A crise habitacional da área metropolitana de Lisboa está a comprometer a capacidade da região de atrair e reter talentos, levando a uma fuga de profissionais qualificados para zonas com melhor relação entre rendimentos e custo de vida.

A associação Causa Pública lançou um estudo onde se analisa as transformações na economia da área metropolitana de Lisboa e os desafios decorrentes da crescente dependência do turismo e do setor imobiliário. O relatório destaca a queda da produtividade e o impacto desta dinâmica no crescimento económico e na competitividade nacional.
O estudo revela que, na última década, a área metropolitana de Lisboa assistiu a uma reconfiguração da sua estrutura económica, com uma crescente especialização em sectores de baixa produtividade, como turismo, comércio e imobiliário. Esta tendência resultou numa estagnação das actividades de maior valor tecnológico, comprometendo a capacidade de inovação da região. Como consequência, a produtividade por trabalhador caiu, contrastando com outras áreas metropolitanas europeias.

Outro ponto crítico apontado pelo relatório é o impacto da valorização imobiliária na acessibilidade habitacional e na mobilidade da população trabalhadora. O elevado custo da habitação tem conduzido a um fenómeno de deslocação de residentes para municípios periféricos, aumentando os custos de transporte e dificultando o funcionamento integrado do mercado de trabalho da região metropolitana.
O relatório evidencia ainda que a crise habitacional da área metropolitana de Lisboa compromete a sua capacidade de atrair e reter talentos, levando a uma fuga de profissionais qualificados para regiões com melhor relação entre salários e custo de vida. Adicionalmente, o aumento das rendas e dos preços das propriedades comerciais encarece a instalação de empresas inovadoras, tornando a economia da região menos diversificada e mais vulnerável a choques externos.
“As tendências descritas neste relatório mostram que a região que acolhe a capital portuguesa passou por uma década de explosão dos preços dos imóveis a par de uma assinalável expansão económica de setores de baixa produtividade, geralmente associados ao turismo”, pode ler-se no documento. “Apesar de ser uma tendência nacional, ocorreu a um ritmo bastante forte na AML [Área Metropolitana de Lisboa]. A evolução de indicadores relacionados com a inovação e uma queda inédita da produtividade são sinais preocupantes, que fazem com que a AML seja ultrapassada por outras áreas urbanas da Europa, limitando o crescimento da produtividade da economia e dos salários em Portugal.”
Ideias-chave
- A Área Metropolitana de Lisboa (AML) é o epicentro da crise de habitação portuguesa;
- Ao mesmo tempo que os preços têm aumentado, a AML tem vindo a sofrer alterações da sua estrutura económica: as atividades comerciais, os serviços locais, o turismo, o entretenimento e as atividades imobiliárias ganharam um peso superior ao da média do país;
- Na última década, ocorreu uma queda da produtividade por trabalhador na AML, divergindo face a cidades europeias comparáveis, enquanto as atividades de maior valor tecnológico estagnaram;
- Esta queda não foi compensada pelo crescimento de atividades de maior valor tecnológico noutras regiões. Ou seja, a recomposição económica a favor do turismo e do imobiliário na AML parece implicar uma desqualificação global da economia portuguesa;
- Estas alterações estruturais dão-se num período em que as rentabilidades no setor imobiliário, na capital portuguesa, são particularmente altas;
- Esta dinâmica reflete-se na criação de novos empregos em setores com salários baixos, o que se traduz numa redução da diferença dos níveis salariais entre a AML e o resto do país;
- A AML apresenta custos de habitação muito mais elevados do que as áreas metropolitanas europeias com que compete na economia global. As rendas altas retiram competitividade aos salários pagos na AML, potenciando a dinâmica de “fuga de cérebros”. Isso mostra de forma muito clara que a crise da habitação, ao limitar a capacidade de atrair e reter talento, tem consequências para a competitividade económica nacional;
- A geografia económica e demográfica da AML alterou-se na última década. A população residente cresceu nos seus municípios limítrofes, mas o emprego continuou a aumentar no seu centro. Esta dinâmica fragmenta o mercado de trabalho e traz custos de mobilidade adicionais significativos, sem que exista no país uma estratégia de investimento nos transportes públicos à escala metropolitana capaz de acompanhar e reduzir os impactos negativos dessas alterações.
“Neste momento, os altos preços dos imóveis (habitacionais e comerciais), face a cidades em países com níveis de desenvolvimento comparáveis, devem ser interpretados como um custo para a economia como um todo. Um custo muito maior e muito mais penalizador que o de outros fatores, como a carga fiscal”, pode ler-se ainda. “Os altos custos para o nível salarial praticado na AML, que incentivam a ‘fuga de cérebros’ de profissionais qualificados, restringe o crescimento das empresas inovadoras/produtivas e limita a o desenvolvimento de setores económicos que permitam à AML e ao país melhorarem o seu padrão de especialização.”
O relatório alerta que, sem políticas públicas eficazes para reverter esta trajetória, a área metropolitana de Lisboa poderá continuar a perder competitividade internacional. Medidas como o reforço do investimento em habitação acessível, a diversificação da economia para setores de maior valor acrescentado e a modernização das infraestruturas de transporte são essenciais para reequilibrar o desenvolvimento da região.
Podes ler o estudo aqui:
A Causa Pública é, segundo a própria, uma associação de cidadãs e cidadãos “empenhados na construção de novos caminhos para Portugal, através do debate público e participado sobre o modelo de desenvolvimento e as opções de governação do país, a partir de diferentes perspectivas da esquerda portuguesa”. A Causa Pública diz-se orientada pelos valores da “defesa do bem-comum, a democracia, a igualdade e a sustentabilidade”.