A forma de vermos a água no espaço público está a mudar, com projectos como a renaturalização da Ribeira de Sassoeiros, em Cascais, que trazem cursos de água para a superfície, reduzem o risco de cheias, e criam novos parques para estar, correr ou pedalar.
Durante décadas, acreditou-se que o lugar das ribeiras em áreas urbanas era debaixo de terra, longe do olhar humano. No entanto, esta forma de pensar e desenhar os espaços públicos mudou e, agora, a tendência é outra: os cursos de água são vistos como elementos valiosos da paisagem urbana, não só das cidades mas de outros territórios, e isso pode ajudar na resposta às alterações climáticas.
Integrar ribeiras e outros cursos de água nos desenhos de espaço públicos cria oportunidades para desenvolver sistemas naturais de drenagem e aumentar as zonas permeáveis com novos parques verdes. O Município de Cascais tem acompanhado, como outros, estas tendências, estando, por exemplo, com um ambicioso projecto de renaturalização da Ribeira de Sassoeiros em Trajouce. Ao LPP, o Director Municipal do Ambiente e Sustentabilidade de Cascais, Luís Almeida Capão, explica que “a requalificação do troço da Ribeira de Sassoeiros é um projecto pioneiro, que transforma a ribeira num grande corredor ecológico e num polo de biodiversidade”.
Os trabalhos de renaturalização desta ribeira foram visitados na sexta-feira passada, 23 de Agosto, pela Ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, que destacou o contexto nacional deste tipo de intervenções. “Estamos com um grande programa relacionado com a lei do restauro da natureza, que tem por objectivo renaturalizar uma grande percentagem dos nossos rios e ribeiros. Este projecto é um exemplo concreto dessa política”, afirmou a Ministra. Graça Carvalho sublinhou que “a qualidade da água do mar depende muito da qualidade dos rios e das ribeiras” e que é necessário olhar “desde a nascente até à foz”: “Basta haver um mau funcionamento de uma estação de tratamento ou um problema de contaminação no rio, para que as nossas praias sejam afectadas. Por isso, é fundamental tratar todo o ecossistema com cuidado e atenção.”
A transformação da Ribeira de Sassoeiros
A Ribeira de Sassoeiros nasce no extremo sul da freguesia de Rio de Mouro, em Sintra, na localidade de Cabra Figa, e segue para sul, desaguando no mar em Cascais, após atravessar várias localidades. Embora grande parte do seu leito se mantenha em estado natural, havia troços canalizados em Trajouce e na Abóboda, existe mais a sul, a ribeira continua a estar subterrada entre Carcavelos e a Quinta de Santo António. Actualmente, o projecto de renaturalização cobre cerca de 4,7 km e está dividido em cinco fases, das quais três já estão concluídas. Estas intervenções visam trazer a ribeira de volta à superfície, criando novos espaços públicos em seu redor, como parques com árvores, bancos, hortas urbanas, e percursos para andar a pé ou de bicicleta.
“Basicamente, o que temos estado a fazer é a requalificação de um troço da Ribeira de Sassoeiros, que originava muitas situações de cheias devido à falta de ordenamento nas décadas de 1950 e 1970”, explica Luís Almeida Capão. “Pouco a pouco, a ribeira está a ser transformada num corredor ecológico, um polo de centralização de biodiversidade e mobilidade suave, ligando as populações. A ribeira deixa de ser o fundo dos quintais para passar a ser a fachada principal.”
“Ao mesmo tempo que requalificamos e resolvemos, do ponto de vista técnico, o problema que existia, pela falta de regularização da ribeira, estamos a criar atractividade para essas populações”, acrescentou o responsável, que abordou ainda a importância das bacias de retenção de águas da chuva, que estão a ser criadas ao longo do curso de água. “Essas bacias, que actualmente são quatro, e futuramente serão cinco, funcionam como áreas de lazer e estadia, mas também têm uma outra função essencial. Quando ocorrem grandes precipitações, a água é retida nessas bacias, onde é absorvida e infiltrada lentamente, reduzindo o volume de água que chega ao mar e minimizando os riscos de cheias.”
Criar espaço público e responder às alterações climáticas
O projeto de renaturalização da Ribeira de Sassoeiros, que cobre cerca de cinco quilómetros, inclui 4,6 quilómetros de percursos pedonais e cicláveis, 35 mil metros quadrados de novos espaços verdes, e representa um investimento total de 12 milhões de euros. A obra é um exemplo de engenharia natural, utilizando materiais como madeira e espécies nativas para estabilizar as margens da ribeira. Essas espécies, por serem nativas, estão adaptadas ao clima local e não exigem rega. Por outro lado, uma parte substancial da intervenção é constituída por prados de sequeiro, isto é, campos que vão alterando de cor ao longo do ano – no Verão são secos e amarelados, no Inverno são verdes e húmidos.
“Estamos a criar novos espaços verdes e de fruição, ao mesmo tempo que resolvemos problemas antigos de drenagem”, resume o Director Municipal do Ambiente e Sustentabilidade de Cascais. “Além disso, contribuímos para mitigar os efeitos de fenómenos climáticos extremos, como as cheias de 100 ou 200 anos. “São alturas em que é previsto que haja uma enorme precipitação e hoje em dia sabemos, com as alterações climáticas, que esses fenómenos climáticos extremos têm tendência para persistir. Se calhar, as cheias vão ocorrer mais vezes e não tão espaçadas em anos”, alertou.
Na verdade, a renaturalização das ribeiras não só promove uma melhor gestão da água à superfície, melhorando a drenagem e evitando cheias, como também oferece benefícios significativos para a qualidade de vida nas cidades e noutros territórios. A criação de corredores verdes ao longo dos cursos de água proporciona espaços de lazer e desporto para os residentes. Estes espaços contribuem para a saúde pública, incentivando as actividades ao ar livre e aumentando o contacto com a Natureza.
Num dia de Verão como era a passada sexta-feira, não havia água nem na ribeira nem nas bacias de retenção. Mas a situação pode ser diferente nas épocas chuvosas e é principalmente para estas alturas que é pensada esta intervenção. “Começámos de montante para jusante. Uma grande intervenção de cerca de 14 hectares” quando estiver concluída nas cinco fases, adicionou Luís Almeida Capão. “O investimento total, quando terminarmos, vai ser de 12 milhões. E para ter uma ideia, 1,6 milhões do total de 12 milhões de investimentos, pelo menos, foi co-financiado. O que é bastante e mostra a credibilidade que a autarquia tem do ponto de vista técnico, de ter soluções que depois merecem a confiança para serem co-financiadas, quer para projetos europeus, quer para a própria Agência Portuguesa do Ambiente e pelo Governo”, acrescentou.