. E isso [restringir o estacionamento a residentes] é uma limitação à mobilidade, promove a imobilidade.”
“A mim não me faz confusão nenhuma que venha alguém estacionar durante o dia numa zona onde eu, nessa altura, não estou. Isso não me faz confusão nenhuma. Vamos meter uma muralha à entrada da nossa freguesia para evitar que invasores venham para aqui de carro?”
– José Antunes, NÃO
José não consegue percepcionar vantagens em haver EMEL em relação à situação actual, uma vez que a oferta de lugares não se alterará com a eventual presença da EMEL e que, de noite, quando os residentes mais precisam de estacionamento, a empresa não opera (a tarifação do estacionamento à superfície termina às 19 horas e reinicia às 9 horas do dia seguinte, em dias úteis; aos fins-de-semana e feriados também não há EMEL). “A mim não me faz confusão nenhuma que venha alguém estacionar durante o dia numa zona onde eu, nessa altura, não estou. Isso não me faz confusão nenhuma. Vamos meter uma muralha à entrada da nossa freguesia para evitar que invasores venham para aqui de carro?”, pergunta. José concorda com a tarifação em zonas históricas e de alta procura, como são, por exemplo, as Avenidas Novas, onde a maior parte do estacionamento à superfície é regulado pela Tarifa Vermelha – a terceira mais cara da EMEL (1,60 €/hora, máximo de duas horas). Benfica ficará coberta pela Tarifa Verde, que permite um estacionamento durante um máximo de quatro horas, por apenas 80 cêntimos por cada hora. O objectivo destas tarifas é promover a rotação.

“Há vários motivos que podem levar as pessoas a vir à nossa freguesia, inclusive visitar familiares, pessoas amigas, até mesmo situações de necessidade de prestar apoio, que nem é necessariamente a questão do cuidador informal. Mas mesmo o cuidador informal também é limitado ao cronómetro com a EMEL, uma vez que tem uma limitação temporal para poder estacionar”, aponta José (o Dístico de Cuidador Informal permite a cuidadores informais estacionarem de forma gratuita e durante três horas por dia na zona de residência da pessoa à qual vão prestar apoio ou numa zona adjacente à escola, incluindo em bolsas exclusivas para residentes). Mas, para José e para o NÃO, a questão central é a percepção da proposta de valor da EMEL: “Como eu disse, a EMEL não responde aos problemas de estacionamento.”
“A EMEL não responde aos problemas de estacionamento.”
– José Antunes, NÃO
No final da nossa conversa com José e com Rui, houve várias perguntas que ficaram por responder. Se, por um lado, foi difícil explicar as vantagens de ter o estacionamento tarifado numa zona particularmente residencial, de onde as pessoas saem de manhã para ir trabalhar e regressam ao final do dia, quando a EMEL já não está activa, por outro lado, é difícil posicionar o cenário de não regulação como preferível à existência de regulação durante o dia, permitindo uma eventual maior rotatividade de lugares para quem precise de se deslocar até à freguesia. No final de contas, a proposta de valor da EMEL parece insuficiente para algumas pessoas. Ainda assim, se José insiste que, mesmo sem EMEL, há lugares disponíveis no período diurno, Rui Simão gostaria e ver a tarifação do estacionamento a proporcionar rotatividade.
“Imagina que eu tenho um almoço marcado contigo num sushi em Alvalade. Eu posso ir de carro a contar só a contar com o tempo de chegada. Enquanto que se marcarmos um almoço aqui em Benfica e tu vieres de carro da tua casa, não podes contar só com o tempo de chegada. Tens de contar com o tempo de chegada e com o tempo que vais andar à procura rua de estacionamento”, aponta Rui. “Em Alvalade há rotação. Os carros estão lá mas não estão indefinidamente, sobretudo os que não são de moradores. Portanto há rotação. Aqui está tudo estagnado, está tudo parado no mesmo sítio.”

Mobilidade? Ou imobilidade?
O porta-voz do SIM aponta que “o facto de a EMEL funcionar até às 19 horas já vai obrigar a que haja rotação. Ou seja, os carros que ficam estacionados durante dias a fio no mesmo lugar vão deixar de ficar se não forem de residentes. Portanto, a EMEL ajudará a desocupar alguns lugares para a noite. Mas mesmo que não ajudasse em nada à noite, eu não deixaria de votar SIM porque, pelo menos durante o dia, resolvia-se o problema“.
“O facto de a EMEL funcionar até às 19 horas já vai obrigar a que haja rotação. Ou seja, os carros que ficam estacionados durante dias a fio no mesmo lugar vão deixar de ficar se não forem de residentes.”
– Rui Simão, SIM
Para Rui, a experiência com a EMEL é positiva nas deslocações que faz a outras partes da cidade. “Quando quero ir com o meu filho de cinco meses às vacinas ali em Sete Rios, podia ir de comboio, é verdade, mas vou de carro para ir com ele confortavelmente. Como há EMEL, estaciono à porta do centro de saúde sempre, nunca falhou. Chego lá e tenho um lugar. Ligo a aplicação, pago um euro mas tenho um lugar”, diz. Apesar da rotatividade, é comum vermos as ruas da cidade sobrecarregadas de automóveis, e situações de segunda fila ou de estacionamento em passeios, mesmo em zonas já tarifadas e reguladas pela EMEL. Pode dizer-se que Lisboa tem um problema de fiscalização, que nem a presença da EMEL resolve. “Se fores à Avenida da Igreja, vês uma série de estacionamento em segunda fila, apesar de ser uma zona com EMEL e Tarifa Vermelha. Isso acontece porque tens uma limitação do espaço, que é histórico e insuficiente para os próprios moradores”, contrasta José. “A tal rotação de estacionamento não existe em grande medida porque os próprios moradores preenchem o espaço existente.”
“Se devia ser criado estacionamento? Pois devia, eu digo já que sim a isso. Onde é que eu assino? A questão em cima da mesa aqui não é essa.”
– Rui Simão, SIM
“Se devia ser criado estacionamento? Pois devia, eu digo já que sim a isso. Onde é que eu assino?”, diz Rui. “A questão em cima da mesa aqui não é essa. A pergunta no referendo não é sobre ser criado estacionamento, porque se fosse ambos votávamos no sim. Estávamos se acordo. A pergunta é se Benfica quer ou não estacionamento tarifado. Não há alternativa a não haver EMEL. Não é votando no NÃO que vai haver mais lugares”, contesta. “Diria que a EMEL é um bocadinho para o estacionamento o mesmo que a polícia é para a criminalidade. Não acaba com a criminalidade, mas nós não queremos viver num mundo sem polícia. Queremos um mundo civilizado onde existem regras para cumprir.”

Estacionamento informal
A conversa, que começou na Rua Nina Marques Pereira, numa zona não tarifada pela EMEL, prosseguiu em direcção à zona do Fonte Nova, onde há regulação desde 2019. Paramos perto da Escola Secundária José Gomes Ferreira; aqui Rui mostra um terreno baldio que foi transformado num pequeno parque com capacidade para cerca de duas dezenas de viaturas com a introdução da EMEL. “Este parque não existia, isto aqui era estacionamento irregular. Como vês, aqui nesta zona vive muita gente, há prédios muito altos, o comércio continua a funcionar… Aliás, isto é uma zona bastante viva”, argumenta Rui. Em Benfica, estão previstas nove zonas de estacionamento regulado, das quais apenas duas estão em funcionamento: a zona 9F, na envolvente do Fonte Nova, onde nos encontramos, e a zona 9C, contígua à primeira e próxima do Colégio Militar. São duas zonas contíguas, que, para Rui, exemplificam o paradigma de mobilidade que gostaria de ter à porta de casa. “Eu só estou nisto [na campanha pelo SIM] porque vivo numa zona sem regulação. Não tem a ver com nenhum partido. Não tem a ver com mais nada além de viver numa zona, ter um filho e andar a dar voltas no bairro para conseguir estacionar, tirar o meu filho do carro, algumas compras, etc”, aponta.

José aponta que o pequeno parque num antigo terreno baldio “já era um espaço de estacionamento informal. Simplesmente, podia não ter lá as riscas no chão, umas tabuletas e um parquímetro mas já era um espaço de estacionamento”. Ou seja, a EMEL não respondeu a um efectivo aumento da oferta. E lembra: “A Câmara Municipal tem competências na criação de estacionamentos, tal como as Juntas podem criar bolsas de estacionamento. Não é preciso haver EMEL.” Aliás, ainda recentemente a Junta de Benfica abriu um parque com uma centena de lugares junto ao Mercado de Benfica, requalificando um baldio pré-existente. Rui contesta os espaços informais de estacionamento: “Esses terrenos não eram estacionamentos. Eram descampados, não sinalizados, sem marcação, onde as pessoas estacionavam indiscriminadamente. E um dia, uma pessoa invisual podia dar-se com um carro no meio do caminho. Hoje, são lugares marcados e, portanto, um cego sabe por onde passar. Portanto, são lugares criados. O José diz que já existia o estacionamento informal. Não existe estacionamento informal: existe estacionamento regular ou irregular. Todo o estacionamento é uma destas duas coisas. E, portanto, quando a EMEL intervém, normaliza e vê se existem condições para criar estacionamento ou não. Ou seja, se não existirem espaços mínimos para que os carros possam estar em harmonia com os peões, não pode criar lugares.”
“Não existe estacionamento informal: existe estacionamento regular ou irregular. Quando a EMEL intervém, normaliza e vê se existem condições para criar estacionamento ou não. Se não existirem espaços mínimos para que os carros possam estar em harmonia com os peões, não pode criar lugares..”
– Rui Simão, SIM
Rui arrisca numa comparação: “O estacionamento desregulado são as barracas dos anos 1990 em Lisboa. Agora, o que é preciso é claro. As pessoas viviam em barracas porque não tinham outras condições; também estacionam em cima do passeio porque não têm mais espaço. Cabe à empresa pública municipal EMEL, à Câmara Municipal e à Junta de Freguesia criar as condições de estacionamento, regular esse estacionamento, tal como essas pessoas foram tiradas das barracas e colocadas em casas, agora também se deve fazer o mesmo investimento e criar aqui condições para que as coisas funcionem.”
No fundo, “há pouco estacionamento em Benfica. Vamos continuar na mesma ou vamos regular. Eu defendo que devemos regular”, sintetiza. Há um detalhe importante na mensagem de Rui e da campanha pelo SIM: “Não defendo que toda a freguesia deve ser tarifada. O que se deve é iniciar um processo de verificação das zonas que podem ou não vir a ser tarifadas. Há zonas, como o bairro da Boavista, onde não faz sentido ter tarifação”, refere. “Se o NÃO ganhar toda a freguesia perde a possibilidade de iniciar um processo de implementação da tarifação. Esse processo deve ser avaliado rua a rua. Tem de se ver onde faz sentido implementar.” O Bairro da Boavista também é uma preocupação para o NÃO: “No zoneamento proposto pela EMEL para Benfica, o bairro da Boavista fica isolado. Este já é um bairro periférico, com muito menos valências do que o resto da freguesia, seja em equipamentos públicos, seja em comércio”, aponta José.

Regular ou não regular, eis a questão
Chegamos ao Centro Comercial Fonte Nova. A troca de ideias e de argumentos entre José e Rui continuou numa mesa no interior do centro comercial, que viu a sua envolvente ser requalificada em 2018 no âmbito do programa Uma Praça Em Cada Bairro; foi criada uma nova praça pedonal e de estadia e reorganizado do estacionamento automóvel debaixo do viaduto da 2ª Circular. “A intervenção resultou numa drástica diminuição da área destinada a estacionamento e nem sequer se materializou num espaço verde. É um espaço de pedra e de betão, corrido de uma ponta à outra. Não percebo o interesse daquilo enquanto espaço público”, exemplifica o opositor da EMEL. Apoiados com algumas notas no telemóvel, os representantes do NÃO e o SIM respondem a mais questões e provocações por nós colocadas, procurando esclarecer os seus pontos de vista.
“Há pouco estacionamento em Benfica. Vamos continuar na mesma ou vamos regular. Eu defendo que devemos regular.”
– Rui Simão, SIM
Para Rui Simão, a presença da EMEL em Benfica é um questão de inclusão. “Se nós queremos uma freguesia integrada na cidade, não podemos ficar excluídos das políticas de mobilidade que, para o bem e para o mal, há quase 30 anos que incluem a EMEL”, aponta. “Da mesma forma não faz sentido ter transportes públicos que só circulam dentro de Benfica – por exemplo, um comboio que comece ali nas Portas de Benfica e que acaba no Fonte Nova.” Para o defensor do SIM no referendo, este é ainda uma questão de coerência. “Nós, enquanto lisboetas, já somos todos contribuintes da EMEL porque eu, quando vou a outros sítios, por exemplo, a Alvalade, tenho de pagar parquímetro. E pago porque sei que é uma coisa que tem lógica. Mas, na minha zona, não estou protegido porque não tenho direito a Dístico de Residente uma vez que não está aqui a EMEL a funcionar.”
Se Rui Simão e José Antunes concordam que falta oferta de estacionamento na freguesia, para o defensor do NÃO a EMEL é parte do problema: “A pressão criada pelo estacionamento aqui nesta zona do Fonte Nova, que veio a dar origem à implementação de parquímetros por pressão dos moradores, foi causada pela própria EMEL, quando começou a tarifar o estacionamento na freguesia ao lado”, refere o defensor do NÃO. “É claro que há uma deslocação de viaturas de um sítio para o outro, e isso agrava o estacionamento nas zonas de fronteira. Portanto, a EMEL está a empurrar o problema com a barriga até estarmos todos com estacionamento tarifado e continuarmos todos com problemas de estacionamento.”
José não tem dúvidas de que a questão do estacionamento é um “problema de urbanismo”. “Tivemos uma construção desenfreada nas últimas décadas em Benfica, isto passou de uma zona de quintas para uma floresta de cimento, e tens uma série de empreendimentos construídos em altura com sete, oito andares, sem garagem. Claro que temos aqui um problema – temos um espaço público limitado e que tem de comportar outras valências além do estacionamento.” No Japão, por exemplo, no processo de compra de um carro o potencial cliente tem de dar prova de ter uma garagem ou lugar de estacionamento para o mesmo. É por esse motivo que, por exemplo, não se vê as ruas japonesas cheias de automóveis nas fotografias que tanto gostamos de admirar. Em Portugal e, no caso particular de Lisboa, não existe qualquer consequência no acto de compra de automóvel e “é muito fácil encontrar um apartamento com duas viaturas em Benfica”, como reconhece José. O Presidente da Junta de Freguesia de Benfica, Ricardo Marques, chegou a admitir existir um rácio de 2,6 carros por casa na Rua Cláudio Nunes, gerando uma pressão enorme no espaço público.
“Tivemos uma construção desenfreada nas últimas décadas em Benfica, isto passou de uma zona de quintas para uma floresta de cimento, e tens uma série de empreendimentos construídos em altura com sete, oito andares, sem garagem. Claro que temos aqui um problema – temos um espaço público limitado e que tem de comportar outras valências além do estacionamento.”
– José Antunes, NÃO
Dísticos e preços do estacionamento

“É óbvio que ter um Dístico de Residente não é garantia de estacionamento à porta. Não é disso que se trata. Ter Dístico é uma vantagem para eu poder ter um carro na zona da minha residência sem estar limitado no tempo”, esclarece Rui. E acrescenta: “A escassez de estacionamento afecta as pessoas na proporção de tempo que passam em determinado sítio. E os residentes são quem passa mais tempo nos sítios, à partida. São quem precisa mais de estacionamento Os outros vêm de visita e apanham a rotação dos lugares. Faz sentido? Eu acho que sim. O que não faz sentido é que Benfica, se o resultado do referendo for NÃO, seja uma freguesia sem tarifação de estacionamento e sem nenhum benefício para os residentes. Porque é isso que está em causa, se o NÃO ganhar.” Para Rui, a regulação do estacionamento é algo banal, que existe noutras cidades do país, inclusive em cidades mais pequenas.

“Já agora, há um mercado negro de arrendamento irregular de garagens, sem recibos ou em sítios sem condições”, denuncia. “Há pessoas que, desesperadas porque não arranjam um lugar, se vêem forçadas a recorrer a esse mercado. E neste momento, em Benfica, mesmo que tu queiras arrendar uma garagem sem recibos, sem nada, não consegues em determinadas zonas porque está tudo ocupado.”
O estacionamento em Lisboa é dos mais baratos por comparação com outras capitais. Em Paris, por exemplo, a tarifação à superfície varia entre os 4 e 6 euros, e as avenças para residentes podem custar mais de 40 euros mensais (ou mais de 520 euros anuais). Noutras cidades, quase sempre os moradores têm de pagar pelo seu dístico; e existe uma tendência para migrar o estacionamento à superfície para soluções subterrâneas ou em silo. Em Lisboa, o Dístico de Residente passou, em 2019, com a revisão do Regulamento municipal de Estacionamento, de custar 12 euros por ano para zero. A EMEL atribui um máximo de três Dísticos por habitação, sendo que o segundo custa 54 euros por ano e o terceiro 132 euros – e mesmo que tenha uma garagem, pode estacionar na via pública. Se uma família tiver um carro eléctrico, passa a dispor de um Dístico Verde, que é gratuito e que permite estacionar em qualquer parte da cidade (na via pública) de forma ilimitada – e este Dístico Verde pode ser acumulado com os de Residente. Já as famílias com pelo menos três menores no agregado (um deles tem de ter menos de dois anos) podem solicitar um Dístico de Família Numerosa, que dá acesso a um lugar exclusivo e gratuito próximo de casa.
“Por exemplo, não deveria ser possível as pessoas terem gratuitamente os carros na via pública se tiverem uma garagem em casa? Isso são coisas que as políticas públicas podem fazer. Ou seja, eu vou estar muito atento nas próximas eleições à agenda dos políticos sobre a mobilidade na cidade”, aponta Rui, admitindo que a EMEL possa ter outro modelo de exploração, sem entrar em detalhes concretos nesta área. “Nesse momento, poderemos então votar na melhor agenda para a mobilidade. Pode haver alguém que, então, proponha que em vez de três carros na via pública, o candidato a Presidente da Câmara proponha que passam a dois, ou que passem a cinco. A população aí, soberanamente, irá eleger a melhor agenda para a cidade.” Neste momento, o foco de Rui e da sua campanha é neste referendo local, que se vai realizar porque “os decisores políticos não quiseram tomar uma decisão”. “Demitiram-se desta discussão porque sabem que isto é uma discussão que, tomando um lado ou o outro da moeda, lhes faz sempre perder votos”, entende.
Referendo tem a pergunta certa?

José não entra neste debate, mas abre outro. A pergunta do referendo, no seu entender, não é sobre se os fregueses querem parquímetros ou não na freguesia. É sobre se a Junta de Freguesia deve dar um parecer favorável ou desfavorável ao zoneamento (à tal divisão da freguesia em nove zonas de estacionamento) proposto pela EMEL e aprovado no ano passado pela Câmara de Lisboa. “Resulta daqui uma consequência jurídica apenas. O que está a ser perguntada às pessoas é sobre o sentido do parecer que está a ser solicitado à Junta – se favorável ou se não favorável”, aponta. Na verdade, apesar de as zonas de operação da EMEL já estarem definidas para toda a cidade de Lisboa, a EMEL só pode activá-las mediante um parecer favorável das Juntas de Freguesia competentes. E é esse parecer que, tecnicamente, está em cima da mesa neste referendo. “Eu sei que tudo isto foi aprovado pelo Tribunal Constitucional, mas não deixa de causar alguma inquietação, alguma dúvida sobre o real impacto, do ponto de vista jurídico, que este referendo possa ter.”
Ou seja, aquilo que pode ser uma questão técnica, poderá ganhar uma dimensão simbólica maior. “As pessoas podem dizer no referendo o que querem para a freguesia, se querem ou não que a EMEL regule o estacionamento aqui através da emissão ou não desse parecer. E isso tem uma mensagem política. O poder político não se vai atrever a ir contra o que a maioria expressar nesta votação. Mas, a meu ver, o poder de decisão não esteja verdadeiramente a ser delegado sobre os cidadãos, continua a estar nas mãos de quem tem esse poder.”

E a transição modal?
Mas para José, a EMEL não deixa de ser uma “uma forma de tributação encapotada”. Rui discorda: “Efectivamente, a EMEL tem uma razão económica e tem que ter, porque senão são os contribuintes que pagam o investimento público na GIRA, nas ciclovias, na Carris. E das duas uma, ou se vai aos impostos das pessoas directamente para fazer estes investimentos, ou se vai taxar, tarifar quem efectivamente faz um uso do carro, um uso que dentro do regulado é legal.” E na transição modal que se pretende estimular, faz sentido para Rui que as receitas da EMEL com o estacionamento automóvel ajudem nos investimentos da cidade em outros modos de mobilidade mais sustentáveis. “A EMEL já evoluiu para não ser só uma empresa que cobra estacionamento. É uma empresa de mobilidade”, diz, aproveitando para referir que Benfica não tem ainda o novo sistema de carregamento de veículos eléctricos da EMEL, lançado em 2021 com a marca LEVE. “Não temos estes carregadores na freguesia porque não temos EMEL. Temos apenas dois postos de outra entidade. Não é aceitável para uma freguesia que é maior do que alguns concelhos do país.”
“Com meios de transporte que verdadeiramente se constituam como uma alternativa ao uso do carro, eu acho que as pessoas vão optar por esse transporte. Mas eu acho que devem ser criados incentivos pela positiva. O carro dá bastante despesa.”
– José Antunes, NÃO
José também acompanha as necessidades de transição modal e diz que, “com meios de transporte que verdadeiramente se constituam como uma alternativa ao uso do carro, eu acho que as pessoas vão optar por esse transporte”. “Mas eu acho que devem ser criados incentivos pela positiva. O carro dá bastante despesa. Ainda assim, não só pelas circunstâncias da vida, mas pelos tempos de deslocação em comparação, as pessoas vão optar pelo carro ou não. Por exemplo, uma vez tive de ir a Loures e, se fosse fazer aquele trajecto de carro, demorava 15 minutos para cada lado. Eu fiz o trajecto de transportes, envolveu trocar de transporte, tive de apanhar três transportes, neste caso, autocarros. E demorei quase 2 horas.”
O referendo local em Benfica irá decorrer no dia 12 de Fevereiro nos locais de voto habituais naquela freguesia: as escolas Pedro Santarém, Quinta de Marrocos, Salvador Sampaio, Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles e Jorge Barradas. As urnas estarão disponíveis entre as 8 e as 19 horas, e os eleitores serão divididos pelas secções de voto habituais.
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