Desde o final do ano passado, Entrecampos conta com um piano comunitário para oferecer música e alegria aos passageiros e transeuntes da estação de comboios. Uma iniciativa da tecnológica portuguesa Critical Software, que tem gerado surpresas e histórias inesperadas.

As estações de comboio costumam ser lugares de passagem, marcados pela correria, pelo tempo contado e pelo stress. No entanto, o piano instalado em Entrecampos, no final do ano passado, tem mostrado que essas interfaces podem também ser locais de tranquilidade, onde se pode simplesmente parar um pouco para tocar ou ouvir música.
Desde Novembro de 2023 que a estação de comboios de Entrecampos conta com um piano comunitário, que pode ser tocado por qualquer pessoa de forma livre e gratuita. A iniciativa foi lançada em Novembro de 2023 pela tecnológica portuguesa Critical Software, e provou desde então ser um sucesso. “No início, tive grandes dúvidas. Temia que no espaço público as pessoas fossem tímidas e que não iriam usar o piano. Não é algo que esteja muito presente na cultura portuguesa, não é?”

João Carreira, director executivo da Critical Software, foi o grande responsável pela colocação de um piano comunitário em Entrecampos. “Chegámos a fazer alguns contactos com escolas de música para passarem aqui regularmente com os miúdos, mas acabou por não ser necessário. Desde o primeiro dia, podemos passar aqui a qualquer hora e estará sempre alguém a tocar”, conta o executivo. “Não sei como é que tanta gente toca piano nesta cidade”, brinca.
São mesmo raras as vezes que, nos últimos meses, passamos em Entrecampos e que ouvimos um silêncio. De manhã, à noite, durante a tarde, à hora de almoço. Há quase sempre alguém, anónimo, junto ao piano a tocar para quem estiver de passagem. Por vezes, há pessoas a parar um pouco junto ao piano, seja para ouvir com mais atenção a música, tirar uma fotografia ou até dar os parabéns ao pianista. “Às vezes, recebo uma mensagem a dizer: ‘olha João, vai ver o piano que está lá um tipo que parece o Elton John’. Vou ver e está uma pessoa vestida como o Elton John a tocar piano muito bem. Ou ‘vai lá ver que está lá agora um grupo de pessoas a tocar violino e trompete com o piano’. Estes momentos acontecem muito”, diz João Carreira.


O que acontece no piano de Entrecampos pode ser acompanhado 24 horas, via streaming, através do site the-piano.pt. Existe uma câmara a apontar para a zona do piano e um aviso a indicar às pessoas que aquela área está a ser filmada e transmitida. Além de Entrecampos, também existe um piano na estação de metro da Trindade, no Porto, e em breve existirá um piano algures em Coimbra, numa localização ainda por definir. “Mas o piano que colocámos em Entrecampos tem uma história engraçada”, começa por dizer João. “Estava a apresentar a ideia na nossa comissão executiva, que é um grupo de sete pessoas. Toda a gente adorou. E um colega diz-me que tem um piano em casa, que não toca desde que é adolescente e que tinha o todo o prazer de oferecê-lo para pôr em Entrecampos.”

Para uma empresa de tecnologia, um piano é um instrumento bastante analógico. Mas João garante que, tirando a transmissão online, não há nada de digital nesta iniciativa. O objectivo é apenas comemorar os 25 anos da Critical Software. “Nós sentimos que para chegarmos até este 25 anos, não foi só o nosso esforço pessoal ou o esforço da Critical, mas toda a gente à nossa volta, de tudo, das infraestruturas, das estações de comboio, das estradas, das comunicações, das pessoas, tudo”, explica João. A música faz parte da empresa, que inclusive tem uma banda interna e uma sala de ensaios no edifício de Lisboa, que fica mesmo ao lado da estação de Entrecampos. “Sentimos, por isso, que um piano simboliza muito bem a nossa cultura.”
Ao longo destes sete meses de piano em Entrecampos, já muitas têm sido as histórias contadas com esta experiência social. “Por Entrecampos, passam milhares de pessoas diariamente, pessoas de todos os estratos sociais, todas as origens, todas as cores, todas as religiões, que usam o piano de uma forma livre”, conta João. “Há pessoas que claramente chegam ali e que se nota que é a primeira vez que estão à frente de um piano. Há outros que tocam como se fosse uma sala de espetáculos. Há outros que vêm para aqui ensaiar. E, portanto, há um bocadinho de tudo.”
“E há histórias incríveis, como a de um rapaz brasileiro que toca muito bem e que agora encontrou emprego numa escola de música. Ele vinha para aqui tocar. O piano era a sua segunda casa. Não conhecia ninguém em Portugal, portanto, vinha para aqui e tocava, tocava, tocava, tocava. E assim conheceu várias pessoas. Ele disse-me que este piano fez mais pela sua integração aqui no país do que tudo o resto”, relata o director da Critical Software. “Acho que o piano traz uma luz, e eu tenho essa esperança que traga uma alegria às milhares pessoas que por aqui passam.”
O piano vai estar por tempo indefinido em Entrecampos.
