A Câmara de Lisboa vai melhorar a segurança das mulheres no espaço público do Bairro Padre Cruz, especialmente das que usam transportes públicos. A iniciativa-piloto inclui a requalificação de algumas ruas com passeios confortáveis, passadeiras acessíveis e a relocalização de paragens de autocarro para áreas mais seguras.
A segurança e o bem-estar das mulheres no espaço público nem sempre são considerados ao requalificar áreas urbanas. Contudo, Lisboa está a preparar-se para mudar esta realidade com um projeto-piloto inovador no Bairro Padre Cruz, em Carnide. “É um projeto que, de forma pioneira, vai olhar para o que é invisível: a insegurança que a mulher sente quando anda no transporte público”, afirmou a Vereadora das Obras Municipais, Filipa Roseta, durante a apresentação da iniciativa em Junho.
O projecto inclui a requalificação de dois arruamentos no bairro: a Rua do Rio Cávado, juntamente com parte da Rua Professor Sedas Nunes, e a Rua Professor Arsénio Nunes, incluindo um troço da Estrada da Circunvalação. Integrada no Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa, a intervenção visa melhorar os passeios e atravessamentos pedonais, incorporando passadeiras sobrelevadas, guias tácteis e ressalto zero, o que irá permitir a utilização desse espaço público por todas as pessoas, independentemente da sua condição motora.
Desenvolvido pela cooperativa Trabalhar Com Os 99%, do arquitecto Tiago Mota Saraiva, o projecto de arquitectura demonstra uma preocupação especial com a segurança das mulheres no espaço público. Ao fazê-lo – isto é, ao colocar a mulher no centro do desenho urbano –, o resultado será um bairro para elas, mas também para eles. Um espaço público seguro para todos. Uma das principais mudanças, nesta perspectiva feminista, é a deslocalização de paragens de autocarro de áreas sombrias e isoladas para a Rua do Rio Cávado, uma via central onde se encontra o Centro Cultural de Carnide e onde está a ser construído o novo mercado. Esta mudança resulta de um extenso trabalho de pesquisa e de consulta junto de várias mulheres do bairro.
Rita Jacinto, da equipa de Acessibilidade Pedonal da autarquia, explica que a questão com a segurança das mulheres no espaço público começou ser trabalhada dentro da Câmara de Lisboa em 2017, numa altura em que era um tópico desconhecido no contexto português. “Lá fora havia algumas coisas, mas cá, ao nível de câmaras municipais, não havia nada ainda”, explicou na apresentação do projecto. Com a criação de um grupo de trabalho e a pesquisa de referências em cidades como Viena, “que estava mais adiantada neste tema”, começou a ser desenvolvida uma pesquisa interna com testemunhos reais de mulheres do Bairro Padre Cruz.
A consulta envolveu mulheres de diferentes idades e contextos, desde crianças de 13 anos a jovens de 20, mulheres adultas que trabalham fora do bairro, mães com crianças pequenas, mulheres em cadeiras de rodas e idosas. As discussões focaram-se em temas como acessibilidade ao espaço público, segurança pessoal e rodoviária, dinâmicas sociais do bairro e risco de assédio sexual. Foram realizadas entrevistas em paragens de autocarro, grupos focais com cinco a seis mulheres, foi criado um mapa do bairro onde as participantes assinalaram pontos negros e zonas onde não se sentem bem, e foi ainda realizado um inquérito nas escolas.
“As mulheres têm viagens mais curtas e mais interligadas que os homens, como ir ao ao supermercado e depois com a roupa à lavandaria”, explicou Rita. “Normalmente o carro, se houver, é usado pelo homem. As mulheres são a maioria dos utilizadores dos transportes públicos que andam a pé.” A equipa de Rita e da Trabalhar Com Os 99%, liderada pelas arquitectas Paula Miranda e Patrícia Maravilha, identificou a necessidade de redesenhar as ruas para reduzir a velocidade dos carros, aumentar o respeito pelos peões nas passadeiras e deslocar paragens de autocarro para zonas mais centrais, visíveis e menos isoladas.
As preocupações levantadas também incluíram o medo do assédio, um crime pouco reportado mas mencionado por jovens a partir dos 13 anos. Foi ainda mencionada a existência de caminhos inacessíveis e em mau estado até algumas paragens, o receio de esperar muito pelo autocarro que não chega no horário, a falta de locais para deixar carrinhos de bebé e a percepção de certas áreas do bairro como perigosas, o que preocupa as mães em relação às suas filhas.
A obra de melhoria do espaço público que agora vai ser realizada resulta desta uma consulta alargada, que contou com o apoio de parceiros locais, como a Associação de Moradores do Bairro Padre Cruz, a Associação Futebol de Rua, e as escolas do bairro, bem como dos serviços municipais mais ligados ao bairro e da Junta de Freguesia de Carnide. Orçamentada em 530 mil euros, intervenção será financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com candidatura feita em Maio de 2022 e aprovada um ano depois. As obras devem iniciar-se neste Verão.
Centrar a mulher no desenho urbano não significa que o resultado final será completamente diferente do que estamos acostumados a ver. A obra vai incluir a plantação de árvores e vegetação para um ambiente mais agradável, a remoção de obstáculos para peões, a criação de passeios mais confortáveis, a adição de mais passadeiras e passadeiras sobrelevadas, e medidas para reduzir a velocidade do tráfego. No entanto, ao colocar a mulher no centro, garantimos ruas mais inclusivas, em contraste com um urbanismo que considera apenas parte da população. Essa abordagem cria espaços públicos mais seguros e acolhedores para todos, promovendo uma maior equidade na cidade.
“É sempre muito importante acender holofotes em coisas que não estão a ser vistas. É dinheiro do PRR bem gasto”, como disse Roseta.“Este projecto é importante também pelo que pode dizer a outros projectos na cidade”, acrescentou a Vereadora. A obra deverá ficar pronta em 2025.