O programa de transportes públicos gratuitos da cidade de Lisboa, destinado aos residentes jovens e maiores de 65 anos, registou 90 554 adesões neste primeiro ano. Cerca de um terço serão novos utilizadores.

A Câmara de Lisboa está a assinalar um ano de transportes públicos gratuitos, indicando que o programa, destinado aos residentes da cidade maiores de 65 anos e aos estudantes com idades até aos 23/24 anos, registou 90 554 adesões desde o seu lançamento.
“Lisboa tem hoje mais de 90 mil munícipes a usufruírem gratuitamente do transporte público colectivo na cidade. Cerca de 16% da população de Lisboa, actualmente, não paga para andar de autocarro, eléctrico, metropolitano e comboio no nosso concelho”, refere o município. De acordo com a Câmara lisboeta, a medida permitiu trazer para o sistema de transporte público da cidade mais de 33 mil novos utilizadores, “um impressivo incremento de quase 60%”. Por outro lado, o número de estudantes a utilizar os transportes aumentou 62%, um crescimento que “é também muito expressivo”. “Há hoje mais 12 500 jovens com passe Navegante do que havia antes da entrada em vigor da medida”, refere ainda a autarquia.
Estes dados foram conhecidos nesta quarta-feira, 26 de Julho, aquando da discussão e aprovação de um voto de saudação à medida. O texto foi apresentado pelo Presidente da Câmara, Carlos Moedas, e pelos seis vereadores da coligação PSD/CDS; com a abstenção de toda a oposição, os sete votos favoráveis dos Novos Tempos foram suficientes para a aprovação do documento, que apenas serve para assinalar um ano do programa.
No voto de saudação aprovado, a Câmara diz que “o transporte gratuito para os residentes mais novos e mais velhos promove o acesso mais universal ao transporte e traduz a expressão efetiva do direito à mobilidade”. “Contribui ainda para o processo em curso de descarbonização de Lisboa, promovendo uma mobilidade economicamente mais eficiente e ambientalmente mais sustentável, uma vez que que a medida contribui para favorecer a escolha do transporte coletivo em detrimento do transporte individual”, acrescenta.
Metade da população-alvo
Segundo os Censos 2021, a cidade de Lisboa conta com cerca de 37 mil estudantes residentes (nota: são consideradas apenas pessoas com 15 ou mais anos de idade) e cerca de 113 mil pessoas residentes com mais de 65 anos. Dados mais detalhados fornecidos ao LPP pelo município, indicam que, das quase 91 mil adesões, cerca de 33 mil são de estudantes e 58 mil são da população mais velha. Fazendo as contas, podemos estimar que os transportes públicos gratuitos são utilizados por cerca de 62% da população estudantil residente em Lisboa e por cerca de 50% da população mais velha da cidade.
A Câmara de Lisboa indicou ao LPP que ainda está a finalizar o balanço de novos utilizadores captados para o transporte público com esta medida, pelo que os dados apresentados no voto de saudação serão ainda preliminares. Os dados apresentados ao LPP pelo município dão conta de que, em Outubro de 2019, havia 44 mil pessoas com mais de 65 anos a carregar o passe Navegante e entre estudantes eram 18 mil; no entanto, para a população mais velha, a autarquia prefere fazer uma média entre os carregamentos do passe realizados em Outubro de 2019 e os feitos em Março de 2022 (28 mil), o que dá cerca de 36 mil passageiros residentes na cidade de Lisboa com mais de 65 anos. Fazendo somas, podemos considerar 54 mil pessoas do público-alvo da medida a usar o sistema de transportes públicos antes da gratuitidade, o que permite estimar 36 mil novos utilizadores – um valor um pouco acima do apresentado no voto de saudação, mas a diferença é curta.

Pedro Anastácio, do PS, considerou o voto de saudação como um “auto-aplauso que não envergonha” Carlos Moedas, criticando uma “ausência de reconhecimento” pelo trabalho feito em mandatos anteriores e noutras instâncias governativas, como a criação do passe Navegante 12, em 2017, que permite que todas as crianças até aos 12 anos de idade não paguem transportes em toda a área metropolitana de Lisboa. Anastácio lamentou não ter existido um “reforço da oferta” como previsto na proposta de gratuitidade aprovada em 2022. “Estes investimentos ainda não avançaram. Peço que faça esses investimentos [nos transportes públicos] e que reforce também os investimentos na GIRA, porque temos visto a passá-la imensas dificuldades, pelas opções erradas como a abertura desmesurada de estações sem que existam bicicletas suficientes e uma gratuitidade quando o sistema não dá uma resposta efectiva“, disse o vereador socialista (o passe Navegante passou a integrar gratuitamente a GIRA em Maio deste ano, para todos os residentes na capital).
Beatriz Gomes Dias, vereadora do BE, acusou Moedas de “usurpação de propriedade intelectual” por entender que a medida dos transportes públicos gratuitos resulta do esforço do seu partido. “Se hoje existe uma oferta gratuita de transportes públicos para maiores de 65 e estudantes, ela resulta de uma iniciativa intransigente do Bloco de Esquerda, que apresentou uma proposta que o Senhor Presidente tentou engavetar durante vários meses”, alegou a vereadora bloquista, apesar de os transportes públicos gratuitos terem sido uma proposta eleitoral tanto do BE como da coligação Novos Tempos, do actual Presidente da Câmara.
Escala metropolitana?
Por seu lado, João Ferreira, do PCP, não quis comentar questões de propriedade da medida, preferindo fazer notar a sua abrangência municipal. “Sempre temos defendido que este avanço [gratuitidade dos transportes] deve ser conseguido no plano metropolitano e não no municipal. Aliás, dissémo-lo na altura em que nesta proposta foi aprovada”, referiu o vereador comunista. “Os principais fluxos dão-se à escala metropolitana e não municipal. É, por isso, essa escala que instrumentos como a gratuitidade dos transportes públicos deve ser garantida. E deve sê-lo não por via de um esforço orçamental dos municípios – que não estão em condições de o assegurar, com excepção do Município de Lisboa –, mas com a devida responsabilização do Governo. Foi isso que esta Câmara se comprometeu a fazer: continuar a pressionar o Governo para assegurar no plano da área metropolitana de Lisboa avanços no domínio da gratuitidade. Temo que isso não tenha sido feito com a persistência necessária.”
João Ferreira disse que a medida como está desenhada cria “desigualdades entre lisboetas, nomeadamente os que estudam fora de Lisboa e que já não podem beneficiar da gratuitidade” e salientou o lançamento dos passes Navegante e Andante nas duas áreas metropolitanas do país em 2017, considerando-o “a medida de maior alcance no campo das políticas mobilidade que na última década foi adoptada no nosso país”, permitindo a existência de “um passe social intermodal substancialmente mais barato do que até aí, válido para todos os operadores e para toda a área metropolitana”. O vereador do PCP pediu ainda uma “melhoria na qualidade da oferta”, puxando pelas “responsabilidades directas sob a Carris” que a Câmara de Lisboa tem e pela “responsabilidade indirecta” que tem junto do Metro de Lisboa. “Aí os passos dados foram insuficientes na nossa opinião, mas nós continuaremos a bater para que ela [essa melhoria dos transportes públicos] aconteça”, terminou João Ferreira.