19 anos depois, Musicbox fecha portas

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O Musicbox vai fechar portas em Setembro. O clube que marcou a vida cultural e nocturna na Rua Cor-de-Rosa, no Cais do Sodré, chega ao fim. O projecto e a equipa transitam para um novo espaço no Beato. Gonçalo Riscado, dono do Musicbox, diz que “Lisboa apostou excessivamente num modelo ilusório de crescimento”.

Um dos muitos concertos que passaram pelo Musicbox, Julho de 2025 (fotografia cortesia de Filipe Gonçalves/@fliponraw/Musicbox)

O Musicbox vai fechar portas. Foi uma das casa de música de Lisboa durante quase duas décadas. Pelo número 24 da Rua Nova do Carvalho, mais conhecida como Rua Cor-de-Rosa, passaram desde apresentações de novas bandas portuguesas a digressões de nomes emergentes da música mundial – foram muitos concertos, tantos que já se perdeu a conta. O Musicbox termina; mas o que uns vêm como um fim, outros perspectivam como um crescimento: a equipa e o projecto cultural que se estabeleceu desde 2006 no Cais do Sodré vai agora continuar num novo espaço, a Casa Capitão, que reabrirá renovado em Setembro numa outra parte da cidade, o Beato.

Certo é que o Musicbox é a mais recente baixa da Rua Cor-de-Rosa, no Cais do Sodré – outrora um dos epicentros da noite lisboeta e ponto de encontro de diferentes estilos musicais. A transformação começou em 2020, com a saída do Sabotage, prosseguiu em 2021 com os clubes Jamaica, Tokyo e Europa, e continuou em Setembro do ano passado com o fecho do Lounge. Aos poucos, os edifícios das antigas discotecas foram sendo convertidos em hotéis com cafés e bares diurnos para os muitos turistas que por ali passam, numa altura em que esse turismo é para os senhorios um negócio mais seguro e rentável. O Musicbox escapou. É que a Cultural Trend Lisbon (CTL), a promotora do espaço, era também a proprietária.

Debaixo do viaduto por cima do qual passa a movimentada Rua da Rosa, o Musicbox continuou na promessa inaugurada em Dezembro de 2006: oferecer à cidade de Lisboa um clube de música, com os melhores artistas, nacionais e internacionais, que não têm lugar nas grandes salas. “Ao longo de 19 anos, no Cais do Sodré, o Musicbox foi um clube de programação de música alternativo e independente, por vezes menos alternativo mas sempre independente”, escreve Gonçalo Riscado, dono da CTL, num comunicado de despedida, publicado nesta quarta-feira, 20 de Agosto, no Instagram do Musicbox. “Programámos, em média, mais de 300 concertos e 500 DJ sets por ano. Milhares de artistas passaram pelo nosso palco, e a todes deixamos o nosso primeiro agradecimento por terem feito o Musicbox.”

“Lisboa apostou excessivamente num modelo ilusório de crescimento”

A notícia do fim do Musicbox tinha sido avançada em primeira mão pela revista NiT no passado dia 11 de Agosto, mas só agora foi oficializada. “A notícia difícil de dar que queríamos ter sido nós a dar”, começa por dizer Gonçalo no mesmo comunicado. O último dia do Musicbox será a 15 de Setembro; os concertos já programados para depois dessa data – como o do concerto dos Hidden Cameras, em Dezembro, ou dos Wavves, em Março – vão passar para a Casa do Capitão, no Beato, o local que dará continuidade ao projecto iniciado no Musicbox em 2006. “Toda a programação do Musicbox transita para a Casa do Capitão, assim como toda a equipa”, refere o dono do CTL. “Até há pouco tempo, acreditávamos que seria possível manter os dois projectos, mas tal não aconteceu. Provavelmente não faria sentido.”

A Casa Capitão abriu em 2020, no momento em que Lisboa começava a sair do confinamento da pandemia de Covid-19 e a regressar à actividade cultural colectiva. Instalou-se então num espaço improvisado no Beato – mais concretamente no antigo Hub Criativo do Beato, hoje Unicorn Factory Beato – onde ofereceu concertos, petiscos e jola, uma combinação que a pandemia tinha deixado saudades. Depois de uma pausa de quatro anos, a Casa Capitão prepara-se para regressar à mesma morada, desta vez com casa definitiva. A reabertura está marcada para Setembro, após um investimento de cerca de quatro milhões e meio de euros e a conclusão das obras profundas de requalificação que estão em curso.

Quando o regresso da Casa do Capitão foi anunciado em Julho, estávamos longe de saber que este projecto seria a continuação do Musicbox. “Em 2006, arriscámos ao abrir o Musicbox no Cais do Sodré. Em 2025, arriscamos tudo na Casa Capitão no Beato. Poder arriscar assim é um privilégio”, diz Gonçalo Riscado. O dono do CTL não poupa críticas às políticas dos últimos Executivos camarários. “Lisboa apostou excessivamente num modelo ilusório de crescimento, assente no turismo, na especulação imobiliária e na atracção de residentes temporários com rendimentos elevados, um caminho que está a destruir o maior activo da cidade: quem nela vive e nela se expressa culturalmente”, sublinha. “Os números do Musicbox pouco significam perante o desaparecimento de tantas associações e espaços culturais, e perante o processo de gentrificação que afasta tantas pessoas de Lisboa.”

O Musicbox, cujo espaço vai ser vendido pela CTL, começou em Dezembro de 2006 pelas mãos de Gonçalo Riscado e Alex Cortez, “num bairro então abandonado e marginalizado no centro da cidade, que 19 anos depois preserva apenas uma coisa: o nome”, lembra e critica Gonçalo no mesmo comunicado de despedida, agradecendo às “centenas de pessoas” que fizeram parte da equipa do Musicbox nas mais diversas áreas, da produção ao bar, e aos 100 mil espectadores que passaram em média por ano. “Quase dois milhões de presentes no total, bastante menos se contássemos os repetidos, que felizmente foram muitos. A todes, o nosso enorme agradecimento por terem feito o Musicbox.”

Perde-se a Rua Cor-de-Rosa, mas ganha-se cidade de outra forma. O Jamaica, o Tokyo e o Europa mudaram-se, entretanto, para a beira rio – para antigos armazéns, ao lado do terminal fluvial, cedidos pela Câmara de Lisboa. Juntaram-se ao B.Leza, que está nesse local desde 2012, e ao Titanic Sur Mer, desde 2015, dinamizando uma zona que é conhecia como Cais do Gás. Já o Musicbox vai continuar no Beato como Casa Capitão. Do número 24 da Rua da Cor-de-Rosa ficam as memórias, que podem ser recordadas aqui também.

“Obrigado, Musicbox”, diz Câmara de Lisboa

Num comunicado enviado às redacções, a Câmara de Lisboa agradece o trabalho feito pelo Musicbox, “um espaço de referência no Cais do Sodré, que ao longo de quase duas décadas se afirmou como um local incontornável da vida cultural e noturna da cidade, dando palco a novos talentos e a artistas consagrados, nacionais e internacionais”, escreve a autarquia. “O Musicbox contribuiu de forma decisiva para a vitalidade da cidade e para a projeção de Lisboa como capital cultural dinâmica, criativa e aberta ao mundo. Um legado construído e assente num sem número de histórias e experiências que fazem parte da identidade da cidade”, acrescenta o Município.

A Câmara de Lisboa destaca o início de um novo ciclo, a Casa Capitão, “desta vez em parceria” com a autarquia, num “espaço municipal” e num “dos territórios emergentes da cidade, que cada vez mais se afirma como polo de inovação, cultura e criatividade”. “Acreditamos que esta mudança abrirá também novas oportunidades e um melhor aproveitamento dos espaços municipais, reforçando a descentralização da oferta cultural e aproximando públicos diversificados. Lisboa continuará, assim, a contar com um espaço único de programação musical, experimentação artística e vivência cultural”, indica.

A Câmara de Lisboa “reafirma o seu compromisso em continuar a apoiar os agentes culturais da cidade e agradece ao Musicbox o trabalho de tantos e tantos anos em prol da música e cultura da cidade. Desejamos aos promotores o maior sucesso neste novo capítulo da sua história com a Casa Capitão”, termina assim a nota enviada esta quinta-feira às redacções.

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