Câmara de Setúbal rasga contrato de estacionamento. Porquê?

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O Presidente da Câmara de Setúbal, André Martins (CDU), anunciou a cessação com a Datarede, concessionária do estacionamento tarifado, por incumprimentos reiterados desde 2021. A autarquia vai trabalhar num novo modelo de estacionamento regulado, semelhante ao de outras cidades.

Parquímetro no Bonfim, Setúbal (fotografia LPP)

O Presidente da Câmara de Setúbal, André Martins (CDU), chamou a comunicação social aos Paços do Concelho no passado dia 24 de Junho para anunciar uma decisão em relação estacionamento tarifado da cidade: a cessação do contrato com a Datarede, empresa privada à qual está concessionado a operacionalização desse estacionamento. “A razão principal deve-se ao facto de a empresa, reiteradamente, se recusar a cumprir o contrato que assinou em 7 de Maio de 2021”, indicou o autarca.

Ao contrário de outras cidades como Lisboa ou Almada, ou de concelhos como Oeiras, em que a gestão e tarifação do estacionamento está entregue a empresas municipais, Setúbal seguiu outro caminho: a Câmara de Setúbal assume o ordenamento do estacionamento na cidade, mas a operação no terreno está a cargo de uma empresa privada, através de uma concessão. É a Datarede, uma empresa madeirense, que gere os parquímetros da cidade sadina, verifica o pagamento das tarifas e assegura a fiscalização, não só dos lugares tarifados como das bolsas exclusivas para residentes.

Fotografia LPP

Mas tem estado em incumprimento. “Depois de avisada em sucessivas reuniões técnicas, depois de ter sido notificada formalmente dos vários incumprimentos, nunca deu resposta ou manifestou mesmo alguma intenção de cumprir”, afirmou o comunista André Martins aos jornalistas.

Na fase inicial do contrato, assinado em 2021, a Câmara de Setúbal diz que adotou uma posição compreensiva e cooperativa, por reconhecer que a complexidade do início de operação, embora sem nunca deixar de registar os incumprimentos. Mas, decorridos cerca de três anos, o Município sentiu-se obrigado a agir tendo em conta uma série de incumprimentos verificados desde o início da concessão.

A primeira acção foi decidida a 5 de Junho do ano passado, em reunião camarária: a aplicação de sanções com medidas pecuniárias à Datarede e a fixação prazos para a empresa cumprir o contrato. Mas, diz a autarquia, a concessionária não tem, desde então, demonstrado vontade de resolver os casos de incumprimento e continuou “até hoje sem cumprir” o que está estabelecido. A empresa reagiu judicialmente à aplicação das sanções, por impugnação, e apresentou uma providência cautelar para suspender a aplicação das mesmas, estando os dois processos em curso no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

Quais os incumprimentos?

Fotografia LPP

A retenção indevida de pagamentos devidos ao Município, a recusa de fiscalizar as bolsas de estacionamento exclusivas a residentes e o não fornecimento à Câmara de Setúbal de dados em tempo real sobre o estacionamento são alguns dos incumprimentos que motivaram a aplicação de sanções à Datarede.

A empresa incumpre também na obrigação de iniciar e concluir a construção de um parque de estacionamento subterrâneo na cidade, para o qual a Câmara Municipal aprovou, em Março do ano passado, uma modificação ao contrato de concessão com vista à mudança da localização do espaço. “Na altura, a autarquia fixou o prazo de um mês para a Datarede iniciar o processo e apresentar os estudos geotécnicos para avaliar as características do subsolo onde se iria instalar o parque. No entanto, a empresa não deu andamento a nenhum processo”, acentuou André Martins.

A aplicação de taxas administrativas na emissão de avisos e por alteração a matrículas sem prévio conhecimento e aprovação da autarquia e o incumprimento da obrigação da execução da obra de requalificação do Campo Municipal Júlio Tavares são outras situações que “penalizam a Câmara Municipal e colocam em causa o interesse público”.

A não implementação de 170 lugares de estacionamento nas ZAAC – Zona de Acesso Automóvel Condicionado é outro incumprimento apontado à Datarede. Mais: a autarquia sadina considera também que concessionária incumpre o dever de ter uma empresa dedicada em exclusivo à realização do objecto da concessão, mantendo a exploração de várias concessões.

Ao fundo, uma bolsa exclusiva a residentes, na Baixa de Setúbal (fotografia LPP)

Por estes motivos, a autarquia decidiu levar à reunião pública do passado dia 2 de Julho, uma proposta para a resolução, por incumprimento, do contrato de concessão com a Datarede, a qual se encontra “devidamente fundamentada do ponto de vista legal, considerando que, no que diz respeito aos contratos de interesse público, impõe-se que se cumpram e se façam cumprir”, explicou André Martins aos jornalistas. O autarca considera que esta é uma “decisão justa e também corajosa” pela forma como a Câmara de Setúbal “soube conduzir este processo, cumprindo os termos legais exigíveis”.

A autarquia, tendo “consciência da gravidade da resolução sancionatória de um contrato administrativo, e encarando-a sempre como último recurso”, sempre alertou a empresa para a “absoluta necessidade” de cumprir. “Comprovado que está que, depois de notificada repetidamente e após aplicação de sanções em 2024, a concessionária mantém numerosos incumprimentos contratuais, encontram-se agora esgotadas todas as vias possíveis para manter a vigência e execução do contrato sem prejuízo para o interesse público, constata-se não existir alternativa à resolução do contrato”, disse.

E agora?

A proposta para terminar o contrato com a Datarede foi aprovada por unanimidade na reunião camarária de 2 de Julho. O contrato de concessão da gestão, exploração, manutenção e fiscalização de lugares de estacionamento pago na via pública à superfície na cidade de Setúbal e constituição do direito de superfície em subsolo para a conceção, construção e exploração de dois parques de estacionamento no subsolo “apresenta, desde o início da sua vigência, vários incumprimentos que relevam elevada gravidade”, sublinha a deliberação.

Após essa aprovação, foi dado um prazo de quinze dias à Datarede para se pronunciar e, se assim o entender, recorrer da decisão, o que aconteceu. Após decorridos esse trâmites legais, a resolução do contrato de concessão segue para a Assembleia Municipal de Setúbal, onde ainda terá de ser discutida, o que ainda não aconteceu.

Se for aprovada, fica oficialmente cessado o contrato; e a Datarede vai dispor de mais 15 dias seguidos para retirar todos os bens e equipamentos da sua propriedade que se encontrem na via pública. Note-se que a Câmara de Setúbal não deliberará a resolução do contrato de concessão se, no mesmo prazo, cessarem definitivamente os incumprimentos verificado.

“Ao terminar este contrato, o Executivo municipal apresentará uma proposta de regulação do estacionamento. É fundamental que assim continue a ser na nossa cidade, como acontece em tantas outras”, sublinhou o Presidente da Câmara de Setúbal aos jornalistas. André Martins defende que o crescimento continuado de veículos em espaço público limitado, que “tem de servir para a circulação e o estacionamento de viaturas e garantir a mobilidade pedonal” nos passeios, “obriga, necessariamente, a uma gestão regulada do estacionamento”.

Em Setúbal, “é fundamental que o estacionamento seja regulado nas zonas da Baixa e do centro histórico até à Avenida da Europa, devendo o estacionamento ser tarifado nas vias estruturantes”, com o objectivo de promover maior rotatividade e dar “oportunidade a todos de estacionar”.

O modelo de estacionamento regulado que a autarquia vai desenvolver após o término do contrato com a actual concessionária vai contemplar soluções como a “criação de mais parques de estacionamento com tarifa diária e a preços reduzidos” e a criação de “um sistema de avenças mensais, também a preços reduzidos, para os que precisam de estacionar diariamente nestas zonas”.

André Martins considera também necessário “garantir o estacionamento gratuito para residentes em zonas exclusivas, mas com fiscalização”, e criar parques gratuitos a montante na cidade para quem queira utilizar transportes públicos para aceder a estas zonas urbanas centrais. Propostas que outras cidades da área metropolitana de Lisboa têm vindo a seguir.

O autarca apontou como exemplo “o grande parque” com quatrocentos lugares que a Câmara de Setúbal está a construir na Rua Engenheiro Henrique Cabeçadas, junto da Várzea. “Estamos a falar de um modelo de ordenamento de estacionamento mais adequado às características da nossa cidade e mais formalizado”, concluiu o autarca da CDU.

O que disse a oposição

Na reunião camarária de 2 de Julho, os vereadores do PS pediram ao Executivo de André Martins que partilhasse um parecer jurídico que justifique a elaboração da proposta. Segundo o jornal O Setubalense, o pedido foi feito pelo eleito Fernando José, que se recandidata às próximas eleições, e que criticou tanto André Martins como a sua antecessora, Maria das Dores, ex-CDU que vai tentar reconquistar a Câmara de Setúbal, agora como independente com o apoio do PSD.

“Impuseram na Câmara a sua vontade contra as críticas da oposição, contra as sugestões que foram apresentadas pela oposição, nomeadamente pelos vereadores e deputados do PS, e em Maio de 2021, quatro meses antes das eleições autárquicas de 2021, impuseram aos setubalenses um contrato que não acautelou o interesse público”, disse o socialista Fernando José, citado pelo jornal O Setubalense.

Cartaz do PS a criticar o contrato de concessão (fotografia LPP)

Por seu lado, o vereador social-democrata Paulo Calado referiu que “a concessionária comportou-se quase como uma companhia majestática, mas porque teve margem para isso, por diversas razões” e disse que o PSD sempre se opôs ao número de lugares tarifados, relembrando que a Datarede sempre teve a intenção de tarifar “quase nove mil lugares”, segundo O Setubalense.

“A verdade é que o procedimento que deu origem ao contrato celebrado com a Datarede teve outros procedimentos antecedentes, os quais não prosseguiram, mas tinham sempre um pressuposto que o PSD sempre contestou, o elevado número de lugares a tarifar”, referiu o vereador social-democrata.

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