A velocidade média da Carris voltou a baixar e atingiu, em 2023, um novo mínimo histórico, considerando os dados das últimas duas décadas. O congestionamento rodoviário e o estacionamento indevido estão a desacelerar os autocarros e eléctricos da capital, fazendo com que a Carris perca tempo e dinheiro.

A Carris anda hoje mais devagar do que há duas décadas. A velocidade média dos autocarros e eléctricos de Lisboa voltou a diminuir de 2022 para 2023, depois de já ter descrido no período anterior. A culpa é do congestionamento automóvel e também do estacionamento indevido. Só nos dois anos da pandemia de Covid-19 é que a tendência de decréscimo – que se verifica desde pelo menos 2004 – se inverteu, devido à “tranquilidade e silêncio atípicos” que se verificaram na cidade.
A evolução da velocidade média da Carris ao longo do tempo pode ser conhecida através da leitura dos relatórios de contas que a operadora municipal publica anualmente (um trabalho que o jornal Público realizou primeiro, não só para Lisboa mas também para o Porto). A conclusão dos números da capital é clara: nas últimas duas décadas, os autocarros e eléctricos de Lisboa nunca andaram tão devagar como no ano passado. A boa notícia é que se a inversão desta tendência for conseguida, acelerando o transporte público, é possível, com os mesmos veículos e motoristas, ter uma Carris a percorrer mais quilómetros, a transportar mais pessoas e a poupar milhões de euros por ano.
É a própria Carris que o admite: no relatório de contas de 2023, a empresa municipal escreve que se “tivesse conseguido operar com uma velocidade de exploração de 14 Km/h em vez dos 13,54 km/h registados, teria sido possível percorrer +1.246.250 Km de serviço público desde o início do ano. Ou seja, com os mesmos recursos (veículos e tripulantes), a Carris teria aumentado a sua oferta em km em cerca de 3%”. No mesmo documento, é dito que a Carris está a “trabalhar activamente” com a Câmara de Lisboa “no sentido de introduzir medidas que permitam melhorar a velocidade média de exploração e aumentar a competitividade do transporte público à superfície”.
Só a pandemia – que reduziu substancialmente o congestionamento automóvel na cidade de Lisboa – levou a Carris a melhorar a sua velocidade média para níveis acima dos 14 km/h. Em 2020, a operadora municipal de Lisboa assinava uma “significativa melhoria” deste indicador e escrevia que, nesse ano, “a cidade surgiu com uma tranquilidade e silêncio atípicos e com uma ausência de transporte individual nunca vista, o que só por si facilitou a circulação da frota Carris e contribuiu positivamente para os resultados atingidos”. Em 2021, a velocidade média caiu ligeiramente: “À medida que a cidade foi avançando no desconfinamento e com a retoma dos serviços, o indicador voltou a ficar mais próximo dos resultados registados em 2019”, escrevia a Carris na altura.

Não há dúvidas de que as falhas de que os passageiros tanto se queixam na fiabilidade, rapidez e frequência dos autocarros e eléctricos de Lisboa se deve ao trânsito automóvel excessivo na cidade. E quando esse factor removemos, a velocidade da Carris melhora. Mas há outras externalidades a impactar esse indicador, nomeadamente o mau estacionamento e a ocupação indevida de corredores BUS. No relatório de contas de 2016, o último ano em que a velocidade média esteve, em números redondos, no patamar dos 14 km/h, a Carris registava uma nova desaceleração com causas evidentes: “o aumento do congestionamento, resultante do acréscimo do número de automóveis na cidade, as obras e o estacionamento indevido”.
A empresa detalhava o seguinte: “o número de interrupções de circulação de autocarros e de eléctricos devido a veículos mal estacionados aumentou cerca de 8% em relação ao ano anterior, (…) correspondendo a 1041 horas de interrupção de circulação e afectando cerca de 1500 veículos, sendo a duração média de cada interrupção de quase uma hora”. No mesmo documento, mencionava que “a manutenção do funcionamento, em parceria com a Polícia Municipal, da equipa de ‘vigilantes’ para fiscalização de corredores BUS e para o controlo do estacionamento irregular em paragens ou em locais em que dificulta a circulação do transporte público” era, “embora insuficiente para a melhoria global da circulação do transporte público, (…) absolutamente necessária promover”. A Polícia Municipal já não terá esta equipa de fiscalização de corredores BUS activa.
Tudo | Autocarros | Eléctricos | |
---|---|---|---|
2004 | 14,46 km/h | 14,75 km/h | 10,18 km/h |
2005 | 14,47 km/h | 14,76 km/h | 10,33 km/h |
2006 | 14,35 km/h | 14,61 km/h | 10,49 km/h |
2007 | 14,30 km/h | 14,56 km/h | 10,48 km/h |
2008 | 14,54 km/h | 14,67 km/h | 10,15 km/h |
2009 | 14,33 km/h | 14,62 km/h | 10,17 km/h |
2010 | 14,36 km/h | 14,65 km/h | 10,28 km/h |
2011 | 14,39 km/h | 14,68 km/h | 10,39 km/h |
2012 | 14,35 km/h | 14,66 km/h | 10,33 km/h |
2013 | 14,30 km/h | 14,61 km/h | 10,27 km/h |
2014 | 14,24 km/h | 14,55 km/h | 10,30 km/h |
2015 | 14,18 km/h | 14,49 km/h | 10,26 km/h |
2016 | 13,99 km/h | 14,35 km/h | 9,56 km/h |
2017 | 13,90 km/h | 14,30 km/h | 9,18 km/h |
2018 | 13,85 km/h | 14,29 km/h | 9,07 km/h |
2019 | 13,79 km/h | 14,23 km/h | 9,25 km/h |
2020 | 14,12 km/h | 14,47 km/h | 10,01 km/h |
2021 | 14,10 km/h | 14,47 km/h | 9,57 km/h |
2022 | 13,77 km/h | 14,15 km/h | 9,13 km/h |
2023 | 13,54 km/h | 13,88 km/h | 9,09 km/h |
A leitura dos relatórios de contas da Carris nos últimos 20 anos permite encontrar uma mesma história repetida de ano para ano: uma velocidade média em decréscimo, devido ao congestionamento automóvel, ao estacionamento abusivo, à ocupação de corredores BUS e também a obras na cidade. São assinaladas melhorias, por exemplo, no eixo entre São Sebastião e o Arco do Cego, onde passou a existir um corredor BUS dedicado, mas o problema de os autocarros e eléctricos andarem demasiado devagar encontra-se identificado há pelo menos duas décadas sem resolução aparente – nem dos executivos municipais do PS, nem da actual administração de Carlos Moedas.

Para a Carris, o “aumento da velocidade comercial, que pressupõe a criação de vias reservadas para melhorar a circulação e a frequência dos transportes públicos, nomeadamente através da implementação de mais corredores BUS”, é um factor crítico do sucesso da operação da empresa.
Em Lisboa, existem actualmente cerca de 75 quilómetros de corredores BUS – número que deverá aumentar nos próximos quatro anos, de acordo com o plano de actividades da empresa para 2024-2027. A Carris pretende também implementar um novo projecto de fiscalização em parceria com a Polícia Municipal e a EMEL não só das vias reservadas à circulação de autocarros, mas também das zonas de paragem. A empresa reconhece que a “utilização e ocupação indevida” destes espaços “tem um impacto negativo no cumprimento dos horários previstos, na regularidade da oferta e na satisfação dos clientes e, em simultâneo, no aumento do consumo de combustível e dos custos de manutenção, que importa mitigar”. A Carris prepara-se ainda, com a Câmara de Lisboa, para introdução novas intersecções semaforizadas que priorizem os autocarros.
No entanto, por mais esforços que as empresas rodoviárias façam, sem reduzir o número de carros na cidade, dificilmente será possível ter autocarros e eléctricos rápidos e fiáveis.