A ciclovia do Guincho, a mais antiga do concelho de Cascais, está a ser prolongada com um novo troço pavimentado junto à praia, no local onde existia um passadiço de madeira. A solução está, no entanto, a gerar algumas críticas. A autarquia diz que a intervenção “visa assegurar a compatibilização de usos”.

É uma das ciclovias mais bonitas da área metropolitana de Lisboa. Com quase nove quilómetros de extensão, a Ciclovia do Guincho começa na Marinha de Cascais, no centro da vila, e permite chegar à Praia do Guincho, proporcionando uma agradável vista marítima pelo caminho. A partir daí, o percurso continua até à Quinta da Marinha, oferecendo quase um trajecto circular.
A Ciclovia do Guincho era toda em percurso pavimentado, excepto um pequeno troço junto à praia, onde existia um passadiço de madeira. Agora, essa parte está a ser repavimentada, dando continuidade à ciclovia. A intervenção, a cargo da Câmara de Cascais, está a gerar polémica.
“Obras feitas em cima do joelho”

Foi Miguel Lacerda, mergulhador há mais de 55 anos, defensor dos oceanos e do planeta, e membro da associação ambiental CASCAISEA, que lançou o alerta através do Instagram, onde publicou quatro vídeos que, em conjunto, somam quase nove mil gostos. “Estes iluminados da CMC (Câmara Municipal de Cascais) decidiram prolongar a ciclovia por toda a Estrada do Guincho, esquecendo-se do fenómeno do vento que ali corre e afecta a estrada”, começou por escrever a 18 de Julho na descrição de um desses vídeos.




Em concreto, Miguel critica a colocação de um lancil “com cerca de 20 cm de altura” para separar a ciclovia da estrada, dizendo que o mesmo “vai servir de batente ao vento que ali passa, ou seja, a estrada vai passar a ter mais areia do que tinha antes, quando a sotavento da via estava nivelado ao nível da estrada”. Nas imagens partilhadas num dos vídeos, vê-se a areia a cobrir não só a nova ciclovia como também a estrada.
Através do Instagram, Miguel acusa a Câmara de Cascais de “obras feitas em cima do joelho, sem qualquer avaliação do terreno” e critica também a colocação de sumidouros ao longo da extensão ciclovia – o mergulhador mostra uma destas estruturas cheias de areia. “Decidiram também fazer uma conduta de águas pluviais a sotavento da estrada junto ao lancil… A obra ainda está longe de terminada e a conduta já está atestada até cima de areia”, escreveu. E conclui: “Vamos ter mais areia na estrada, mais perigoso para quem circula e as obras estão a danificar toda a duna.”
Criar continuidade na ciclovia

Construída em 1996, a Ciclovia do Guincho é a mais antiga ciclovia do concelho de Cascais. Foi uma das primeiras (poucas) ciclovias construídas em Portugal nos finais do século XX, e a mais extensa. Com quase nove quilómetros de extensão, liga a Marina de Cascais à Praia do Guincho, e estende-se sempre paralela ao mar, com uma vista de luxo, ao longo das avenidas Rei Humberto II de Itália, da República e da Senhora do Cabo, e da Estrada do Guincho (EN247).
A partir da Praia do Guincho, a Ciclovia do Guincho segue de forma segregada por mais três quilómetros até à Quinta da Marinha e, daqui, por mais dois quilómetros, desta vez de faixas cicláveis não segregadas, de regresso à Guia, sendo, assim, um percurso praticamente circular na zona mais ocidental do concelho de Cascais.
Voltando ao Guincho, a ciclovia era maioritariamente um percurso alcatroado, pintado de vermelho como as outras ciclovias do concelho. Contudo, entre a curva de acesso à Estalagem Muchaxo e a praia, a ciclovia assumia a forma de passadiço sobrelevado, em madeira, não interferindo com o sistema dunar. A obra agora em curso, que está em fase de conclusão, está a substituir por uma pista contínua em betuminoso, com perfil partilhado – pedonal e ciclável.





A obra envolve a colocação de novos lancis, na continuação do percurso já existente, e de sarjetas ao longo da Estrada do Guincho, dando ao local um sistema de drenagem até aqui inexistente. Está também a ser colocada infraestrutura para futura iluminação pública com tecnologia fotovoltaica, de maior autonomia e eficiência. O novo troço ciclável vai ser pintado de vermelho, à semelhança das restantes ciclovias do concelho, e oferecerá aos ciclistas um trajecto contínuo e segregado do restante tráfego rodoviário. Os lancis altos vão impedir o estacionamento abusivo e também ajudar a conter as areias do lado interior, ou seja, do lado das dunas.
A empreitada tem o custo de 142,5 mil euros e está a ser executada pela construtora Ediperfil, de acordo com informação do portal Base. Está integrada no Plano de Gestão da Orla Costeira da autarquia cascalense e, segundo esta, insere-se num conjunto de acções de restauro ecológico e melhoria da segurança e mobilidade no litoral, com especial atenção ao corredor eólico Guincho-Cresmina, uma área de grande sensibilidade natural e dinâmica dunar.
Câmara de Cascais defende obra

Ao LPP, a Câmara de Cascais indica que a intervenção “visa assegurar a compatibilização de usos, visando garantir a circulação na Estrada Nacional e na ciclovia mas, obviamente, permitindo a passagem de areia sobre ambas, algo que irá sempre acontecer e sempre aconteceu”, acrescentando que “o passadiço estava com fragilidades graves nas zonas de assentamento”.
Segundo a Câmara de Cascais, a solução adotada vai reduzir significativamente a acumulação de areia na via, facilitando a circulação, a manutenção e a limpeza. “A solução de rematar a ciclovia prende-se com o facto de ser uma intervenção que menor resistência oferece ao vento e por isso tem menor retenção de areia, tal como já acontece no corredor da Cresmina entre a bateria da Cresmina e o restaurante Porto St Maria, embora com menor escala”, indica em resposta escrita. “Esta solução permite também facilitar a operação de limpeza mecânica da via quando necessário e com isso minimizar custos e tempo de via obstruída”, acrescenta.


A Câmara de Cascais refere que o antigo passadiço, que era sobrelevado, “embora tenha por objetivo evitar o pisoteio”, “contribuía para a acumulação de areia, acabando por se criar uma duna artificial que criou mais dificuldades na limpeza” da Estrada do Guincho. “A solução actual permite que a areia passe pela estrada, ciclovia e entre naturalmente no sistema”, defende a autarquia. “A colocação de regeneradores a norte tem de algum modo minimizado o efeito da areia na estrada. Esta colocação é bianual pois importa não acumular muita energia a norte e gradualmente ir deixando passar o sedimento”, assinala o Município cascalense.
Em relação aos sumidouros, a autarquia diz que “são necessários” para drenar a água da Estrada do Guincho, e que, “naturalmente, devido à localização, a areia é um problema”. “Se tivéssemos em Doa eventualmente poderia ser ponderado não haver sumidouros, dado que raramente chove. Aqui não é o caso: chove no Outono e Inverno e obviamente que a via tem de ser drenada”, adianta a Câmara de Cascais, referindo que, nesse altura do ano, o transporte de areia é menor “pelo facto de haver humidade”.
“Os sumidouros levaram uns sacos com geotextil de forma a não acumularem areia nos períodos sem pluviosidade mas deixam passar água quando necessário”, indica a Câmara, clarificando que, segundo o protocolo, todos os sumidouros ”deverão ser limpos antes do período de chuvas e deverá ser assegurada manutenção regular”. “Atenção que estar com areia não implica o seu não funcionamento, até por que a areia é muito permeável”, nota.

Jonet junta-se às críticas
Miguel Lacerda, que diz ter sido pioneiro em Portugal na remoção de lixo do fundo do mar, precisamente em Cascais em 1981, recorda que a CASCAISEA, associação que fundou para dar corpo a essas iniciativas, é “apartidária”, mas promete denunciar “até às eleições o péssimo serviço, a negligência, a prepotência e a incompetência” da autarquia cascalense. Ainda assim, as suas críticas e os vídeos que partilhou no Instagram chegaram aos ouvidos de João Maria Jonet, ex-PSD e actual candidato independente à Câmara de Cascais.
Jonet não ficou indiferente às denúncias de Miguel Lacerda e lançou através da página da sua candidatura um comunicado sobre o tema. Diz que a extensão da ciclovia “agravou o bloqueio que a Estrada do Guincho já representa à passagem da areia de Norte para Sul” e pede a suspensão da obra, com uma revisão do projecto que preveja a execução de uma “ciclovia de nível com a Estrada do Guincho”. Assim, diz, “quando a escreve e a ciclovia estiverem obstruídas com areia, será mais simples a limpeza mecânica”. A “médio prazo”, Jonet pede a “construção de um túnel” para que a Estrada do Guincho deixe de ser uma obstrução à “dinâmica do sistema dunar”.


O candidato indica que “a elevação deste novo troço de ciclovia face à cota da estrada, com lancis altos e um sistema de drenagem facilmente obstruído pela areia, foi uma opção desastrosa” da Câmara de Cascais liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras, cujo Vice-Presidente, Nuno Piteira Lopes, assume uma candidatura de continuidade nas autárquicas deste ano. Jonet pede o “apuramento de responsabilidades”.
Trabalho de restauro do sistema dunar “é uma referência”
Segundo a autarquia, “o corredor eólico Guincho-Cresmina é um fenómeno natural que está bem caracterizado e, há muito, identificadas as dinâmicas a este associado. Nomeadamente a entrada de sedimento na frente de praia que, pelos ventos fortes e predominantes de NW, leva à constituição de dunas móveis que atravessam toda a plataforma do Cabo Raso”, refere na resposta escrita endereçada ao LPP.
“A empresa municipal Cascais Ambiente acompanha este processo desde 2011 e tem verificado que, devido às alterações climáticas, temos um maior período de calor, menor frequência de pluviosidade mas mais concentrada e menor índice de humidade. Estes factores levam a maior capacidade de transporte de sedimento (areia), ou seja, sempre tivemos sedimento a entrar no sistema (e a circular de um lado para outro), contudo tem-se verificado que o vento tem aumentado de intensidade o que provoca maior concentração de sedimento num menor período de tempo”, acrescenta o Município.

Durante a empreitada, “a Câmara de Cascais tem tido equipamentos para limpeza e desobstrução da via sempre que necessário, o que tem implicado, em muitos dias, duas limpezas diárias”, refere, explicando que “a obra deveria ter terminado antes da época balnear, mas a predominância de ventos fortes superou largamente a normalidade para a época, tanto em força das rajadas como em duração das mesmas”, levando a atrasos no calendário.
O Município adianta que o projecto foi aprovado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e refere que a infraestrutura “será acompanhada, na certeza de que compatibilizar usos e preservar os valores naturais numa zona com tanta pressão é um desafio”. “Todo o trabalho aqui feito de restauro ecológico do sistema dunar e compatibilização de usos é uma referência a nível nacional e internacional”, indica ainda a autarquia que é um histórico do PSD.
Segundo a Câmara de Cascais, “esta intervenção visa, sobretudo, a segurança das pessoas”, referindo a existência de “acidentes rodoviários graves, principalmente com motociclos”, bem como um “elevado número de atolamento de veículos, face à elevada quantidade de areia na via, com impacto mais significativo no período noturno face à reduzida visibilidade”, por causa da “elevada quantidade de areia na via”.
A autarquia reporta ainda um “elevado número de situações em que, face à elevada quantidade de areia na via, foi necessário proceder ao corte” da estrada, que “é essencial” quer “para operações de combate a incêndios rurais no Parque Natural Sintra Cascais”, quer para “penetração de meios de socorro”. “Neste sentido, a intervenção com vista a normalizar e promover a segurança na EN teve de ser efetuada com a maior urgência possível, não sendo adequado esperar pela conclusão da época balnear face ao período crítico de incêndios rurais que decorre actualmente.”
A obra na Ciclovia do Guincho está em fase de conclusão, sendo já possível fazer o percurso de bicicleta ou a pé sem a descontinuidade que existia junto à praia. A intervenção foi iniciada no final de Abril; e, embora a conclusão da obra estivesse prevista para antes do início da época balnear, os ventos fortes e anómalos para a época, quer em intensidade, quer em duração, atrasaram os trabalhos, indica a autarquia. Note-se que vão decorrer trabalhos de preparação do terreno para a plantação de espécies nativas no próximo Inverno, uma medida que a Câmara de Cascais destaca como “essencial para restaurar as áreas temporariamente afetadas pela obra e promover a regeneração ecológica do corredor dunar Guincho–Cresmina”.