Um passeio em Corroios, no Seixal, está a ser transformado em lugares de estacionamento em espinha, o que deixará larguras mínimas para os peões circularem. O passeio em causa já era usado para estacionamento, mas, em vez de proteger e promover a mobilidade pedonal, a Junta de Freguesia decidiu dar o espaço aos carros.

À porta do número da Rua Cidade do Porto, em Corroios, Seixal, a conversa entre três vizinhos é sobre a obra que está a acontecer mesmo à sua frente. “Ao menos, podiam ter deixado mais meio metro de passeio para termos mais espaço”, atira um dos vizinhos. “Duas pessoas não vão caber aqui lado a lado”, comenta outro. “Alguém que tenha a mobilidade fraca e que queira passar aqui com a cadeira de rodas não consegue”, acrescenta o terceiro. O primeiro vizinho remata: “Agora não há nada a fazer, já a obra já está a andar.” Um deles ainda comenta: “Isto vem aqui alguém com uma carrinha de caixa alta, estaciona aqui e chega facilmente às varadas dos prédios, se quiser.”
Um passeio de mais de 4,50 metros, que estava recorrentemente ocupado com carros estacionados, está agora a ser intervencionado pela Junta de Freguesia de Corroios. A obra vai criar lugares em espinha, formalizando o estacionamento que antes era ilegal, às custas da redução do espaço de circulação pedonal. Os peões vão ficar com um passeio de larguras mínimas.




A empreitada, no valor de 17,2 mil euros, está a ser realizada na Rua Cidade do Porto, nas imediações de duas linhas do MTS, da estação da Fertagus e de várias ligações da Carris Metropolitana. Trata-se de uma rua de bairro, de trânsito local, que já tinha estacionamento em espinha num troço onde o passeio é largo o suficiente para permitir a circulação de peões de modo confortável. O que está a ser feito agora é basicamente é prolongar esses lugares, na mesma configuração oblíqua, para uma parte da rua onde a distância da estrada aos prédios diminui e, por isso, também a largura do passeio.
Imagens do Google Street View, de 2022, mostram como a zona de passeio onde agora estão a ser recortados lugares era utilizado para estacionamento:


Na obra, ainda em curso, já é possível ver os novos lancis, revelando as dimensões do futuro passeio: 1,10 metros se não contabilizarmos com a largura do lancil; 1,20 metros se contarmos com o lancil. Ou seja, tudo dentro dos mínimos legais: a legislação indica que, em arruamentos de bairro como este, “os percursos pedonais devem ter em todo o seu desenvolvimento um canal de circulação contínuo e desimpedido de obstruções com uma largura não inferior a 1,20 metros, medida ao nível do pavimento”.
No entanto, note-se que com viaturas estacionadas a área útil do passeio pode ser inferior aos 1,20 metros previsto, uma vez que é comum as dianteiras dos carros ficarem parcialmente em cima do lancil ou mesmo da calçada. Para uma cadeira de rodas, o mínimo dos mínimos para passar são 80 centímetros, pelo que, mesmo com um veículo mais metido para o passeio, a pessoa passará. Mais complicado será numa parte onde existe uma caixa de electricidade e onde, com a redução do espaço pedonal, o passeio ficará com menos de 80 centímetros sem contar com o lancil, 90 contando.


No desenho do espaço público, não basta olhar para metros ou centímetros, para se passa ou não. Reduzir um passeio para criar estacionamento, deixando esse passeio com as larguras mínimas legalmente exigidas, transmite um sinal claro de que a mobilidade pedonal não é prioritária em relação ao automóvel. Outros caminhos poderiam ter sido seguidos aqui, como a colocação de pilaretes para proteger do estacionamento abuso o espaço do peão; ou a criação de lugares de estacionamento paralelos (em vez de oblíquos), permitindo que a área do passeio fosse maior; ou a redução da largura da rua, que tem dois sentidos e 7,20 metros (6 metros bastam num arruamento local). Esta última opção, mais cara, permitiria ter o mesmo estacionamento em espinha com mais passeio.
Ao LPP, Hugo Constantino (CDU), Presidente da Junta de Freguesia de Corroios, esclareceu que este investimento tem em conta as “necessidades e interesses da população” e de uma preocupação com a “mobilidade das pessoas”, incluindo a circulação pedonal. “Esta é uma junta que ouve as pessoas e de mau tom seria se fizesse este investimento sem estarem garantidos os interesses da população”, aponta. No entender do autarca, a obra vai permitir criar 14 lugares de estacionamento que servirão quem ali mora, que passará a ter “lugar à porta” de casa, e “evitar o estacionamento abusivo” que, por vezes, provocava “estrangulamentos no acesso ao prédios”, referindo que os pilaretes que ali chegaram a ser colocados “eram constantemente rebatidos”.

A empreitada, que está a ser realizada pela Junta por delegação de competências do Município do Seixal, irá dar um piso novo para as pessoas caminharem (“aquele passeio era uma zona de calçada já gasta, com algumas décadas de uso”, que a Junta estava constantemente a requalificar, cerca de “20 a 30 vezes por ano”). Hugo aponta ainda que estão “garantidas as larguras mínimas exigidas por lei”, permitindo a circulação de pessoas em cadeira de rodas, e refere que a função do passeio em causa é maioritariamente a de permitir o acesso às habitações – uma vez que do lado oposto, na mesma rua, onde está o comércio e uma escola, há um passeio de “quase três metros”.
O Presidente da Junta de Corroios adiantou que a criação desta bolsa de estacionamento foi decidida “com base em auscultações à população”, tem o apoio de todos os partidos políticos com assento na Assembleia de Freguesia e estava prevista, juntamente com outras obras do género, no programa autárquico. “É do nosso maior interesse servir a população, a mobilidade pedonal e os moradores.”
Para os eleitos do PSD em Corroios, no entanto, a redução do passeio na Rua Cidade do Porto é avaliada como uma “autêntica aberração urbanística”. Numa nota enviada ao LPP, é “necessário aumentar as bolsas de estacionamento nas zonas de maior constrangimento”, mas tal “nunca pode afectar os outros modelos de mobilidade, nomeadamente a mobilidade pedonal”. Os sociais-democratas lamentam que as “várias medidas” apresentadas na Assembleia de Freguesia de Corroios “para estimular a mobilidade suave” não saiam do papel, mostrando da parte do Executivo em funções “uma total indiferença, falta de sentido democrático, mas também, e sobretudo, uma incapacidade, para resolver os problemas relacionados com a mobilidade na freguesia de Corroios”.
Actualização às 10h30 de 11/04/2024: adicionadas declarações do Presidente da Junta.
Actualização às 11h20 de 27/04/2024: adicionadas declarações do PSD Corroios.