Reflexรฃo

Equiparada a greve

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Opiniรฃo.

Somos “equiparados a jornalistas” e nรฃo jornalistas de plenos direitos โ€“ sรณ de plenos deveres. De qualquer forma, no dia 14 de Marรงo nรฃo publicaremos nada no Shifter nem no LPP, e juntamos o nosso silรชncio ao dos demais que nesse dia procuram, pela gravidade da ausรชncia, fazer ouvir as suas reivindicaรงรตes.

Fotografia Shifter/LPP

No Shifter/LPP nunca escondemos de onde viemos. Criรกmos o projecto por amor ao que fazemos, antes de ter um nome para lhe dar. Desde o primeiro dia que nos motiva a ideia de traduzir para o espaรงo pรบblico portuguรชs os grandes temas da contemporaneidade, com especial atenรงรฃo ร  tecnologia, e que a vontade de o fazer sempre foi mais forte do que outra coisa qualquer. Com o tempo fomos sentido a necessidade de assumir tรญtulos profissionais, mas longa foi a resistรชncia a auto-intitular-nos jornalistas. Durante anos, recusรกmos fazรช-lo. Nรฃo por acharmos que o nosso trabalho era menor, menos rigoroso ou menos รฉtico, mas porque sabรญamos que a regulaรงรฃo da profissรฃo em Portugal faz com que este seja um tรญtulo restrito por um enquadramento burocrรกtico. Isso nunca nos impediu de fazer o que fazรญamos, nem de procurar ser melhores todos os dias no cumprimento das regras, dos processos e dos preceitos que regem um รณrgรฃo de comunicaรงรฃo social รฉtico. O nosso compromisso nรฃo รฉ com nenhuma designaรงรฃo burocrรกtica mas com uma relaรงรฃo social, com aqueles que nos leem diariamente. Foi tambรฉm nesta relaรงรฃo que inspirรกmos esse salto de confianรงa.ย 

Hรก pouco tempo (nรฃo consigo precisar quanto, o que tudo diz sobre a importรขncia para nรณs dessa transiรงรฃo) decidimos pรดr de lado a resistรชncia e dizer a viva voz que somos jornalistas. No papel, nada mudou, desde os primรณrdios do projecto que estamos inscritos nos รณrgรฃos de regulaรงรฃo, e que os cargos que ocupamos nos obrigam ao cumprimento de normas legais. No papel, hรก muito que a equipa de direรงรฃo do Shifter/LPP รฉ โ€˜equiparada a jornalistaโ€™, essencialmente porque tem de ser. E perante a crise no sector, assumir o tรญtulo era para nรณs um gesto de aproximaรงรฃo ร  causa. De solidariedade. Um assumir de que vemos o que fazemos como parte da rede maior e mais complexa que รฉ a comunicaรงรฃo social de um paรญs, e que nรฃo queremos esquivar-nos de responsabilidades ao desviar-nos das designaรงรตes. Assumir-nos jornalistas, assim, sem mais nada, era juntar a nossa forรงa ร  dos que acreditam profundamente no jornalismo e na necessidade de unir esforรงos para o manter vivo, prรณximo das pessoas e inspirador.ย 

Nรฃo estamos aqui a brincar. Dedicamos a nossa vida a esta profissรฃo. E se ainda fazemos o que fazemos ao fim de 10 anos รฉ ร  custa de muitos sacrifรญcios pessoais โ€“ nunca o escondemos, mas tambรฉm nunca o sublinhรกmos. Foi a abnegaรงรฃo que trouxe o projecto atรฉ aqui. Nunca tivemos menรงรตes institucionais, prรฉmios, nunca fomos notados pelo Presidente da Repรบblica, nem reunimos com Secretรกrios de Estado. Somos pรฉssimos na gestรฃo polรญtica da nossa posiรงรฃo. Porque simplesmente nรฃo รฉ isso que nos move. Queremos fazer jornalismo, ou o que lhe quiserem chamar; respeitar as regras, sim, mas tambรฉm ter liberdade. ร‰ por isso que neste momento de greve, a nossa nota de solidariedade nรฃo podia comeรงar de uma forma diferente. Se nos sentimos jornalistas, foi comunicado por um dos รณrgรฃos de regulaรงรฃo do sector que nรฃo temos direito a esse tรญtulo. E por isso, se sentimos que temos de nos juntar a esta greve, para sublinhar o estado precรกrio do sector em Portugal, sentimos simultaneamente que esta greve nรฃo รฉ para nรณs. Afinal de contas, somos โ€˜equiparados a jornalistasโ€™ e nรฃo jornalistas de plenos direitos โ€“ sรณ de plenos deveres. 

De qualquer forma, no dia 14 de Marรงo nรฃo publicaremos nada no Shifter nem no LPP, e juntamos o nosso silรชncio ao dos demais que nesse dia procuram, pela gravidade da ausรชncia, fazer ouvir as suas reivindicaรงรตes. Nรฃo o fazemos com intuito de pressionar os nossos patrรตes, porque nรฃo os temos, mas com o intuito de mostrar, mais uma vez, que se cรก estamos hรก tanto tempo e com tanta persistรชncia, รฉ porque queremos fazer parte da soluรงรฃo, nรฃo trazer mais problemas. Numa altura politicamente conturbada, em que a comunicaรงรฃo social vรช a sua reputaรงรฃo constantemente atacada, os profissionais estรฃo em situaรงรตes de extrema precariedade, e escasseia iniciativa polรญtica para ajudar o sector, toda a solidariedade รฉ insuficiente face ao tamanho dos desafios que enfrentamos.

Imagem oficial da Greve de Jornalistas (DR)

Se no รบltimo Congresso dos Jornalistas se aprovou uma moรงรฃo que no meio de outras propostas, sugeria o fim da Carteira de Equiparados a Jornalistas (e a necessidade de uma formaรงรฃo especifica para acesso ร  profissรฃo), o que empurra profissionais como nรณs para uma indefiniรงรฃo burocrรกtica que sรณ agudiza a situaรงรฃo precรกria em que exerรงo este ofรญcio, o nosso compromisso com a prรกtica e o sector รฉ inegociรกvel. Pelos nossos camaradas, pelos nossos leitores, pelo nosso futuro, juntamo-nos a este momento de reivindicaรงรฃo. Se nรฃo lhe quiserem chamar greve, chamem-lhe โ€˜equiparada a greveโ€™, mas o momento รฉ demasiado importante para perdemos tempo com divisรตes burocrรกticas.

Porque o jornalismo em Portugal precisa de mais atenรงรฃo polรญtica e social, de uma valorizaรงรฃo na sua pluralidade, e de um reforรงo pelas condiรงรตes dos profissionais que lhes permita fazer melhor (e nรฃo mais).ย Porque acreditamos que nรฃo รฉ uma distinรงรฃo burocrรกtica que deve fazer a diferenรงa, numa altura em que as fronteiras se esbatem e os leitores nรฃo as reconhecem, e que o jornalismo pode ser mais forte se for mais inclusivo e abraรงar os que a ele se juntarem por bem, e porque acreditamos que todo o sector ganha com quem vem de fora trazer novas perspetivas, conhecimentos e experiรชncias, juntamos uma linha ร  nota de reivindicaรงรตes: concentremos as nossas forรงas em restabelecer a uniรฃo com o leitor e nรฃo em criar ainda mais divisรฃo na massa crรญtica de jornalistas tรฃo fragilizada por tudo o resto.

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