Inaugurado às escondidas da população e da comunicação social, o novo Jardim de Campo de Ourique é promissor à primeira vista, mas a fraca acessibilidade, a falta de sombra, a proximidade à A5 e a sinalização deficiente tornam-no num espaço pouco agradável.

Habituámo-nos a vê-la da janela do centro comercial das Amoreiras: uma extensa cobertura verde que esconde um importante reservatório de água. Conhecido ora como Reservatório das Amoreiras, ora como Reservatório de Campo de Ourique, esteve fechado ao público durante décadas – salvo um breve período no início deste século, quando ali funcionou um campo de golfe. Agora, pela primeira vez, o espaço abre-se de forma permanente à cidade, transformando-se no novo Jardim de Campo de Ourique.
A inauguração decorreu neste domingo, 30 de Março, sem um convite à população, nem à comunicação social. Câmara de Lisboa, EPAL e Junta de Freguesia de Campo de Ourique terão decidido que a abertura do Reservatório de Água de Campo de Ourique à cidade, após décadas de promessas e de impasses, não era um momento histórico o suficiente e terão preferido fazer uma cerimónia às escondidas de tudo e de todos.
No entanto, as publicações póstumas nas redes sociais despertaram a curiosidade de muitos, que na segunda-feira seguinte, decidiram visitar o espaço. Com alguma desilusão, segundo apurou o LPP.

A zona do reservatório de água, onde também funciona uma estação elevatória da EPAL, continua vedada ao público, mas agora podemo-nos aproximar um pouco mais dessa infraestrutura hídrica e ver de mais de perto o campo verdejante. Podemos também atravessar essa cobertura a pé através de passadiço de madeira, extenso e árido, que serve também para criar uma ligação pedonal entre os bairros das Amoreiras e de Campo de Ourique.
É neste passadiço que se ouvem as primeiras queixas das pessoas: é que o mesmo não é acessível a cadeiras-de rodas e atravessá-lo com carrinho de bebé é relativamente difícil. Em cada acesso ao passadiço, existem degraus, condicionando a mobilidade de alguns, e também uma cancela por onde um carrinho de bebé mal passa (é precisa alguma ginástica para levantá-lo).

As cancelas existem porque o passadiço não pode ter mais de 50 pessoas em simultâneo, sob risco de danificar o reservatório, e permitem também bloquear o atravessamento de bicicletas. No entanto, os equipamentos criam entraves à mobilidade pedonal. Ainda assim, o Jardim de Campo de Ourique conta com mais duas entradas (há uma terceira que está fechada), estas com acessibilidade plena, permitindo o acesso ao jardim propriamente dito.

Esse jardim fica numa das extremidades do espaço, onde existe alguma arborização. A partir das Amoreiras, chegar a esse jardim implica atravessar um extenso corredor asfaltado, sem nenhuma sombra e onde, por causa disso e das características do pavimento, o calor faz-se sentir mesmo num dia primaveril como esta segunda-feira. Não só não houve uma preocupação de criar um sombreamento artificial, por exemplo, como de tornar esse corredor mais bonito com a colocação de trepadeiras e de plantas em vasos, por exemplo. Naquele percurso nada existe. Nada: de um lado, temos o reservatório vedado; do outro uma parede branca e desinteressante. Também não existem bancos ao longo do percurso, que permitam sentarmo-nos, nem que seja para apreciarmos a beleza do reservatório.

Este corredor pedonal resultou noutro motivo de críticas da população com quem nos cruzámos. Muitas pessoas mostraram-se confusas com as entradas no espaço e com o passadiço, não compreendo duas coisas: por um lado, não perceberam que existem entradas aptas para carrinhos de bebé e mobilidade condicionada, evitando o atravessamento do passadiço; por outro, não sabiam onde era exactamente o jardim que tinham visto nas redes sociais. A falta de qualquer sinalização em todo o espaço é um problema crítico.
Chegados ao jardim, encontramos um espaço com sombra, um parque infantil, um parque canino e um quiosque fechado (ao contrário do que sugeriam as publicações nas redes sociais). Há vários bancos e algumas mesas de piquenique. O jardim, que conta com árvores grandes e vistosas, poderia ser um refúgio agradável na cidade não fosse estar mesmo ao lado do acesso ao Viaduto Duarte Pacheco e à A5: o ruído é constante e a poluição atmosférica será também assinalável na zona. Se quanto a esta pouco haverá a fazer, a colocação de barreiras acústicas, como as que vemos ao lado de auto-estradas e de outras vias com muito movimento, poderia ter sido equacionado para tornar o jardim minimamente aprazível.




De resto, abertura do Reservatório das Amoreiras/Campo de Ourique à população é uma iniciativa louvável, pela qual Lisboa aguardava há muito. O espaço não está ainda completo, faltando ainda a segunda fase, que envolve a recuperação de um edifício e a criação da Academia das Águas Livres, onde funcionará também um espaço de restauração com esplanada. O concurso público para esta empreitada está agora a decorrer com um preço-base de 2,4 milhões de euros. Propõe-se a recuperação do edifício com salas de formação e uma sala polivalente para a academia, balneários, instalações sanitárias de acesso público, uma cafetaria com terraço e esplanada, e um auditório para perto de uma centena de pessoas.

O Reservatório de Campo de Ourique abriga um reservatório de água que remonta ao final do século XIX e início do século XX, tendo sido construído para assegurar a eficiência do abastecimento de água na cidade. Este reservatório constituiu um marco do património hidráulico lisboeta, estando ligado ao Aqueduto das Águas Livres e à captação do canal de Alviela. O reservatório subterrâneo está elevado do pavimento por pequeno muro e arcadas em tijolo burro; existem duas casas de manobra, uma delas circular e outra oitavada, ambas cobertas com cúpulas.



A abertura ao público deste recinto é uma ideia que remonta a 2008, quando a Câmara de Lisboa admitiu esse cenário nos termos de referência do então novo Plano de Pormenor das Amoreiras, mas teve oposição da EPAL. Em 2001, o então Presidente da Câmara, João Soares (PS), o autarca que construiu túneis e vias rápidas pela cidade inteira, tinha autorizado um campo de treinos de golfe instalado sobre o reservatório. Em 2023, o Ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro (PS), juntamente com o Presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (PSD), e o Presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique (PS), anunciavam a criação de um jardim no Reservatório da EPAL, com previsão de abertura da primeira fase (a que está concretizada) em Junho/Julho de 2024 e de uma segunda fase (a Academia) para o primeiro trimestre de 2025).
No entanto, a empreitada de construção do Jardim de Campo de Ourique foi só adjudicada no Verão do ano passado por cerca de 975 mil euros.
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