Quem tem medo do poder popular?

Opiniรฃo.

A validaรงรฃo das assinaturas faz parte do processo normal e nรฃo existe para criar suspeitas, mas para garantir que, num mecanismo burocrรกtico como este, os erros sejam eliminados e se garanta o nรบmero mรญnimo de assinaturas legalmente previsto.

Alfama, um dos bairros mais castigados pelo Alojamento Local (fotografia LPP)

Em 2022, o Movimento Referendo pela Habitaรงรฃo decidiu avanรงar para algo inรฉdito โ€“ realizar o primeiro referendo local por iniciativa popular da histรณria da nossa Democracia.

Desde o inรญcio que soubemos que nรฃo ia ser fรกcil porque:

  • o mecanismo de referendo local, legalmente previsto, รฉ extremamente burocrรกtico, exigindo a recolha apenas presencial (e nรฃo online) de assinaturas. Isto acarreta uma imprevisรญvel dose de erro humano e um esforรงo gigante do movimento. Somos pessoas que trabalham e este mรฉtodo exigiu muitas horas na rua a recolher assinaturas e, portanto, muito tempo entre o inรญcio das recolhas e o momento da entrega;
  • o referendo iria versar sobre o Alojamento Local, indo contra lobbies poderosos, com ligaรงรตes institucionais, partidรกrias e jornalรญsticas. Desde cedo que comeรงรกmos a receber ameaรงas nas redes sociais, numa atitude claramente antidemocrรกtica e intimidatรณria. Nada disto nos deteve porque nรฃo sรณ estamos a usar um instrumento legalmente previsto, como temos a forรงa das milhares de pessoas que acreditam na proposta.

Neste รกrduo processo, recolhemos 11 000 assinaturas, das quais 6 528 seriam de eleitores de Lisboa. Tentรกmos sempre garantir a validade destas subscriรงรตes, explicando claramente que dados precisรกvamos e para quรช.

Apรณs entrega destas assinaturas na Assembleia Municipal de Lisboa (AML) a 8 de Novembro, estas seguiram, como previsto, para o Ministรฉrio da Administraรงรฃo Interna (MAI) para serem validadas. Sabรญamos que poderiam ocorrer erros, normais num processo deste gรฉnero. Do MAI foi-nos informado que das 6 528 assinaturas entregues, 4 863 eram de eleitores de Lisboa โ€“ estรกvamos, por isso, a 137 assinaturas do mรญnimo exigido por lei (5 000) para entregar uma proposta de referendo local em Lisboa

O que se passou, entรฃo, com as assinaturas nรฃo validadas? De acordo com o relatรณrio:

  • 843 sรฃo de eleitores nรฃo recenseados no municรญpio de Lisboa โ€“ com a crise habitacional, vimos centenas de pessoas a serem expulsas da cidade, e sabรญamos que isso poderia comprometer algumas assinaturas โ€“ ou seja, pessoas que em tempos estiveram efetivamente recenseadas mas que entretanto tiveram de sair da cidade. ร‰ a prova de que a crise habitacional รฉ tambรฉm uma crise para a prรณpria democracia participativa. Para alรฉm disso, apesar de questionarmos sempre as pessoas que assinavam se eram eleitoras em Lisboa, nรฃo podรญamos garantir a ausรชncia de erros neste ponto e por isso quisemos sempre entregar mais de 5 000 assinaturas, para acautelar possรญveis anulaรงรตes;
  • 12 sรฃo de pessoas falecidas โ€“ num universo de mais de 6 500 pessoas, e tendo nรณs comeรงado a recolher a 17 de dezembro de 2022, รฉ normal que algumas pessoas tenham entretanto falecido;
  • Em 570 assinaturas โ€œnรฃo foi possรญvel identificar os eleitoresโ€ โ€“ temos reservas neste ponto pois nรฃo sabemos quais as razรตes para a nรฃo validaรงรฃo. Sรฃo questรตes de legibilidade que dificultam a identificaรงรฃo? Sรฃo erros no tipo de documento introduzido? A impossibilidade de averiguar a invalidaรงรฃo de meio milhar de assinaturas gera dรบvidas.
  • 240 subscritores encontravam-se em duplicado โ€“ esta afirmaรงรฃo no relatรณrio รฉ pouco clara pois nรฃo percebemos como foram contadas estas assinaturas, uma vez que aqui se fala de subscritores e nรฃo de subscriรงรตes.
Alojamento Local (fotografia LPP)

ร‰ importante realรงar que a validaรงรฃo das assinaturas pelo MAI faz parte do processo normal e nรฃo existe para criar suspeitas, mas para garantir que, num mecanismo burocrรกtico como este, os erros sejam eliminados e se garanta o nรบmero mรญnimo de assinaturas legalmente previsto.

Posto isto, foi com alguma estupefaรงรฃo que vimos algumas notรญcias e ataques nos รบltimos dias. Apenas quem nunca recolheu assinaturas manualmente, ou nรฃo percebe como o processo รฉ feito, pode achar que as falhas apontadas no relatรณrio nรฃo sรฃo facilmente explicadas pelas razรตes que acima referimos.

Porรฉm, nรฃo nos iludamos โ€“ isto รฉ uma tentativa concertada de silenciar um processo legalmente previsto, e apoiado por mais de 11 000 pessoas. Os argumentos podem parecer risรญveis, mas num paรญs historicamente com baixa participaรงรฃo cรญvica, os riscos para a democracia participativa de uma manobra de intimidaรงรฃo deste gรฉnero deverรฃo deixar toda a gente alerta. Ter medo de um referendo รฉ ter medo de uma ferramenta democrรกtica que incentiva a participaรงรฃo popular.

As acusaรงรตes que foram sendo feitas sรฃo um ato desesperado de quem nรฃo conseguiu vencer pela via da narrativa nem pela via polรญtica. Ainda assim, nรฃo desistimos. Por isso, em 24 horas recolhemos mais 612 assinaturas que jรก entregรกmos na AML para ultrapassar o mรญnimo de 5 000 assinaturas necessรกrias para dar continuidade ao processo.

Imensas pessoas mobilizaram-se para recolher assinaturas, para assinar ou para partilhar entre as suas redes de contactos. A onda de mobilizaรงรฃo mostrou-nos que Lisboa estรก viva e que quer pronunciar-se sobre o Alojamento Local.

Em conjunto vamos continuar a lutar pelo Referendo pela Habitaรงรฃo. De coraรงรฃo cheio, um grande agradecimento a toda a gente que se envolveu, que assinou, e que manifestou a sua solidariedade nos รบltimos dias. Seguimos lutando. Em conjunto, pela cidade de Lisboa!

Recuperar Lisboa estรก nas nossas mรฃos!

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