Árvores ou estacionamento? Tudo sobre o polémico abate de jacarandás na 5 de Outubro

O abate e transplantação de 47 árvores, a maioria delas jacarandás, agitou as redes sociais na última semana, numa onda de indignação que levou ao surgimento de uma petição com mais de 15 mil assinaturas em apenas dois dias. A remoção vai acontecer na Avenida 5 de Outubro, no âmbito da Operação Integrada de Entrecampos e por causa da construção de um parque de estacionamento subterrâneo. A Câmara de Lisboa e a Fidelidade garantem que, após a obra, haverá um aumento da arborização.

Os jacarandás da polémica (fotografia LPP)

O abate e transplante de árvores aquando de obras de urbanização é algo comum. Acontece que a requalificação de espaços públicos ou a construção de novos edifícios impõe alterações no desenho urbano, o que pode ter impactos na arborização existente. Esse é o caso na Avenida 5 de Outubro, onde no âmbito da designada Operação Integrada de Entrecampos está planeado o abate de 25 jacarandás e o transplante de outros 22.

Contas feitas, serão removidas 47 das 75 árvores que existem hoje no alinhamento central da Avenida 5 de Outubro entre as avenidas Álvaro Pais e Forças Armadas. O motivo é a construção de um parque de estacionamento subterrâneo, enquadrado na urbanização dos terrenos da antiga Feira Popular, parte da já referida Operação Integrada.

A Operação Integrada de Entrecampos teve início em 2018 para responder à necessidade de requalificar os terrenos desocupados pela Feira Popular. Em conjunto com a Fidelidade Property, que adquiriu esses terrenos à Câmara Municipal de Lisboa através de uma hasta pública, o braço imobiliário da seguradora e a autarquia começaram a construir o futuro de Entrecampos, abrangendo não só os terrenos da antiga Feira como uma série de parcelas na envolvente. 

Vão ser removidas 47 árvores, das quais 25 serão abatidas (fotografia LPP)

Este novo Entrecampos, um mega-projecto do tempo ainda do socialista Fernando Medina, envolvia a construção de habitação acessível (em fase adiantada de construção), do novo edifício-sede da Fidelidade (também em construção) e, nos terrenos da Feira, de um novo pólo de escritórios e de habitação livre (construção na fase inicial). Ao mesmo tempo, a Operação Integrada inclui um conjunto de mudanças no espaço público de Entrecampos, com novos jardins públicos, alargamento de passeios e o prolongamento da Rua da Cruz Vermelha até à Avenida da República, que permitirá resolver alguns constrangimentos na rotunda de Entrecampos

É neste contexto que chegamos aos jacarandás. 

O estacionamento

Para a construção de um parque de estacionamento subterrâneo, previsto desde 2018 no âmbito desta Operação Integrada, vão ser removidas 47 árvores, a grande maioria delas da espécie Jacaranda mimosifolia. Dessas 25 serão abatidas e 22 serão transplantadas para locais já escolhidos, de acordo com o relatório do Departamento de Estrutura Verde.

Esse relatório foi publicado no início do mês de Março na página do Município onde são divulgadas todas as intervenções no arvoredo municipal. No documento, é justificada a remoção das 47 árvores com as obras de urbanização, sendo apresentada uma avaliação visual  de cada exemplar. É salvaguardado pelos serviços da autarquia que os trabalhos de transplantação, a decorrer entre o presente mês de Março e meados de Junho, “deverão ser executados por empresa profissional especializada na matéria” e que “em caso de insucesso do transplante, deverá esse exemplar ser substituído por árvore ou árvores com características equivalentes”.

O relatório em questão não se limita a apresentar informação sobre a situação arbórea, explicando todas as obras de urbanização que afectarão as tais 47 árvores. Em causa, está a construção do PEPE – sigla para Parque de Estacionamento Público de Entrecampos, que irá ocupar uma parte subterrânea da Avenida 5 de Outubro. Prevendo-se a sua abertura em 2027, o PEPE terá 400 lugares públicos, dos quais 60 com avenças para moradores, 20 postos de carregamento eléctrico, 100 lugares para bicicletas e acesso 24/7. A construção do parque, que terá três pisos subterrâneos, será acompanhada pela construção de um novo colector de saneamento na Avenida 5 de Outubro e por um reforço das redes de telecomunicações existentes no subsolo.

Em causa está a construção de um parque subterrâneo (fotografia LPP)

Ou seja, com a construção do parque de estacionamento, serão feitas outras intervenções no subsolo da avenida. À superfície, também haverá mudanças. O PEPE será construído no troço da Avenida 5 de Outubro entre as avenidas Álvaro Pais e Forças Armadas. Nessa zona, os lugares de estacionamento existentes à superfície serão substituídos por lugares subterrâneos no PEPE. Isso permitirá alargar o espaço pedonal e estabelecer novas zonas verdes, com mais árvores e arbustos. O site que a Fidelidade criou para divulgar o PEPE indica que “a intervenção prevê a conservação e renovação de elementos arbóreos, ajudando a densificar a mancha existente de espécies de Jacarandás, característica do eixo central da Avenida 5 de Outubro”, e que está assegurada “uma total integração e harmonização da área com os modelos de urbanismo e paisagismo aplicados na globalidade da Operação Integrada de Entrecampos”.

Espreita alguns renders da prometida Avenida 5 de Outubro:

Na página web sobre o PEPE não são dados detalhes sobre a futura arborização da Avenida 5 de Outubro, mas o relatório do Departamento de Estrutura Verde da autarquia é claro neste aspecto e refere as seguintes informações:

  • em 2018/2019, o projecto inicial para a zona de Entrecampos – aquele que foi à referida hasta pública – previa o abate de todas as árvores deste troço da Avenida 5 de Outubro;
  • em 2022, um acordo entre a Câmara de Lisboa e o promotor – a Fidelidade Property –, permitiu, entre outras coisas, encontrar “soluções mais adequadas para conciliar o desenvolvimento das operações urbanísticas previstas (…) com a preservação e o reforço da estrutura arbórea existente”, pode ler-se no documento;
  • entre esse ano e 2022, chegou-se a uma proposta de alteração com “contributos da DMAEVCE [Direcção Municipal do Ambiente, Estrutura Verde, Clima e Energia]” que “visaram preservar o máximo de exemplares possíveis”. Essa proposta consistiu em olhar para o eixo arbóreo com dois alinhamentos: um nascente e outro nascente, reduzindo, ao mesmo tempo, a largura do estacionamento para o mínimo, 19 metros. As imagens seguintes esquematizam as alterações, detalhadas nos pontos seguintes:
  • procurou-se salvaguardar as árvores do alinhamento poente, que não é afectado directamente pela construção do parque subterrâneo, e remover as árvores do alinhamento nascente;
  • assim, das 37 árvores existentes no alinhamento poente, 30 serão mantidas. Das sete removidas, uma será transplantada. É assinalado que das 30 a manter, “13 árvores apresentam alguma lesão, desequilíbrio ou problema fitossanitário”. Serão plantadas seis árvores novas neste alinhamento poente;
  • das 38 árvores no alinhamento nascente, serão removidas todas, sendo que 19 serão transplantadas e 19 abatidas, prevendo-se a plantação de 33 árvores novas;
  • contas feitas, o separador central da Avenida 5 de Outubro, que tem hoje 75 árvores, passará a ter 69 árvores. Mas, nos passeios laterais da avenida, vão ser plantadas 49 árvores. Ou seja, no total passará a haver 118 árvores no troço da 5 de Outubro entre a avenida Álvaro Pais e a das Forças Armadas. A esse número, poderemos acrescentar as 10 árvores a plantar nos passeios laterais do prolongamento da Rua da Cruz Vermelha.

Uma nota importante: a interferência do eixo arbóreo com o estacionamento subterrâneo deve-se, sobretudo, aos acessos. Embora o parque fique localizado sob os edifícios que irão ocupar o terreno da antiga Feira Popular, a sua estrutura estende-se parcialmente para a Avenida 5 de Outubro, onde estarão algumas das rampas de entrada e saída. Essa construção subterrânea afetará a arborização existente, levantando a questão de saber se esses acessos deveriam mesmo ficar na 5 de Outubro. É uma entre várias perguntas que merecem reflexão, como veremos adiante.

De qualquer modo, as alterações referidas neste relatório, que podes descarregar no site do Município ou em baixo, foram discutidas e aprovadas em reunião camarária em 26 de Julho de 2024, com 10 votos a favor (sete da coligação Novos Tempos, que junta PSD e CDS, e três do PS), cinco votos contra (Livre, BE e Cidadãos Por Lisboa) e duas abstenções (PCP). Estas mudanças estiveram ainda em consulta pública durante o mês de Junho, não tendo, sido recepcionadas pela Câmara qualquer participação (nota: esta consulta pública não foi online, obrigando a que a população interessada enviasse um e-mail para conferir os documentos presencialmente).

As árvores

A Câmara de Lisboa tinha publicado um relatório com toda a informação, mas nas redes sociais ecoou uma história incompleta e descontextualizada (fotografia LPP)

Apesar de a informação ser bastante clara por parte da Câmara de Lisboa, num exercício de transparência que nem sempre se vê da parte das autarquias locais, os alarmes em relação a este abate não deixaram de soar nas redes sociais. É que, de um modo geral, a população lisboeta tem um carinho especial para com os jacarandás e a cor lilás que estes dão à cidade todas as Primaveras. A Avenida 5 de Outubro é particularmente conhecida pelo seu alinhamento central de jacarandás e, com a Primavera a aproximar-se, não tardará até todo esse eixo estar pintado de lilás.

Nas redes sociais, Nuno Prates, especialista em jardins, lançou a 15 de Março uma publicação de Instagram que se tornou viral, com perto de três mil gostos e de 300 comentários, numa conta com perto de oito mil seguidores. “Sem comentário possível. Medina, Moedas, a mesma maneira de entender uma cidade sustentável e verde”, escrevia @the_lisboan_gardener numa sequência de nove imagens. À publicação original, seguiram-se outra sobre o mesmo tema. Num segundo post, onde Nuno divulgou uma discussão online entre ele e uma alegada técnica da Câmara, Nuno dizia ser “absolutamente normal” manifestar “consternação” perante a ausência de “informação rápida e clara do que irá acontecer” à densidade arbórea da 5 de Outubro.

Só que essa informação sempre esteve disponível no site da Câmara, na página dedicada às intervenções no arvoredo municipal. No entanto, nas redes sociais, não foi divulgada de forma completa e contextualizada, levando a sucessivas publicações virais que amplificaram alarmes cada vez mais intensos e ruidosos sobre o abate e transplante de 47 árvores.

Importa referir que, no local, nos troncos dessas 47 árvores, foram afixados avisos – como habitualmente é feito – das intervenções previstas para esse arvoredo e a mera indicação de que “para mais informações, consulte www.cm-lisboa.pt”. Ora, não só há largos anos que o site da Câmara de Lisboa tem como endereço lisboa.pt, como o encaminhamento das pessoas que vejam esses avisos na rua para a homepage do Município, ao invés de para a página específica onde se encontra alojado o referido relatório, não será a melhor prática quando se quer que a população tenha acesso a toda a informação. A colocação de um código QR, que remetesse as pessoas directamente para o relatório, faria muito mais sentido.

A Operação Integrada de Entrecampos é um projecto de 2018 (fotografia LPP)

Assim, a polémica que se gerou nas redes sociais terá sido provocada também pela inacessibilidade à informação mais completa. A publicação de Nuno Prates teve um alcance tal, que outras surgiram pelas diferentes redes sociais. Mafalda Anjos, conhecida comentadora da CNN Portugal e ex-directora da Visão, escreveu no X/Twitter: “Digam-me que isto não vai acontecer e que é um engano. Milhões de pessoas vêm ao Japão para ver cerejeiras em flor e nós achamos por bem abater a beleza rara dos nossos jacarandás?”.

Pedro Franco, o jovem que tem lutado por uma Avenida das Forças Armadas mais segura, partilhava no Instagram: “Em 2021 a Câmara Municipal de Lisboa elogiava os jacarandás da Avenida 5 de Outubro. Em 2025 avisa que os vai abater, sem mais esclarecimentos.”

A influenciadora @atripeirinha, também conhecida como Sofia Manuel, lançou um vídeo no Instagram que teve cerca de 15,8 mil gostos e de 780 comentários. “Vão ser abatidas 25 árvores perfeitamente saudáveis (fora as que estão plantadas para transplante e que provavelmente não vão sobreviver) PORQUE NÃO SÃO COMPATÍVEIS com a construção de um estacionamento subterrâneo!”, escreveu a acompanhar vídeo.

Reel de @atripeirinha (via Instagram)

A indignação nas redes sociais levou ao lançamento de uma petição pública que, em dois dias, superou as 15 mil assinaturas. No texto dos peticionários, que deverá ser entregue na Assembleia Municipal de Lisboa nesta próxima semana, pode ler-se:

“Esta é uma carta aberta de cidadãos preocupados com a sua rua. Foi escrita no Dia da Árvore por moradores da Avenida 5 de Outubro que temem que a pouca qualidade de vida que esta avenida ainda oferece seja atacada por escolhas incompreensíveis por parte da sua Câmara Municipal. Subscrevem esta carta também munícipes que viveram nesta rua, transitam nela com frequência ou que simplesmente partilham esta mesma preocupação. Em causa está o abate de árvores adultas, mas também a falta de comunicação sólida e de prestação de esclarecimentos acerca do assunto.”

A petição em curso (captura de ecrã por LPP)

Note-se que, com a Operação Integrada de Entrecampos, não está previsto o desaparecimento total dos jacarandás das Avenida 5 de Outubro mas apenas uma pequena parte onde está prevista a reformulação da avenida, entre a Álvaro Pais e as Forças Armadas. Este troço manterá as duas vias de circulação por sentido, mas com passeios mais largos e um separador central mais pedonal e verde – pelo menos, assim promete a Câmara.

Através das redes sociais, a autarquia promete que “a Avenida 5 de Outubro vai ficar mais verde e com mais árvores”, indicando que “a intervenção vai construir o novo parque de estacionamento público de Entrecampos e, no final, será duplicado o número de árvores, o que contrasta com o plano original para a zona, que previa o corte de todas”. “O projecto em execução considera um aumento considerável de área verde e permeável através da plantação de nova vegetação de mais de 30 novas espécies de arbustos e herbáceas, com mais 41 árvores que actualmente, na Avenida 5 de Outubro, com aumento de área de sombreamento e pedonal”, lê-se.

Mas Lisboa tem dificuldade de manter em bom estado os seus espaços verdes – um problema que é visível por toda a cidade. No entanto, essa realidade é frequentemente ocultada pelos renders bonitos e verdejantes que as entidades públicas e privadas que fazem obras na cidade continuam a apresentar-nos. Aliás, Nuno Prates fez uma publicação sobre isto no seu Instagram.

A operação

A Avenida 5 de Outubro ganhará uma nova dinâmica com a Operação Integrada (fotografia LPP)

A polémica levantada centrou-se nos jacarandás, mas há questões legítimas que podem ser feitas: precisa Lisboa de mais estacionamento junto a uma das estação de comboios mais bem servidas do país e com uma estação de Metro bem próxima? Não poderia o novo pólo de escritórios e habitação que está a ser construído em Entrecampos, nos terrenos da antiga Feira Popular, ser um exemplo de construção orientada para os transportes? Como ficará o congestionamento na zona com a indução de mais tráfego automóvel?

O projecto desta nova centralidade urbana da capital começou por ser desenvolvido pelos arquitectos Álvaro Siza Vieira e Eduardo Souto Moura, mas foi terminado pelo ateliê Saraiva+Associados para a Fidelidade Property. Nos terrenos da antiga Feira Popular, vão nascer dois lotes de edifícios de habitação (até 284 fogos) e escritórios com espaços comerciais. Os edifícios, que poderão ter até 18 pisos, serão rodeados de espaços verdes e de utilização colectiva – cerca de 8,4 mil metros quadrados. Este loteamento está, como referido, integrado na Operação Integrada de Entrecampos, que é mais vasta e que inclui a nova sede da Fidelidade e nova habitação acessível. Podes ver, de seguida, imagens do futuro terreno da Feira Popular.

De seguida, podes descarregar documentação relevante:

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