Passe nacional de transportes a 9 €/mês, uma boa proposta?

Opinião.

Esta é uma medida ambiciosa? Sim. Tem inúmeros benefícios ambientais, sociais e económicos? Sim. É uma medida que resolve todos os problemas dos transportes públicos? Não. Com o aumento da recolha de impostos causada pela inflação, não há melhor momento para uma medida como esta.

No passado dia 10 de outubro, num artigo de opinião publicado no Lisboa Para Pessoas, o seu autor, Mário Rui André, criticava a proposta do Bloco de Esquerda do passe nacional de transportes a 9 € por mês, acusando-a de ser “desajustada e populista”. Com este artigo, espero desmontar alguns mitos e explicar o porquê de esta ser uma boa proposta, que, a tornar-se realidade, teria um impacto muito positivo para quem cá vive e para o ambiente.

O artigo elenca vários problemas que quem hoje quer utilizar transportes públicos para se deslocar enfrenta, servindo-se deles para descartar a proposta. De seguida, critica o modelo alemão no qual esta proposta se inspirou. Finalmente, argumenta que há outras medidas mais importantes e que o nível de ambição da proposta é desajustado. Por partes:

O passe nacional a 9 € não resolve os problemas de quem se quer deslocar de transporte público nas diferentes regiões do país?

Os passes Andante na Área Metropolitana do Porto e Navegante na Área Metropolitana de Lisboa constituíram uma verdadeira revolução, aliviando o orçamento familiar de quem mora, estuda ou trabalha nessas regiões, tornando o transporte público uma opção competitiva na substituição do transporte individual, reduzindo congestionamentos nas cidades e contribuindo para a melhoria do ambiente.

Também é verdade que esta revolução ainda não chegou às demais regiões do país. O autor dá como exemplos, detalhadamente e bem, os casos de Coimbra e do Algarve. Quem se desloca com regularidade dentro dessas regiões tem muitas vezes de adquirir vários passes, acarretando grandes custos para as famílias. O autor levanta ainda o problema da falta de comunicação entre regiões, ilustrando com o exemplo de quem vive na região Oeste e que hoje não se poderia deslocar na sua região e em Lisboa com um único passe.

A solução Andante/Navegante resolve (na maioria dos casos) o problema da intermodalidade mas não o da comunicação entre regiões. Para além disso, apesar de constituir um enorme avanço em relação aos preços anteriormente praticados, continua a ter um custo considerável para as famílias (em particular no contexto de perda de rendimentos em que vivemos). Ao contrário do que o autor sugere, o passe nacional a 9 € resolveria problemas imediatos que existem nas diferentes regiões do país, garantindo o acesso fácil e sem burocracias a todos os meios de transporte em qualquer região.

O passe nacional a 9 € é uma “cópia barata” de um modelo incapaz de tirar carros da estrada?

A proposta do Bloco de Esquerda é inspirada no passe alemão que nos três meses do verão permitiu que qualquer pessoa circulasse pelos transportes locais e regionais do país por apenas 9 €. No artigo de opinião publicado, o autor descredibiliza no curto espaço de apenas uma frase esta experiência revolucionária, cujo Primeiro-Ministro alemão, Olaf Scholz, classificou como “uma das melhores ideias” do seu Governo. Penso que seria importante dar um pouco mais de atenção aos resultados que até agora conhecemos desta experiência.

A verdade é que esta medida teve um enorme sucesso, com impactos ambientais e sociais muito positivos. Os 52 milhões de passes vendidos permitiram, segundo a Associação de Transportes Públicos alemã (VDV), cortar as emissões de 1,8 milhões de toneladas de CO2 – correspondendo às emissões de 388 mil automóveis num ano. Segundo a mesma Associação, esta medida levou a que um em cada dez utilizadores passasse a utilizar os transportes públicos ao invés do carro para pelo menos uma deslocação por semana. De acordo com investigadores da Universidade de Potsdam, verificou-se uma relação de causalidade entre a introdução do passe e um corte de cerca de 7% das emissões de CO2 durante o período de vigência do mesmo.

Socialmente, os impactos positivos também se fizeram sentir. O mais óbvio é o do aumento do rendimento disponível das famílias em contexto de grande inflação, que segundo investigadores do Instituto Económico Alemão estaria dois pontos percentuais mais elevada caso esta medida não existisse. Mas também teve efeitos menos diretos. Algumas famílias foram pela primeira vez de férias. Outras só puderam enviar os seus filhos para acampamentos escolares graças a este passe.

Duas formas de avaliar o sucesso de uma política é o seu suporte pela população e as suas repercussões nacionais e internacionais. Na Alemanha gerou-se uma onda de apoio ao passe dos 9 €. Houve protestos e petições pela sua continuidade, e enquanto se espera por alguma política de continuidade a nível federal, alguns estados já avançaram com passes de baixo custo para as suas regiões, como é o caso de Berlim.

Internacionalmente, esta medida inspirou outras que também estão a ter muito bom desempenho. Um exemplo é o dos passes gratuitos para comboios regionais e urbanos em Espanha, que conta com 1,5 milhões de utilizadores, tendo já cortado 360 mil toneladas de CO2, segundo o Ministério espanhol dos Transportes, Mobilidade e Agenda Urbana. Os bons resultados fizeram com que fosse anunciada a extensão desta medida para 2023.

Nas políticas públicas, não existem “cópias baratas”. Existem políticas que funcionam e políticas que não funcionam, dada a forma como são formuladas e os contextos em que são aplicadas. Esta política provou funcionar.

O passe nacional a 9€ não deveria ser uma prioridade? É demasiado ambicioso?

No artigo de opinião, o autor argumenta (sem fundamentar o porquê) que um passe nacional nunca poderia ser “ridiculamente mais barato” do que os atuais passes Navegante/Andante, visto que já apresentam um valor competitivo. Elenca também, e bem, uma série de medidas urgentes para melhorar os transportes públicos, como a simplificação da bilhética (que como já vimos, esta proposta resolve), a criação de mais corredores BUS e o investimento na modernização de frotas, paragens e estações.

Esta é uma medida ambiciosa? Sim. Tem inúmeros benefícios ambientais, sociais e económicos? Também já vimos que sim. É uma medida que resolve todos os problemas dos transportes públicos? Não, continuam a ser necessários grandes investimentos para tornar o transporte público verdadeiramente competitivo, investimentos estes que são compatíveis e complementam esta medida. Com o aumento da recolha de impostos causada pela inflação, não há melhor momento para uma medida como esta.

Face à crise climática a que se junta uma crise económica e inflacionária, desajustado é não tomar medidas com a ambição necessária para lhes responder.


João Bernardo Narciso é dirigente do Bloco de Esquerda. É também engenheiro informático, mestrando em Ciência Política e bolseiro de investigação.

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