O novo Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem Abrigo 2024-2030, aprovado pela Câmara de Lisboa, prevê um investimento de 70 milhões de euros. Composto por 89 medidas concretas, o plano tem 23 objectivos e está estruturado em cinco eixos de intervenção.
A Câmara de Lisboa aprovou, em reunião do Executivo, na semana passada, o novo Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem Abrigo (PMPSSA), documento que prevê até 2030 um investimento de cerca de 70 milhões de euros e visa cumprir 23 objectivos, através de 89 medidas concretas em cinco frentes de intervenção: 1) Prevenção; 2) Intervenção em Contexto de Rua; 3) Alojamento; 4) Inserção Social; e 5) Conhecimento e Comunicação.
Dados oficiais, citados no PMPSSA, dão conta de que a 31 de Dezembro de 2022 existiam 3138 pessoas em situação de sem abrigo na cidade de Lisboa, sendo que 394 na condição de sem tecto (ou seja, na rua) e 2744 na condição de sem casa (isto é, em alojamentos temporários, por exemplo). Lisboa acolhia, nessa data, 29% dos sem-abrigo a nível nacional. A grande maioria são homens entre os 45 e 64 anos. As freguesias com mais pernoitas são Arroios e Parque das Nações. “O fenómeno na cidade de Lisboa evidencia uma população heterogénea com perfis diversos e em constante mudança, em consonância com o registado na maioria das cidades europeias, associando-se esta mudança progressiva de perfil, sobretudo, aos fenómenos migratórios”, pode ler-se no documento.
O novo PMPSSA para 2024-2030 sucede ao documento anterior, referente ao período entre 2019 e 2023, e que, no balanço feito pelo Município, “representou um aumento muito substancial dos meios e recursos disponibilizados” à população em situação de sem abrigo. O anterior plano também levou ao nascimento, na orgânica da Câmara, de uma equipa especializa para prestar uma resposta nesta área. O PMPSSA 2019-2023 encontrava-se organizado em cinco eixos de intervenção: 1) Sinalização; 2) Emergência; 3) Transição; 4) Inserção/Autonomização; e 5) Prevenção. Estes eixos materializavam-se em 54 respostas e projectos no terreno, como as chamadas Equipas Técnicas de Rua (ETR) que prestam apoio social e de saúde às pessoas que pernoitam na rua, o centro de alojamento de Santa Bárbara ou o programa Housing First. Na elaboração do novo Plano procurou-se conhecer as respostas existentes, assegurar a continuidade das mesmas e propor novos projectos, redefinir procedimentos e criar um modelo de acompanhamento das respostas.
O que diz o novo Plano?
Assim, no PMPSSA 2024-2030, “destaca-se a abordagem ao nível da prevenção, no que diz respeito às políticas e medidas que a Autarquia investe para, por um lado, evitar que novas pessoas fiquem nesta situação, por outro, evitar as reincidências após a saída da situação de sem abrigo. De igual modo, importa salientar o investimento na qualificação, na diversificação, na especialização e no aumento das respostas de alojamento com uma aposta progressiva numa abordagem ‘housing led’, o reforço da intervenção em contexto de rua nas suas diferentes dimensões, bem como a aposta na autonomização através do acesso à formação profissional e/ou emprego”.
O Plano tem dois grandes objectivos: por um lado, prevenir situações de sem abrigo; e, por outro, reduzir o número de situações de sem abrigo. São 23 objectivos mais específicos, 70 milhões de euros, 89 medidas concretas e cinco frentes de intervenção. No eixo da Prevenção, um dos mais importantes, procura-se diminuir o número de pessoas que podem chegar a sem-abrigo, bem como de pessoas que podem voltar a essa situação. No eixo da Intervenção em Contexto de Rua, procura-se retirar pessoas em situação de sem abrigo da condição de sem tecto, através de procedimentos da sinalização desses indivíduos, da realização de diagnósticos multidisciplinar, da definição do plano individual de integração e do acompanhamento integrado das pessoa, de forma a salvaguardar a sua saúde, segurança e o seu percurso de saída da condição de rua.
No eixo do Alojamento, aposta-se na diversidade de respostas tendo como base a premissa de que cada pessoa é única. Nesse sentido, procura-se, por um lado, dar diferentes respostas de alojamento de emergência e de transição para quem esteja na rua, prestando um apoio ao nível da segurança, conforto, saúde e alimentação, mas também da (re)inserção social; e, por outro lado, uma abordagem housing led, garantindo a um número cada vez maior de pessoas em situação de sem abrigo o acesso a uma habitação permanente e adequada, com acompanhamento especializado, assente no pressuposto que a estabilidade ao nível habitacional é essencial para a recuperação, integração e (re)inserção social. O eixo da Inserção Social visa a plena integração comunitária e autonomização das pessoas em situação de sem abrigo, ajudando-as no desenvolvimento das suas capacidades e competências. Neste campo, procura-se, por exemplo, a criação de postos de trabalho ou de uma rede diversa de respostas de ocupação diurna.
O último grande eixo, mas não menos importante, é o do Conhecimento e Comunicação. Por um lado, o conhecimento, alcançado através do processo de avaliação contínuo, da realização de estudos científicos e da partilha de boas práticas, é essencial para melhorar a compreensão, prevenção e combate ao fenómeno associado às pessoas em situação de sem abrigo, e consequentemente definir políticas públicas integradas e efetivas; por outro lado, a comunicação sobre este fenómeno é de extrema importância de modo a prevenir e reduzir a estigmatização e discriminação destas pessoas.
A aprovação e a alteração do BE
Com a participação da oposição camarária, o novo PMPSSA 2024-2030 foi elaborado com mais de 700 contributos, oriundos das mais diversas pessoas, entidades e forças políticas, tendo sido submetido a consulta pública com duração de mês e meio. Neste período, a Câmara recebeu mais de 30 contributos, sendo “apenas três traziam algo de diferente ao que estava no plano”, explica ao LPP Paulo Santos, coordenador da equipa responsável pelo PMPSSA. “Todos os outros contributos já estavam previstos no Plano de alguma forma.” Os três contributos resultaram em duas medidas concretas: uma relacionada com o apoio médico-veterinário a animais que estão com pessoas sem tecto, na rua; e outra prende-se com a adição de um detalhe a uma das medidas. “Havia uma medida que estava prevista no Plano para garantir o acompanhamento de pessoas sem tecto e acrescentou-se que se pretende reduzir o tempo de permanência em contexto de rua. Ou seja, não é só o acompanhamento, mas este foco de reduzir o tempo de rua.”
O novo Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem Abrigo foi aprovado pelo Executivo camarário, na semana passada, com os votos a favor da coligação Novos Tempos (PSD/CDS) e a abstenção de toda a oposição. Durante a discussão na reunião de Câmara, o BE decidiu apresentar alterações ao plano com o objectivo de duplicar a resposta prevista no programa municipal Housing First para até 400 vagas ainda neste mandato. Os bloquistas entendem que é preciso uma resposta mais urgente para as pessoas que estão a viver na rua, referindo que 80% dos 70 milhões de euros do Plano são para aplicar depois do final do actual mandato. “Considerando que a demora das obras previstas no plano impede uma resposta imediata, o caminho eficaz e em tempo útil para quem se encontra em situação de sem abrigo são medidas de reforço da política de housing first. Ora, o Plano Municipal não prevê qualquer casa adicional para a resposta housing first até ao final do presente mandato”, referiu o BE numa nota enviada à imprensa. “Em face dessa falha, o Bloco de Esquerda apresentou uma proposta de alteração ao Plano para responder às necessidades identificadas pelas equipas de rua, duplicando a resposta de housing first existente.”
As alterações adicionais do BE receberam os votos contra dos Novos Tempos, tendo passado apenas com os votos da oposição. Em comunicado, a Câmara de Lisboa referiu que o PMPSSA já tinha sido “objecto de um amplo e participado debate público, incluindo os contributos da oposição”, e que as alterações do BE foram um sobreposição de “considerações políticas a metodologias tecnicamente sólidas e já validadas por todos os parceiros”. O plano votado segue agora para Assembleia Municipal onde deverá ser debatido e submetido a votação.
“Tudo temos feito para reforçar em todos os níveis os apoios às pessoas em situação de sem-abrigo, com um investimento recorde, medidas muito concretas em várias frentes de intervenção e indo inclusivamente além daquelas que são as nossas competências nesta matéria”, afirma em comunicado Carlos Moedas. “Mas também temos de ter consciência de que este é um trabalho que não pode estar assente e dependente exclusivamente do esforço e dos apoios da Câmara Municipal de Lisboa”, acrescentou o Presidente da autarquia.