Carta Aberta: Almirante Reis, isto não foi um processo participativo

Texto de Opinião.

“Somos munícipes que participaram ativamente nestas três sessões públicas, muitos de nós em representação de Associações da Sociedade Civil, que escutaram e manifestaram as suas opiniões acerca dos desafios desta avenida para todos os seus utilizadores.”

Fotografia cortesia de Diogo Correia/Lisboa Para Pessoas

Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas.

Desde 31 de março que a população de Lisboa ficou a conhecer publicamente a solução apresentada pela CML para a Avenida Almirante Reis. Esta solução passa por colocar uma via ciclável bidirecional no sentido descendente da Avenida, e voltar a ter duas vias de circulação automóvel no sentido ascendente da mesma.

O Executivo apresentou esta solução como sendo “para todos” e “apaziguadora”, e ainda como a conclusão emergente das três sessões de discussão pública prévias, em que participaram vários munícipes, associações locais e comerciantes. 

Ora, esta não é de todo a conclusão possível sobre o que foi dito e defendido pela maioria dos munícipes nas sessões públicas de 25 e 28 de fevereiro, e 23 de março de 2022.

Somos munícipes que participaram ativamente nestas três sessões públicas, muitos de nós em representação de Associações da Sociedade Civil, que escutaram e manifestaram as suas opiniões acerca dos desafios desta avenida para todos os seus utilizadores, quer presencialmente, quer subsequentemente através do envio ao Executivo de contributos escritos e devidamente fundamentados.

Tendo estado presentes, sabemos o que foi dito nestas sessões, como constará certamente nas atas dessas reuniões. O que foi defendido pela generalidade dos participantes inscritos e que tomaram a palavra, foi que:

  • A Avenida necessita de menos circulação automóvel, em benefício da pedonalidade, dos transportes públicos e de outras formas de mobilidade;
  • A Avenida tem demasiado ruído e poluição atmosférica;
  • A Avenida necessita de mais espaço de circulação pedonal e zonas de atravessamento mais seguras;
  • A Avenida necessita de mais sombras arbóreas e melhor iluminação;
  • A Avenida necessita de uma melhor ciclovia, mais segura para circulação em bicicleta e acessível a utilizadores de todas as idades;
  • Considerando o perfil e a largura da Avenida (25 metros), e para que possa servir eficazmente a circulação de ambulâncias, autocarros da Carris, peões, ciclistas e automóveis, se deveria equacionar remover o estacionamento não reservado a cargas e descargas;
  • Nunca foi defendido pelos participantes nessas sessões públicas que a Avenida necessitava de mais vias para “escoar” o tráfego automóvel. Essa proposta, apresentada pelo Assessor do Presidente para o Espaço Público, foi aliás largamente contestada pela generalidade dos munícipes presentes. 

Não é, assim, possível afirmar que a solução apresentada seja fruto de um verdadeiro e bem desenvolvido processo participativo, nem que, como tem vindo a ser largamente proclamado pelo Executivo da CML, «foi isso que ouvimos das pessoas». 

Conhecida a interpretação que o Presidente da CML faz das sessões de participação pública, e não correspondendo a mesma à realidade a que as pessoas signatárias assistiram no local, nem tão pouco defendem – como tiveram oportunidade de expressar publicamente –, vimos por este meio clarificar as conclusões retiradas das sessões públicas de discussão sobre o futuro da Avenida Almirante Reis, e reforçar as posições que defendemos.

A solução apresentada na última sessão de participação pública foi comentada e amplamente criticada nas intervenções do público que se lhe seguiram. No entanto, no vídeo de apresentação da solução pelo Presidente divulgado na semana seguinte, a solução apresentada é exatamente a mesma que foi apresentada na sessão pública, não refletindo o teor das propostas e pontos de vista expressados nas sessões, nem fazendo qualquer compromisso ou cedência face às críticas construtivas que lhe foram apontadas.

Reiteramos o que foi comunicado nas sessões de participação pública: a alteração da ciclovia na Avenida Almirante Reis proposta por este Executivo agrava seriamente a segurança dos utilizadores de bicicleta e a funcionalidade da ciclovia, sendo uma alternativa significativamente pior e menos coerente do que a ciclovia presentemente existente, o que se irá traduzir no desincentivo à sua utilização.

Esta proposta já tinha sido contemplada na versão inicial do anterior Executivo para a criação de uma ciclovia na Avenida, mas nunca chegou a ser implementada devido aos problemas de funcionamento e segurança que apresentava. Agora, incompreensivelmente, defende-se a modificação da ciclovia para uma solução menos adequada para os modos mais sustentáveis, mais nefasta para o meio ambiente, menos eficaz para os veículos de emergência, mais perigosa para todos, e fortemente contestada pelos cidadãos e associações locais, mediante opiniões fundamentadas que o Executivo parece desvalorizar.

«“A Solução” não é solução, é uma forma de duplicar a capacidade rodoviária», como referiu Patrícia Melo, investigadora do REM/UEC, numa das suas intervenções no contexto da participação pública. 

As pessoas signatárias desta carta aberta conjunta reiteram a posição dominante nas sessões públicas. Para que não seja implementada mais uma versão provisória, que cremos que não irá melhorar em nada a vida das pessoas que usam a Avenida, sugerimos que a CML avance, sem demoras, para uma discussão aprofundada e tecnicamente sustentada sobre a versão futura da Avenida Almirante Reis e Rua da Palma — tal como proposto inicialmente na “Carta Aberta: Almirante Reis, uma linha verde” (15/10/2021) —, um processo para o qual sempre nos mostrámos disponíveis, e assim continuaremos, para contribuir. 

Lisboa, 27 de Abril de 2022


Subscrevem:

António Almeida ∙ Beatriz Moriano ∙ Bernardo Vidal ∙ Bret Adams ∙ Carlos Sacramento ∙ Francisco Costa ∙ Francisco Lino ∙ Giulia Gallorini ∙ Gonçalo Peres ∙ Herculano Rebordão ∙ Inês Sanches ∙ João Almeida ∙ João Clemente ∙ João Gomes ∙ José Oliveira ∙ Laura Alves ∙ Luís Vieira ∙ M. Luísa Sousa ∙ Manuel Rodrigues ∙ Mark Lange ∙ Miguel Almeida ∙ Miguel Atanásio Carvalho ∙ Miguel Baptista ∙ Miguel Pinto ∙ Minh Thu Nguyen ∙ Patrícia Melo ∙ Patrícia Robalo ∙ Paula Gil ∙ Paulo Muacho ∙ Pedro Monteiro ∙ Rosa Félix ∙ Tiago Mota Saraiva

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