Para ordenar o estacionamento, a EMEL vai diminuir o passeio hoje ocupado por carros. Alguns moradores contestaram uma redução tão drástica, que deixaria apenas 1,20 metros para o peão. O projecto foi revisto e as obras retomadas.

De um dia para o outro, Joaquim Claro e os vizinhos da Rua General Justino Padrel, na freguesia de São Vicente, viram obras a ser iniciadas à porta de casa. Apareceram trabalhadores, máquinas; e, de repente, o passeio de três metros – mas quase todo ele ocupado indevidamente por carros – estava a ser reduzido para cerca de 1,20 metros.
A Rua General Justino Padrel integra com outros três arruamentos contíguos – Calçada dos Barbadinhos, Rua Barão Monte Pedral e Rua Álvares Fagundes – uma empreitada da EMEL de ordenamento do estacionamento e do espaço público na freguesia de São Vicente. Numa informação escrita publicada a 24 de Maio no site da empresa municipal, é anunciada a “criação de 299 lugares de estacionamento regulado” e o início dos trabalhas na semana seguinte, a 30 de Maio, com duração prevista de três meses. “Esta intervenção visa preservar o estacionamento para residentes, melhorar a mobilidade e condições de estacionamento e organizar a permanência dos visitantes.” A EMEL não explica no seu site a obra em detalhe nem publicou qualquer planta das alterações que seriam feitas.
Apesar da informação – ainda que escassa – disponibilizada online, Joaquim Claro, 74 anos, garante ao Lisboa Para Pessoas que a obra da EMEL na sua rua foi iniciada sem qualquer comunicação aos moradores. “Ninguém avisou de nada”, alega, referindo que soube de tudo “pelo pessoal que estava a trabalhar na obra”. Uma aparente redução do espaço pedonal foi aquilo que causou maior surpresa a Joaquim, que depressa recorreu ao Facebook para denunciar a situação e mobilizar a vizinhança. Rapidamente iniciaram um abaixo-assinado que, entre o meio online e o offline, reuniu “cento e tal assinaturas”. “Conseguimos que alguém fizesse chegar o nosso abaixo-assinado à EMEL” e, “assim que tomaram conhecimento” do mesmo, pararam a obra, relata Joaquim. Os trabalhos iniciados a 30 de Maio terão sido suspensos logo no dia seguinte.


No abaixo-assinado, ao qual o Lisboa Para Pessoas teve acesso, os contestatários identificados como “residentes de São Vicente” questionavam a “redução dos passeios de ambos os lados, cuja largura no momento, na sua cota mínima, é de 3,50 metros” e que passariam a ter “uma largura de 1,20 metros”. Escreviam ainda que, “considerando que em vários pontos existem caixas de serviço das empresas de electricidade e comunicações, que a partir das 18 horas podem ser colocados nas portas dos edifícios os contentores de resíduos urbanos e, ainda, que os carros estacionados, quando encostam o rodado traseiro ao lancil, vão invadir entre 20 a 30 cm dos passeios, o espaço útil dos mesmos não permitirão a circulação pedonal de pessoas de mobilidade reduzida, de carrinhos de bebé e cadeiras de rodas, com a segurança que o bom senso aconselha”.

O Manual de Espaço Público (2018) da própria Câmara de Lisboa estabelece 1,50 metros como largura mínima para os passeios – permite que duas pessoas se cruzem mas também que o percurso seja acessível. Na verdade, um passeio com 1,20 metros de largura seria apertado para pessoas em cadeira de rodas e bastaria um pequeno obstáculo – como um caixote de lixo ou mesmo com um carro estacionado à frente do passeio – para ficarem bloqueadas. Segundo o mesmo documento, “muitos peões transportam artigos pessoais e usualmente preferem não manter contacto físico com outros peões” e, “para pessoas em cadeira de rodas ou que necessitem de outros meios auxiliares para se deslocarem, é necessário garantir um espaço mínimo que assegure a sua mobilidade”.
A 4 de Junho, o grupo do Bloco de Esquerda de São Vicente, tendo tomado conhecimento do caso, realizou uma visita às obras na Rua General Justiniano Padrel. No Facebook, escreveu que “ficou claro que o projeto não teve em consideração o espaço mínimo necessário para a circulação pedestre, reduzindo drasticamente o espaço de calçada que existia”. “Os moradores não discordam da realização da obra, mas sim, da forma como está a ser concretizada. A zona carece de organização de estacionamento, mas não é necessário prejudicar de tal forma a circulação pedestre já que a rua tem largura suficiente para acomodar ambas”, acrescentaram os bloquistas. “É necessário encontrar opções de estacionamento organizado para os residentes no bairro de Santa Engrácia e freguesia de São Vicente, mas não através da redução de passeios a um nível que limita a circulação das pessoas. Toda esta zona limítrofe da freguesia, com imenso potencial, encontra-se negligenciada.”

O projecto foi revisto e obra retomada no início desta semana. “Conseguimos mais 50 centímetros de passeio”, diz Joaquim, pelo que, contas feitas, ficará com cerca de 1,70 metros. Ao Lisboa Para Pessoas, a EMEL confirmou o reinício da intervenção e a alteração do projecto foi alterado “para dar resposta às preocupações dos residentes” – está agora “previsto um alargamento do passeio junto a armários técnicos, bocas de incêndio e postes de iluminação, de modo que exista sempre uma largura livre de 1,50 metros para os peões”, informa a empresa.
Num pedido de esclarecimento ao Lisboa Para Pessoas, a EMEL disse que estão previstos 195 lugares de estacionamento naquela rua, onde também vai ser feito um rebaixamento dos passeios e a introdução de pavimento táctil na zona das passadeiras, e vão ser colocadas rampas de acesso em frente às entradas dos prédios de forma a garantir a acessibilidade e ao mesmo tempo evitar estacionamento indevido. Certo é que a Rua General Justino Padrel ficará muito melhor em relação ao que é hoje: uma rua com estacionamento desorganizado e em cima do passeio, apesar da exagerada largura da via. A redução da largura da via para a sua “dimensão mínima” à luz dos regulamentos e a redução também dos passeios permitirão equilibrar diferentes desejos e vontades, conciliando a mobilidade pedonal com as necessidades de estacionamento que uma zona residencial em Lisboa normalmente implica.


Joaquim mostra-se desconfiado com a chegada da EMEL à sua freguesia, e entende que em bairros residenciais não deveria haver estacionamento tarifado. “Aceito a EMEL na Avenida da Liberdade, Rossio ou na Avenida da República, por exemplo. Mas não devia estar em zonas residenciais.” Se é certo que Joaquim vai agora ter direito a um dístico de residente gratuito, permitindo-lhe continuar a estacionar a sua viatura na rua sem pagar, o mesmo não se aplica aos seus filhos. “Esta é uma zona com uma população envelhecida, eu tenho 74 anos e, se os meus filhos vierem visitar, terão de pagar estacionamento”, aponta. Esta é uma preocupação recorrente; a zona onde Joaquim reside não é das que tem melhor oferta de transportes públicos.
A intervenção na Rua General Justino Padrel e restantes arruamentos só deverá ficar pronta em Outubro, informa agora a EMEL. Mas os centímetros que os moradores ganharam nos passeios são uma conquista importante para o bairro e para a cidade, mostrando que a participação dos cidadãos é importante e que, uma vez mais, toda a confusão que se gerou – apesar de resolvida em pouco tempo – poderia ter sido evitada se a obra tivesse sido detalhadamente apresentada às pessoas, por exemplo.

Mesmo ao lado da Rua General Justino Padrel, encontra-se a Escola Básica Rosa Lobato Faria, que viu a sua envolvente recentemente requalificada. Os pais, mães e crianças ganharam um amplo passeio à frente do portal, uma rua mais estreita, uma passadeira sobrelevada e o fim do estacionamento abusivo em cima do passeio. Joaquim gosta da intervenção no geral, mas questiona, por exemplo, a ampla zona pedonal criada à frente da escola. Diz que “não tem utilidade nenhuma” e gostava que ali tivessem sido postos, por exemplo, “aqueles ecopontos modernos que agora se usam” (há ecopontos na rua da escola mas mais “lá em baixo”, sendo preciso descer com os sacos). Refere também que foram deixadas partes na rua da escola sem qualquer obra e com o passeio “todo esburacado”. Joaquim também espera que as árvores que venham a plantar nas novas caldeiras junto à escola sejam pequenas “por causa da vista do Tejo, que não quer perder”.