
O município de Lisboa não vai, afinal, avançar com a alteração dos sentidos de trânsito nas lateriais da Avenida da Liberdade, projecto que implicava também a renovação da rede ciclável naquela artéria e melhorias nos passeios. Fernando Medina empurrou as alterações para o próximo mandato, por uma “questão de prudência”. O Presidente da Câmara não quer não estar a abrir “uma nova frente de tensão e de stress” para as lojas e restaurantes.
“É uma obra que vai implicar um estaleiro significativo” e que se prolongará por “muitos meses”, mesmo com o faseamento por quarteirões. “Pareceu-nos que, em processo de pandemia e numa altura tão delicada para o comércio local, estar a perturbar e a causar um incómodo adicional com uma obra desta natureza seria mais prejudicial do que benéfico”, referiu Medina na reunião pública da autarquia desta quarta-feira.
Adiada como a ZER
A justificação de Medina para o adiamento da intervenção na Avenida da Liberdade, inicialmente prevista para o primeiro semestre deste ano, é em tudo semelhante ao motivo apontado, também por Medina, para a suspensão da ZER Avenida-Baixa-Chiado (ZER ABC). Apresentada no início de 2020, a ZER ABC previa a requalificação do espaço público na Baixa e no Chiado, e a redução em 40% do tráfego viário naquela zona.
O projecto da ZER incluía a requalificação da Avenida da Liberdade e a reversão do actual esquema de circulação nas lateriais, que não permite percorrer toda a avenida no mesmo sentido. Ou seja, uma das lateriais passaria a permitir subir toda a avenida e a outra possibilitaria uma descida contínua. Em Junho último, o Presidente da Câmara anunciava o adiamento indefinido da ZER ABC, para que esta não se tornasse “mais um factor de dificuldade e perturbação” para os comerciantes.
A insistência de Teresa Leal Coelho
Em Outubro de 2020, apesar da suspensão da ZER, a vereadora Teresa Leal Coelho, eleita pelo PSD, decidiu recuperar a ideia de repor os sentidos de trânsito originais nas lateriais da Avenida da Liberdade. A proposta foi aprovada em reunião do executivo camarário com os votos favoráveis de todos os partidos e a abstenção do PCP; Teresa Leal Coelho celebrou, falando num “presente de Natal para os lisboetas”, convicta de que a obra seria simples.
Prontamente, Miguel Gaspar, o vereador com a pasta da mobilidade, desmentiu, referindo que as alterações na Avenida da Liberdade só aconteceriam em 2021, no primeiro semestre do ano. “Não é só mudar um sinal de trânsito, há mesmo obra física que é necessária fazer no ajuste de alguns passeios, e é necessário trocar os semáforos de lado”, assinalou em declarações à TSF. “Vamos fazer uma repavimentação das laterais, vamos introduzir o canal ciclável, como estava previsto, e vamos fazer um conjunto de obras que visam também melhorar os atravessamentos pedonais da avenida.”
Um entendimento semelhante tem Fernando Medina, que na reunião pública de Câmara desta quarta-feira, disse que a obra a realizar na Avenida da Liberdade será “profunda”, envolvendo a repavimentação das lateriais, onde “neste momento ainda há carris de eléctrico”. Para o Presidente da Câmara, que disse que não será uma intervenção para este mandato, “pode haver vantagem” em realizar ao mesmo tempo o necessitado “reperfilamento e reparação dos passeios”, que apresentam hoje várias irregularidades. Medina respondia a Teresa Leal Coelho, que recuperou o tema na reunião supra referida.
De ciclovia pop-up a ciclovia a sério
Medina não referiu a ciclovia, mas esta constava nos desenhos da ZER ABC e no plano de ciclovias pop-up, anunciado em Junho do ano passado. Apesar de a Avenida da Liberdade já integrar a rede ciclável da cidade – com dois corredores partilhados (30+Bici) nas lateriais –, a autarquia queria alterar esse desenho e transformá-lo em duas vias segregadas e unidireccionais, que acompanhassem os novos sentidos de trânsito das lateriais da avenida.
A ciclovia pop-up na Avenida da Liberdade, cuja implementação estava prevista até ao final de Julho de 2020, terá sido discretamente trocada por uma obra mais profunda, que se realizaria nos primeiros meses deste ano, conforme se subentendeu da discussão lançada pela vereadora Teresa Leal Coelho em meados de Outubro.
O sentido de trânsito nas lateriais da Avenida da Liberdade tinha alterado em 2012 durante o executivo de António Costa, pelo então vereador da mobilidade, Fernando Nunes da Silva – uma medida com o intuito de reduzir o fluxo de veículos e de remeter o tráfego de atravessamento para as vias centrais da avenida. Em declarações ao jornal Público, Fernando Nunes da Silva comentou que a reversão dos sentidos na lateriais é “um disparate total” e que “antes de serem invertidos os sentidos nas laterais, o tráfego nas horas de ponta rondava os 750 e os 1000 veículos por hora nas laterais. No ano seguinte, quando se fizeram as contagens de tráfego, tinha-se baixado para os 200, 250 veículos por hora e, às vezes, até menos. O quarteirão mais carregado era o quarteirão do Hotel Tivoli”.
Todavia, a evolução da pandemia e o novo confinamento, que não se previa em Outubro, terão alterado os planos da autarquia. Fernando Medina continua a defender a reorganização do trânsito nas lateriais Avenida da Liberdade e as restantes intervenções no espaço público enquadradas na ZER, mas empurra os dois assuntos para uma nova decisão pelo próximo executivo camarário. Entretanto, existirão eleições autárquicas.