A lógica do turismo, do imobiliário e da “cidade vitrine” impôs-se sobre a do cuidado com o tecido cultural real. Há incentivos para startups, mas não para coletivos.

Sob o brilho das inaugurações e dos grandes eventos internacionais, Lisboa está a tornar-se uma cidade cada vez mais hostil para quem faz cultura fora dos circuitos institucionais. Carlos Moedas, com a sua retórica de inovação e futuro, está a asfixiar a base da criatividade lisboeta – aquela que nasce nas margens, nos bairros, nas caves, nas ocupações temporárias, nos projetos sem pedigree.
A Câmara investe milhões em festivais de grande escala, em eventos com branding corporativo e em reabilitações cénicas, mas negligencia de forma sistemática os espaços autogeridos, os coletivos artísticos emergentes e a rede de pequenas estruturas que mantêm viva a vitalidade cultural da cidade. Pior: o discurso meritocrático do empreendedorismo cultural serve como desculpa para cortar apoios, substituir subsídios por concursos opacos e empurrar artistas e criadores para lógicas de mercado que os condenam à precariedade.
Sob o mandato de Moedas, espaços independentes têm sido despejados, ignorados ou silenciados. A lógica do turismo, do imobiliário e da “cidade vitrine” impôs-se sobre a do cuidado com o tecido cultural real. Há incentivos para startups, mas não para coletivos. Há dinheiro para exposições mediáticas, mas não para residências artísticas. A cultura torna-se espetáculo, mas não vida.
Moedas quer uma cidade competitiva, mas o que Lisboa precisa é de uma cidade habitável – também para quem cria. A cultura não sobrevive sem espaço, sem tempo e sem confiança. E se a Câmara continuar a gerir a cultura como um produto de luxo para estrangeiros e elites, arrisca-se a deixar Lisboa sem alma.
7 feridas na cultura de Lisboa
1. Falta de financiamento direto e contínuo para estruturas independentes
Moedas privilegia concursos pontuais e apoios esporádicos, em vez de criar mecanismos de financiamento regular para espaços autogeridos, coletivos e associações culturais.
2. Aposta desproporcionada em grandes eventos e cultura-espetáculo
O investimento da Câmara de Lisboa vai maioritariamente para festivais de grande escala, museus emblemáticos e parcerias com marcas, museus emblemáticos e parcerias com marcas – deixando de fora o tecido cultural de base, mais frágil e invisível.
3. Inação face à pressão imobiliária e despejos de espaços culturais
A governação de Moedas nada faz para impedir que espaços culturais desapareçam face à subida das rendas. Dezenas já fecharam e outros encontram-se em risco.
4. Falta de uma política de habitação e trabalho cultural articulada
Não há uma estratégia integrada de cidade que ligue cultura, habitação acessível e espaços de trabalho para artistas – como existe em Berlim, Amesterdão ou Marselha.
5. Ausência de um mapeamento e escuta ativa da cena independente
A Câmara de Lisboa não realizou (até agora) nenhum levantamento público das estruturas emergentes, nem promove fóruns de escuta regulares com criadores independentes para desenhar políticas com base real.
6. Programas superficiais e orientados para a imagem
Projetos como a “Livraria Lisboa Cultura” ou os prémios de media digital são simbólicos e mediáticos, mas não estruturam nem sustentam o ecossistema criativo local a longo prazo.
7. Concepção elitista da cultura
A visão cultural de Moedas centra-se numa ideia “europeia” e institucional da arte, pouco sensível à produção periférica, comunitária, interdisciplinar, politicamente incómoda e às estéticas que desafiem o gosto dominante.
Ignora que a vitalidade cultural de uma cidade não depende apenas de instituições consagradas, mas de um ecossistema vivo, onde o risco, a experimentação e a crítica são possíveis. Sem apoiar essa base, Lisboa perde profundidade, diversidade e capacidade de futuro.