A Câmara de Lisboa aprovou a suspensão da emissão de novas licenças de Alojamento Local (AL) em toda a cidade. Com esta medida, a autarquia procura manter controlado o crescimento do arrendamento de curta duração enquanto prepara o novo regulamento municipal.
Fica suspensa a emissão de novas licenças de Alojamento Local (AL) na capital. A Câmara de Lisboa aprovou, por unanimidade, uma proposta apresentada pelo PS que, na prática, anula os efeitos do novo regime jurídico do AL, aprovado pelo Governo de Luís Montenegro (PSD), e que na capital levaria ao levantamento da actual proibição de novas licenças em 20 das 24 freguesias. Em toda a cidade – não só nessas 20 freguesias –, fica impedida a criação de novas unidades de AL, uma vez que o rácio entre o número destes arrendamentos e o número de casas familiares é superior a 5% ao nível municipal.
A aprovação desta proposta do PS aconteceu na reunião de Câmara de 30 de Outubro, onde o Executivo de Carlos Moedas também apresentou uma proposta semelhante. Como os dois textos eram comuns no objectivo – não haver novas licenças de AL em todo o concelho até à entrada em vigor do novo regulamento –, foi escolhido um dos documentos para apreciação e votação.
Todavia, essa escolha não foi pacífica entre todos os vereadores que se sentam na mesa de decisões da Câmara de Lisboa. Por um lado, à esquerda, os vereadores da oposição acusaram a vereação de Moedas de ser oportunista por ter apresentado a sua proposta no próprio dia da reunião, enquanto que o PS tinha dado a conhecer o seu documento dois dias antes. Por outro lado, sublinharam incertezas em relação à forma como a proposta do Executivo de Moedas – assinada pela Vereadora dos Urbanismo, Joana Almeida – estava redigida e como poderia não oferecer a “segurança jurídica” necessária à efectiva suspensão das novas licenças de AL. Já Moedas revelou amargura pela rejeição do seu texto, saudando ironicamente a “frente de esquerda” pela aprovação do documento do PS.
Certo é que, independentemente das disputas partidárias, com esta aprovação, a autarquia lisboeta mantém o controlo sobre o crescimento do AL enquanto não fica pronto o novo Regulamento Municipal relativo a esta matéria. A Vereadora Joana Almeida disse, na reunião, que tudo vai fazer para apresentar o mais rapidamente possível uma nova versão do referido regulamento.
Governo dá mais poder às autarquias
As mudanças introduzidas pelo Governo do Luís Montenegro (PSD) – através do Decreto-Lei nº 76/2024 que substitui o Decreto-Lei anterior – conferem mais poderes aos municípios para regular a actividade de AL, com as autarquias a ganharem capacidade de estabelecer as condições e limites aplicáveis a este sector económico através de regulamentos próprios e da definição de zonas de contenção (onde o AL tem mais limitações), ao invés de ser o poder central a ditar regras para todo o país.
Por outro lado, a nova legislação diminui os poderes dos condomínios, que deixam de ter uma palavra a dizer quanto a novos registos de AL nos seus prédios; no entanto, os condóminos podem continuar proibir, através do regulamento do condomínio, o exercício desta actividade económica, desde que haja uma maioria representativa de dois terços da permilagem do prédio. Podem também contestar licenças específicas, com mais de metade da permilagem do edifício, no caso de serem comprovados actos que perturbem a normal utilização do prédio ou o descanso dos condóminos.
Voltando ao caso específico de Lisboa. A proposta aprovada pela Câmara – e que já teve luz verde também da Assembleia Municipal – mantém suspenso o registo de novas unidades de AL em toda a cidade, isto porque actualmente estão registadas mais de 19 mil unidades, cerca de 7,5% do total das casas da cidade. Segundo o documento, enquanto o rácio entre alojamentos familiares clássicos e alojamentos locais não descer abaixo de 5% em todo o município – ou até à entrada em vigor do novo regulamento – , esta suspensão vai manter-se em vigor. Ou seja, toda a cidade de Lisboa vai manter-se numa zona de contenção, segundo a medida aprovada.
Ao nível das freguesias, está previsto que estes territórios sejam considerados zonas de contenção se o rácio referido for igual ou superior a 2,5%. Actualmente, este é o caso de 20 das 24 freguesias da cidade. Só Carnide, Lumiar, Santa Clara e Benfica apresentam um rácio entre casas familiares e casas ocupadas com negócios de AL inferior a 2,5%, mas como a situação ao nível municipal supera os 5% estipulados também nestas freguesias não podem ser criados ALs.
A proposta prevê que esta suspensão se mantenha por um prazo de seis meses, sendo que a medida pode ser renovada por igual período, até à entrada em vigor da alteração ao Regulamento Municipal do Alojamento Local. Em comunicado, os socialistas saudaram o que disseram ser uma “viragem de 180 graus de Carlos Moedas” e salientaram que “é a primeira vez que o PSD vota favoravelmente uma medida para conter a expansão do AL”. Alegaram ainda que “por causa da entrada em vigor das alterações feitas pelo Governo ao regime jurídico do AL, Lisboa ficaria exposta a uma corrida às licenças, correndo o risco de perder centenas de casas no mercado de arrendamento tradicional”.
Segundo o documento, a medida tem em conta “a salvaguarda do interesse público e o equilibrado desenvolvimento da economia no sector do turismo”, com a “adoção de medidas proporcionais que possam ser uma salvaguarda do direito fundamental à habitação”.
Movimento avança com referendo
Enquanto Lisboa aprova a manutenção da suspensão de novas licenças de AL, o Movimento Referendo pela Habitação (MRH) entregou, na passada sexta-feira, 8 de Novembro, as assinaturas necessárias para a realização de um referendo local sobre o futuro desta actividade económica na capital. O Movimento recolheu mais de 11 mil assinaturas e dirigiu-se à Assembleia Municipal para formalizar junto deste organismo o pedido de realização do referendo. Das 11 mil, mais de 6 600 correspondem às assinaturas válidas, isto é, aquelas com valor legal para a formalização do pedido de referendo e que pertencem a pessoas recenseadas no município de Lisboa (o mínimo legal necessário são 5 mil). As outras mais de 4 400 pertencem a pessoas sem direito ao voto (residentes da área metropolitana, mas não do município de Lisboa, por exemplo), mas que apoiam a realização do referendo local.
Com esta iniciativa legislativa, o MRH pretende, “pela força do voto dos cidadãos, revogar as licenças de Alojamento Local atualmente em vigor na cidade de Lisboa em prédios destinados ao uso habitacional. O objetivo é devolver as quase 20 mil casas hoje ocupadas para fins turísticos à sua função social: serem habitadas”, indica num comunicado. Feita a entrega das assinaturas válidas, o processo para a realização do referendo é desencadeado. Mas tem ainda um longo caminho legal a percorrer.
Primeiro, a Assembleia Municipal de Lisboa (AML) tem de criar uma comissão específica para avaliar a proposta. A decisão de validar o referendo é depois levada ao plenário, onde os deputados municipais terão de votar sobre a sua realização. Caso o referendo obtenha a luz verde da AML, tem ainda de passar pelo Tribunal Constitucional, que fiscalizará a sua integridade e constitucionalidade. Se o aval for positivo, é marcada a data para o referendo num prazo entre 40 e 60 dias.
O MRH propõe colocar duas perguntas aos munícipes: 1) “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação?”; e 2) “Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?”.