This essay seeks to review and record the most significant moments of a process of popular organization within the city of Lisbon between 2016 and 2023. A process that sought to find other ways of producing the city and its confrontation with the structure of the State/Municipality and the way it understands the construction of the city - beyond the discourses on "participation" and "involvement of the populations".

Mais do que descrever prรกticas e metodologias participativas e a sua transformaรงรฃo em projecto, este ensaio pretende refletir sobre um processo promovido a partir da realidade local (bottom-up), a organizaรงรฃo das pessoas, a conquista de visibilidade e o confronto com as prรกticas institucionalizadas de planeamento (top-down).
A listagem e descriรงรฃo de alguns destes momentos procura produzir o registo de um processo rico em nuances, contradiรงรตes, ilusรตes e desilusรตes, mas capaz de se inscrever como um contributo para uma anรกlise mais geral sobre as formas de construรงรฃo de cidade em Lisboa na รบltima dรฉcada.
Context
A Quinta do Ferro รฉ um bairro entre desenvolvimentos, na freguesia de Sรฃo Vicente, em Lisboa. A sua implantaรงรฃo acontece numa zona de vale e sombra da colina da Graรงa, entre as costas de Santa Clara (zona histรณrica muito marcada pelos processos de gentrificaรงรฃo e turistificaรงรฃo) e a Rua Leite de Vasconcelos (rua de edifรญcios predominantemente residenciais construรญdos hรก menos de cem anos). Os processos de gentrificaรงรฃo e turistificaรงรฃo de Lisboa tรชm vindo a ser estudados por diversos autores ao longo dos รบltimos anos. Neste ensaio, adopta-se como ponto de partida a formulaรงรฃo e conceitos de Luรญs Mendes no que respeita ร relaรงรฃo que estabelece entre os fenรณmenos e as polรญticas de urbanismo austeritรกrio do pรณs-crise 2008-2009 (Mendes, 2017). Mendes demonstra como o desenvolvimento capitalista necessita de superar, constantemente, o tenso equilรญbrio entre a preservaรงรฃo e destruiรงรฃo do valor do capital fixo de modo a desencadear cรญclicos processos de crise e acumulaรงรฃo. Esta tensรฃo espoleta as maiores operaรงรตes de produรงรฃo de cidade e de alteraรงรฃo do ambiente construรญdo, โpara abrir espaรงo novo para a acumulaรงรฃoโ.
Desconhecendo-se bibliografia especรญfica sobre as origens da Quinta do Ferro entende-se como importante referir que a histรณria oral transmitida entre os moradores do bairro aponta para que este territรณrio tenha sido baptizado desta forma, na รฉpoca do Marquรชs de Pombal, por ser uma zona de descarga e deposiรงรฃo de restos de peรงas e estruturas metรกlicas e intensa atividade comercial de ferro-velhos. Outra histรณria ouvida, aponta para que, no final do sรฉc. XIX e inรญcio do sรฉc. XX, tenha existido uma fรกbrica de armas de fogo referindo-a como relevante na produรงรฃo para a 1ยช Grande Guerra Mundial. Para procurar um fio condutor para esta รบltima narrativa popular importaria relacionar o local com os equipamentos militares que estiveram implantados naquele territรณrio no decorrer do sรฉc. XX – como o Hospital Militar ou a OGFE โ Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento. Nรฃo sendo este o motivo do texto, entende-se deixar estas pistas a partir da histรณria contada pelos locais para que, quem o deseje, aprofunde estas referรชncias.
Sabe-se quase tudo do territรณrio que circunda a Quinta do Ferro mas, da prรณpria, muito pouco. Ora essa ausรชncia de referรชncias tambรฉm รฉ revelador de um territรณrio de cidade que vive nas costas da cidade, na sombra da Graรงa e da Colina de Sรฃo Vicente. Terรก sempre sido territรณrio de comรฉrcio ou habitaรงรฃo das classes mais desfavorecidas da cidade de Lisboa e, chegados aos nossos dias, uma das รบltimas รกreas degradadas do centro de Lisboa ainda nรฃo sujeitas ร reabilitaรงรฃo urbana – como Alfama, Mouraria ou Bairro Alto. Ou seja, onde se concentraram franjas de pobreza. Em 2023, no centro de Lisboa ainda era um dos locais onde se podia encontrar rendas muito abaixo da mรฉdia, no essencial, produto das precรกrias condiรงรตes das habitaรงรตes.
Do ponto de vista do Plano Director Municipal de Lisboa (PDM), a Quinta do Ferro encontra-se na categoria de โEspaรงos a Consolidarโ, no que respeita ร qualificaรงรฃo operativa, e โEspaรงos Centrais e Residenciaisโ, no que respeita ร qualificaรงรฃo funcional do solo. Nos termos do PDM, โos espaรงos centrais e residenciais a consolidar correspondem a รกreas da cidade onde se preconiza a respetiva reconversรฃo, designadamente antigas รกreas industriais obsoletas ou ocupadas com construรงรตes de carรกcter precรกrio ou degradadas, grandes equipamentos ou instalaรงรตes militares em processo de desativaรงรฃo, grandes parcelas urbanas nรฃo edificadas a estruturar e รreas Urbanas de Gรฉnese Ilegal (AUGI)โ.11. Uma caracterizaรงรฃo urbanรญstica mais aprofundada teria de referir a gรฉnese informal da maioria das construรงรตes do bairro, a sua pouca qualidade construtiva (ainda que nos estejamos a referir, predominantemente, a construรงรตes em paredes de alvenaria e coberturas em telha), a carรชncia de passeios ou espaรงos pรบblicos qualificados, a desregulaรงรฃo do estacionamento e a existรชncia de algumas bolsas de estacionamento em espaรงos vazios municipais, sobretudo, para dar resposta aos moradores das vizinhanรงas.
A partir de 2019, e com particular significado a partir de 2020, perรญodo em que o paรญs e o mundo estiveram sob o efeito da Declaraรงรฃo de Pandemia realizada pela Organizaรงรฃo Mundial da Saรบde (Covid-19), a Quinta do Ferro foi notรญcia pelas indignas condiรงรตes de habitaรงรฃo da maioria das pessoas que habitavam o seu nรบcleo central.

Este ensaio exige uma prรฉvia clarificaรงรฃo sobre a posiรงรฃo do autor perante o territรณrio. Tambรฉm a tรญtulo de declaraรงรฃo de interesses importa notar que o seu autor coordena uma equipa tรฉcnica que opera neste territรณrio desde 2016, a partir do Ateliermob2 e da cooperativa Trabalhar Com Os 99% [TC99%]3, tendo acompanhado todo o processo de reivindicaรงรฃo, organizaรงรฃo e formalizaรงรฃo da Associaรงรฃo de Proprietรกrios e Moradores Amigos da Quinta do Ferro (constituรญda em 2016) [AQF].
Atรฉ 2018, este trabalho foi desenvolvido na qualidade de coordenador de projecto, centrando-se em torno do desenvolvimento de um processo participativo que se concluiu com um Estudo Urbanรญstico e com a apresentaรงรฃo de uma proposta de planeamento urbanรญstico e metodologia ao Municรญpio de Lisboa. Entre 2018 e 2021 como equipa de assessoria tรฉcnica, nos termos de prรกticas de apoio a iniciativas de base local como as que sรฃo, por exemplo, levadas a cabo pela Usina CTAH (Vilaรงa & Constante, 2015). Estas prรกticas de assessoria tรฉcnica desenvolvem-se de forma entrelaรงada entre o apoio ร contestaรงรฃo, denรบncia e reivindicaรงรฃo das condiรงรตes do territรณrio e das suas habitaรงรตes ร formaรงรฃo de anรกlise fundamentada para a discussรฃo tรฉcnica e polรญtica sobre o futuro do territรณrio. Por outro lado, os seus processos sรฃo cรญclicos, onde hรก uma evoluรงรฃo progressiva entre a compreensรฃo, a mudanรงa, a acรงรฃo e a reflexรฃo crรญtica da prรกtica de projecto e do posicionamento da prรณpria assessoria tรฉcnica. A partir de 2022, a assessoria tรฉcnica dedicou-se ร anรกlise tรฉcnica das propostas que iam sendo apresentadas pelo Municรญpio de Lisboa.
Este ensaio รฉ produzido a partir de informaรงรฃo que รฉ pรบblica, maioritariamente online, e dos arquivos da cooperativa Trabalhar Com Os 99%. Nele procura-se registar um conjunto de momentos de um processo que pode ser interessante analisar do ponto de vista do que sรฃo as formas de organizaรงรฃo e construรงรฃo da cidade em Lisboa nestes anos de profunda transformaรงรฃo da cidade como resultado de um certo urbanismo austeritรกrio (Mendes, 2017).
O tempo da participaรงรฃo

Feita a contextualizaรงรฃo do territรณrio e da posiรงรฃo do autor na problemรกtica, certamente simplificadoras de uma realidade mais complexa, contar-se-รก a histรณria de como se comeรงou a organizar a populaรงรฃo e construiu o processo que deu origem ร proposta de plano urbano realizado com as pessoas, moradoras e proprietรกrias, do bairro. Procurar-se-รก identificar o que foi sendo feito entre 2018 e 2020 para tentar retirar o bairro da invisibilidade e manter as dinรขmicas comunitรกrias e, depois de 2019 e atรฉ Abril de 2023, a partir do momento em que o Municรญpio decreta uma Operaรงรฃo de Reabilitaรงรฃo Urbana (ORU) de iniciativa municipal e sobre as formas que o projecto municipal vai tomando.
Em 2016, a cooperativa Trabalhar com os 99% [doravante designada como TC99%], foi promotora do projecto BIP/ZIP4 โQuinta do Ferro Participaโ em parceria com um grupo informal de proprietรกrios e moradores designado como Amigos da Quinta do Ferro, o Clube Desportivo da Graรงa e Urban Sketchers Portugal. Atรฉ entรฃo, nรฃo tinha havido qualquer projecto aprovado no รขmbito do Programa BIP/ZIP para a รกrea 65 โ Quinta do Ferro. Nesse projecto, aprovado pela Cรขmara Municipal de Lisboa (CML) em reuniรฃo de 13 de Outubro de 2016, propunha-se desenvolver โprojecto/estudo de reabilitaรงรฃo da zona da Quinta do Ferro de modo a proporcionar as condiรงรตes sociais em harmonia com uma cidadania e urbanismo compatรญveis com o sรฉculo XXI, respeitando os valores arquitectรณnicos, histรณricos e respectivo ambiente visual e paisagรญsticoโ. Mais, escrevia-se que โo processo serรก desenvolvido de uma forma participada e colaborativa entre moradores, proprietรกrios e trabalhadores que habitam hoje o localโ.
Das suas actividades constava nรฃo apenas a elaboraรงรฃo de um projecto/estudo urbanรญstico mas tambรฉm acรงรตes de sensibilizaรงรฃo da populaรงรฃo para a derrama de lixo na via pรบblica; inquรฉritos sobre a realidade do bairro e sua divulgaรงรฃo local; levantamento cadastral da estrutura de propriedade, senhorios e inquilinos; todos os actos para a constituiรงรฃo da โAmigos da Quinta do Ferro, Associaรงรฃo de Proprietรกrios e Moradoresโ [doravante designada como AQF]; assembleias de dinamizaรงรฃo e discussรฃo sobre o futuro da Quinta do Ferro e o estudo/projecto a ser desenvolvido. Outra das intenรงรตes, nรฃo descrita na candidatura mas sobejamente manifestada, era a de partilhar com a CML a informaรงรฃo criada e produzida de modo a conseguir encontrar uma plataforma de entendimento comum entre todas as partes envolvidas. Para a realizaรงรฃo destas actividades o Municรญpio de Lisboa comparticipou com 50 mil euros.
Mas o movimento comeรงou antes do financiamento com a constituiรงรฃo de um grupo informal de moradores e proprietรกrios. O inรญcio destes mecanismos de constituiรงรฃo nรฃo รฉ dissociรกvel do trabalho do professor em teoria de organizaรงรฃo polรญtica Rodrigo Nunes (Nunes, 2021) a partir da necessidade de cruzamento entre movimento e organizaรงรฃo, formal e informal, nem vertical nem horizontal. Este grupo organizou a primeira reuniรฃo, no Auditรณrio da Junta de Freguesia de Sรฃo Vicente, a 15 de Marรงo de 2016. Sete proprietรกrios participaram e forneceram informaรงรตes sobre outras pessoas que poderiam estar interessadas em participar. A 3 de Abril do mesmo ano, numa reuniรฃo realizada na sede da TC99%, a participaรงรฃo duplicou. A partir desta reuniรฃo, foi constituรญdo um grupo de pessoas que se dirigiu ร Junta de Freguesia de Sรฃo Vicente para tentar recolher mais informaรงรตes sobre residentes e proprietรกrios.
Jรก no รขmbito do programa BIP/ZIP, a 20 de Novembro de 2016, realizou-se um magusto no Mercado de Santa Clara โ o primeiro evento que reuniu um nรบmero significativo de moradores e proprietรกrios, e os Urban Sketchers de Portugal comeรงaram o seu trabalho de registo destes eventos atรฉ ao quotidiano (Figura 1). A 9 de Janeiro de 2017, a associaรงรฃo de vizinhos foi formalmente registada como: Amigos da Quinta do Ferro, Associaรงรฃo de Proprietรกrios e Moradores.

No ano de 2017, desenvolveram-se vรกrias estratรฉgias de planeamento participativo que se passam a descrever.
O primeiro passo foi um inquรฉrito local organizado ao longo de dois dias. Este inquรฉrito foi respondido por mais de quatro dezenas de residentes. Um terรงo eram mulheres, na sua maioria, com mais de 51 anos. A mediana das pessoas que responderam ao inquรฉrito admitiram viver no bairro hรก mais de 24 anos. Dos resultados percebia-se que as pessoas gostavam de viver naquele territรณrio, desejavam continuar a viver, mas viam como uma urgรชncia a necessidade de reabilitaรงรฃo das suas casas e espaรงos pรบblicos. Foram identificadas carรชncias bรกsicas como a falta de instalaรงรตes sanitรกrias, problemas estruturais e infiltraรงรตes nas casas, espaรงos urbanos insalubres devido ao acumular de lixos e pragas de ratos e baratas. O turismo foi identificado como um problema que estava a fazer subir o valor das rendas e as despesas diรกrias. Potencialmente alimentado por uma conflituosidade latente entre a Junta de Freguesia e as pessoas deste territรณrio, no momento em que a primeira construรญa num terreno pรบblico um parque de estacionamento temporรกrio, afirmavam que nรฃo precisavam de mais lugares de estacionamento e pediam uma praรงa pรบblica que pudessem usar.
Nesta primeira tentativa de participaรงรฃo, com uma folha em branco para propostas, as pessoas pediram uma praรงa com espaรงos pรบblicos intergeracionais, melhorias no pavimento, mais รกreas verdes e hortas urbanas (Figura 2).

Deste processo pensou-se que teria sido encontrado o programa base para um plano urbano mas os primeiros desenhos foram rejeitados. Na primeira assembleia destinada a discutir a estrutura bรกsica do plano urbano percebeu-se que as hortas urbanas era algo bem aceite do ponto de vista idรญlico, que as pessoas o podiam pedir num inquรฉrito com folha em branco, mas quando confrontadas com um desenho e localizaรงรฃo, viam-nas como problemรกticas naquele territรณrio. A primeira proposta de plano, com um nรบcleo significativo da รกrea verde, baseada nos 40% que declararam como prioritรกrio a construรงรฃo de um parque verde e nos 26% que pediram hortas urbanas, foi rejeitada (Figura 3). Talvez tenha sido o confronto entre a imagem romรขntica de uma ideia de cidade verde com o sentido de urgรชncia e de resposta aos problemas concretos da vida de cada pessoa. Falou-se mais de casas decentes, espaรงos pรบblicos e ligaรงรตes urbanas, do que de jardins. Os inquilinos defenderam rendas justas, os proprietรกrios โ na sua maioria com baixos rendimentos โ defenderam a necessidade do envolvimento do Municรญpio na renovaรงรฃo urbana e na requalificaรงรฃo dos edifรญcios.

Como se percebe, o processo teve altos e baixos, avanรงos e recuos. De uma forma sintรฉtica, a proposta apresentada ao Municรญpio como resultado deste processo, desenvolvia uma estratรฉgia de cruzamento das diferentes realidades procurando a integraรงรฃo deste territรณrio nas dinรขmicas do fruir da cidade. Do ponto de vista do espaรงo pรบblico era desenhada a tal praรงa por onde passava um percurso pedonal que ligaria de uma forma mais directa a Rua Leite de Vasconcelos com a Escola Bรกsica e Secundรกria Gil Vicente. Para o territรณrio central e mais precรกrio da Quinta do Ferro estabelecer-se-ia uma Unidade de Execuรงรฃo para onde teriam de ser criadas regras prรณprias de abertura de pรกtios interiores para ventilaรงรฃo mas a partir da manutenรงรฃo do desenho de propriedade e lotes. O objectivo era que a estrutura de propriedade se mantivesse e contivesse a gula especuladora de potenciais novos investidores. Nos lotes de propriedade pรบblica era aumentada a capacidade construtiva, propondo-se uma รกrea mais extensa para uma operaรงรฃo de renda acessรญvel que comeรงava, ร รฉpoca, a ser proposta como um plano de investimentos municipais. Essa nova รกrea residencial tambรฉm permitiria servir de alojamento temporรกrio para moradores que, eventualmente, tivessem de sair das suas casas para que se desse a respectiva reabilitaรงรฃo (Figura 4).

No desenvolvimento da proposta, a TC99% promoveu vรกrias reuniรตes com o Municรญpio designadamente com tรฉcnicos do Patrimรณnio, do Desenvolvimento Local, do Planeamento Urbano e com a Vereadora da Habitaรงรฃo e Desenvolvimento Local, Paula Marques. No decorrer do processo foi igualmente solicitada reuniรฃo com o Vereador do Urbanismo Manuel Salgado, que nunca a agendou.
O Estudo Urbanรญstico foi concluรญdo em Assembleia de Moradores e Proprietรกrios de 25 de Marรงo de 2018 tendo sido entregue, ร CML, em Abril do mesmo ano. A denominaรงรฃo de โEstudoโ, fundamentava-se na ideia que deveria dar origem a um Plano Urbano de iniciativa municipal que estabelecesse um conjunto de regras prรณprias e especรญficas que permitissem a reabilitaรงรฃo urbana alรฉm do inscrito no Plano Director Municipal โ que nรฃo permitia a maioria das intervenรงรตes necessรกrias ao nรฃo tratar este territรณrio como uma unidade especรญfica.
O tempo da burocracia

A 7 de Novembro de 2018, a TC99% foi convocada para uma reuniรฃo tรฉcnica, no gabinete da Vereadora Paula Marques, com o Diretor de Departamento de Espaรงo Pรบblico na Cรขmara Municipal de Lisboa, Pedro Dinis, e a arquitecta Paula Rebelo da Divisรฃo de Projetos e Estudos Urbanos โ autora de um estudo desenvolvido pela CML em 2013. Nessa reuniรฃo nรฃo foram levantadas quaisquer objecรงรตes tรฉcnicas, tendo o processo e as soluรงรตes adoptadas sido valorizadas pelos dois tรฉcnicos presentes. O Director de Departamento, Pedro Dinis, ficou de verificar com o entรฃo Vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, a prioridade que seria dada ร concretizaรงรฃo deste plano para a Quinta do Ferro.
A 31 de Janeiro de 2019, apรณs reiterada insistรชncia da AQF para reunir com o pelouro do urbanismo, deu-se uma reuniรฃo, com a presenรงa de vรกrios tรฉcnicos e assessores municipais, e o Director de Departamento do Planeamento Urbano, Paulo Pais. Independentemente de todos os anteriores contactos e reuniรตes, este รฉ o momento mais importante e no qual se comeรงou a desenhar o futuro entendimento do Municรญpio sobre o territรณrio. O entรฃo Director de Departamento, figura prรณxima de Manuel Salgado e do seu sucessor Ricardo Veludo, abriu a reuniรฃo com elevada dose de hostilidade para com os proprietรกrios presentes, afirmando que se deviam envergonhar pelas condiรงรตes em que tinham as suas casas e os seus inquilinos. De seguida, assumiu uma posiรงรฃo desqualificadora do Estudo apresentado e do prรณprio programa municipal BIP/ZIP. No decorrer da reuniรฃo, referiu-se a alegadas ausรชncias de peรงas procedimentais, que os tรฉcnicos do seu departamento lhe foram mostrando constarem do processo, desculpando-se com o facto de o estudo lhe ter chegado poucos dias antes e de ainda nรฃo ter tido tempo de o analisar em profundidade. Do ponto de vista teรณrico e sobre a Quinta do Ferro, Paulo Pais manifestou as suas reservas em torno de um processo de reabilitaรงรฃo da Quinta do Ferro a realizar com a actual estrutura de pequenos proprietรกrios e sem que uma parte significativa dos lotes fosse detida por um investidor com capacidade financeira para, aรญ sim, a CML ter um โparceiro fiรกvelโ no territรณrio.
A reuniรฃo terminou com um pedido expresso pela TC99% para que fossem informados sobre qual a posiรงรฃo formal da Cรขmara Municipal de Lisboa quanto ร proposta apresentada, alรฉm da opiniรฃo de tรฉcnicos e dirigentes municipais. ร TC99% nรฃo foi solicitada, formal ou informalmente, qualquer alteraรงรฃo ou rectificaรงรฃo das peรงas entregues e/ou foi dado conhecimento da existรชncia de um parecer formal do Municรญpio sobre o estudo apresentado, como se provarรก adiante. Esta reuniรฃo representa uma alteraรงรฃo da forma como o trabalho entre a TC99% e AQF era acolhido pelo Municรญpio, como se verรก adiante, e o entendimento de uma forma diametralmente oposta de construir a cidade a partir de parcerias entre o Municรญpio e grandes investidores.
Nรฃo tendo havido qualquer comunicaรงรฃo apรณs a reuniรฃo de Janeiro e nem percebendo, ร รฉpoca, qual a posiรงรฃo formal do Municรญpio, a AQF decidiu intervir na reuniรฃo pรบblica da Cรขmara Municipal de Lisboa de 29 de Maio de 2019, na qual, entre outras coisas, foi declarado pelo seu Presidente Josรฉ Manuel Rosa:
โOs problemas sรฃo cada vez mais graves (โฆ) Estamos a ser pressionados por grupos estrangeiros que pretendem comprar as nossas casas (โฆ) Atรฉ agora nรฃo temos qualquer resposta da CML (โฆ) Apelamos a que se passe para a acรงรฃo imediatamente.โ
Na resposta, a Vereadora Paula Marques informou que este territรณrio estรก inscrito na Estratรฉgia Local de Habitaรงรฃo de Lisboa e que o bairro poderรก ter apoios financeiros atravรฉs do Programa 1ยบ Direito para a sua reabilitaรงรฃo. O Vereador Manuel Salgado reconheceu a dificuldade de intervenรงรฃo na Quinta do Ferro e referiu a existรชncia de muitos estudos para o local, acrescentando que o estudo de 2018 estaria a ser apreciado pelos serviรงos pelo Departamento de Planeamento Urbano e Espaรงo Pรบblico e que desencadeariam uma reuniรฃo โcom a maior brevidade possรญvelโ.
Desde Abril de 2018 a AQF e a cooperativa TC99% nรฃo deixaram de promover actividades no bairro. A associaรงรฃo promoveu, entre outras coisas, uma sรฉrie de encontros de bairro designados โNo Nosso Chรฃoโ e que apenas terminaram com o inรญcio da Pandemia. Assim que comeรงaram a aparecer os primeiros casos de Covid-19 no bairro, a Associaรงรฃo e a TC99% criaram e promoveram um Fรณrum Online de encontro e partilha de informaรงรฃo sobre a Quinta do Ferro (Abril de 2020) e apoiaram o Municรญpio e a Junta de Freguesia na identificaรงรฃo de situaรงรตes de carรชncia extrema no territรณrio para atribuiรงรฃo de cabaz alimentar. As iniciativas que a Associaรงรฃo e a TC99%, por iniciativa prรณpria, e sem qualquer apoio financeiro do Municรญpio ou da freguesia, foram aliรกs reconhecidas e identificadas no โFรณrum Urbano Covid19โ promovido pela edilidade. A 20 de Julho de 2018, a AQF decidiu propor-se a integrar a cooperativa Trabalhar Com Os 99% e, desde 27 de Marรงo de 2019, o dirigente da AQF Francisco Manuel de Jesus Moreno passou a desempenhar as funรงรตes de direcรงรฃo do Orgรฃo de Fiscalizaรงรฃo da referida cooperativa5.

Com a mudanรงa de Vereador do Urbanismo, a partir 10 de Outubro de 20196 a AQF solicitou uma reuniรฃo ao novo Vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, para que lhe pudesse ser apresentado o estudo realizado e dar conta do agravamento das condiรงรตes do bairro. A 18 de Setembro de 2020, onze meses depois, a AQF recebeu a primeira resposta do gabinete do respectivo vereador com o seguinte conteรบdo: โEncarrega-me o Senhor Vereador Ricardo Veludo de acusar a receรงรฃo do e-mail abaixo, que desde jรก agradecemos e que mereceu a nossa melhor atenรงรฃo. Atendendo ao assunto em causa, foi o mesmo encaminhado para o Gabinete da Sra. Vereadora Paula Marques (โฆ) que detรฉm o respetivo pelouro.โ7
No entanto, a pressรฃo pรบblica estava a crescer. A 14 de Julho de 2020 o deputado municipal Diogo Moura (CDS-PP) havia apresentado um requerimento na Assembleia Municipal perguntando, entre outras coisas, se โa CML pretende contemplar o projecto de reabilitaรงรฃo do bairro, desenvolvido pela Associaรงรฃo de Amigos da Quinta do Ferro atravรฉs de um financiamento do programa autรกrquico BIP/ZIP?" e, apรณs vรกrios artigos na imprensa escrita, a 27 de Setembro foi divulgada em prime-time na RTP1 uma reportagem sobre as condiรงรตes de habitaรงรฃo na Quinta do Ferro. Na sequรชncia desta รบltima reportagem, o presidente da AQF, Josรฉ Manuel Rosa, recebeu o contacto telefรณnico do gabinete do Vereador Ricardo Veludo convocando-o para uma reuniรฃo que ocorreria no prรณprio dia nove dias apรณs o email em que havia referido que os temas relativos ร Quinta do Ferro nรฃo eram da responsabilidade do seu pelouro. Nessa reuniรฃo, a AQF foi informada que a CML iria decretar uma ARU/ORU Sistemรกtica atรฉ ao final do ano de 2020 e que jรก estaria a realizar um projecto que seria apresentado no final do primeiro trimestre de 2021 โ o que nunca chegou a acontecer. Quanto ao Estudo apresentado em 2018 pela AQF e TC99%, o Vereador Ricardo Veludo referiu, em resposta a perguntas colocadas pela RTP, que nรฃo poderia ser considerado por nรฃo apresentar qualquer soluรงรฃo para a zona central nevrรกlgica da Quinta do Ferro. Mais tarde, em reuniรฃo pรบblica da CML de 30 de Setembro de 2020, corrigiu estas declaraรงรตes passando a afirmar que haveria um parecer conjunto das Direcรงรตes do Planeamento Urbano e Desenvolvimento Local com o pedido de alteraรงรตes ร referida proposta, que nunca havia obtido resposta dos projectistas (TC99%).
A 27 de Setembro de 2020, a TC99% solicitou informaรงรตes ร Direรงรฃo Municipal de Habitaรงรฃo e Desenvolvimento Local โ Departamento de Desenvolvimento Local, a quem havia entregue todo o processo, se dos documentos remetidos para o Departamento do Urbanismo constavam todas as peรงas entregues, designadamente โo levantamento cadastral de todos os proprietรกrios e moradores e a proposta para a Unidade de Execuรงรฃo 04 relativa ao centro mais degradado da Quinta do Ferroโ, se tinham conhecimento de um parecer negativo dos serviรงos do urbanismo e se tinham conhecimento de um novo projecto anunciado pelo Vereador Ricardo Veludo. A 7 de Outubro recebe resposta ao anterior email, tendo sido garantido que havia sido remetido o processo completo para o Departamento do Urbanismo, que se desconhecia a existรชncia de outro projecto em elaboraรงรฃo e que, passamos a citar: โApenas ocorreu uma reuniรฃo de articulaรงรฃo em 15 de Marรงo de 2019 entre o DDL e DPU onde este รบltimo apresentou o seu entendimento genรฉrico e preliminar ao estudo urbano. Ficou definido nesse seguimento a realizaรงรฃo de reuniรฃo entre os dois Pelouros envolvidos para avaliaรงรฃo e decisรฃo de possรญveis cenรกrios.โ
A 1 de Outubro de 2020, perante a invocaรงรฃo, pรบblica e reiterada, de pareceres e factos justificativos que a TC99% desconhecia, a cooperativa entendeu notificar o Presidente da Cรขmara Municipal de Lisboa nos seguintes termos:
โna qualidade de Promotora do Projeto BIP/ZIP 2016 com a Refยช: 014 Designado: ‘Quinta do Ferro Participa’ que, entre outras coisas, originou a criaรงรฃo da Associaรงรฃo de Proprietรกrios e Moradores da Quinta do Ferro;
na qualidade de autora do Plano Participativo para a Quinta do Ferro realizado entre 2016 e 2017;
na sequรชncia das recentes declaraรงรตes ร comunicaรงรฃo social e em reuniรฃo da CML (30/9/2020) proferidas pelo Sr. Eng. Ricardo Veludo, na qualidade de Vereador do Urbanismo, declarando existir um parecer conjunto DMU/DDL desfavorรกvel ao referido Plano e que esta cooperativa havia sido notificada para proceder a alteraรงรตes,
vem, ao abrigo do disposto nos artigos 82.ยบ, do Cรณdigo do Procedimento Administrativo e 60.ยบ e 104.ยบ do Cรณdigo do Processo nos Tribunais Administrativos, solicitar a V/ Exa., muito respeitosamente, que lhe seja dada INFORMAรรO, no prazo de legal de 10 dias, acerca do andamento do procedimento administrativo, nomeadamente dos atos praticados, contendo a identificaรงรฃo do seu autor, a sua fundamentaรงรฃ integral, a data em que foi praticado, e a qualidade em que o seu autor o praticou (competรชncia prรณpria, delegada ou subdelegada, com indicaรงรฃo, nestes dois รบltimos casos, dos despachos de delegaรงรฃo ou subdelegaรงรฃo e do local da sua publicaรงรฃo).โ
A resposta chegou ร s 22h13 do dia 16 de Outubro, nas รบltimas horas dos dez dias previstos na lei para resposta ร notificaรงรฃo, assinada pelo gabinete do Vereador do urbanismo e na qual constam dois documentos: um email, com a mesma data (16/10) assinado pelo Director de Departamento, Paulo Pais, e um documento, nรฃo assinado, e intitulado como โActa de Reuniรฃoโ. Em nenhum dos documentos consta um parecer e/ou anรกlise fundamentada sobre o estudo entregue e a prova que corroborasse a afirmaรงรฃo de que a TC99% havia sido notificada para proceder a alteraรงรตes.
No email do Director de Departamento constam afirmaรงรตes pouco rigorosas ou falsas. De uma forma indirecta procurava-se afirmar que os objectivos da candidatura ao programa BIP/ZIP nรฃo haviam sido cumpridos, designadamente na โelaboraรงรฃo de um relatรณrio diagnรณstico das situaรงรตes urbanas a necessitar de intervenรงรฃo e reivindicaรงรตes da populaรงรฃo localโ, que, note-se, nรฃo constava da proposta de candidatura. Procurava-se enunciar uma relaรงรฃo promรญscua entre a empresa Ateliermob Lda. e a cooperativa TC99% (sendo o Ateliermob um dos fundadores da mesma). No que diz respeito ร sua atitude perante a problemรกtica, Paulo Pais qualificou a sua actuaรงรฃo como tendo sido emanada de โespรญrito de colaboraรงรฃoโ e โlรณgica de parceriaโ na reuniรฃo de 31 de Janeiro de 2019 mas que teria sido dado conhecimento da emissรฃo de um parecer fundamentado resultado da apreciaรงรฃo dos serviรงos. Mais, afirmou que o resultado da reuniรฃo em apreรงo teria sido um pedido de โdesenvolvimento do trabalho apresentadoโ e โuma proposta atualizada do estudo urbanรญsticoโ. No segundo documento, identificado como โActa de Reuniรฃoโ, e que nรฃo se encontra assinado por nenhum dos participantes (nem mesmo pelos representantes do Municรญpio), mais uma vez se colocaram algumas das opiniรตes manifestadas pelo Director da CML Paulo Pais, mas apresenta-se uma conclusรฃo diferente:
โOs assessores do Gabinete da Vereadora Paula Marques promoverรฃo uma reuniรฃo entre os dois Vereadores dos pelouros envolvidos โ Habitaรงรฃo (Vereadora Paula Marques) e Urbanismo (Vereador Manuel Salgado) para avaliaรงรฃo e decisรฃo dos possรญveis cenรกrios.โ

Neste ensaio, parece-nos importante esta descriรงรฃo mais fina sobre as formas de relaรงรฃo e incompreensรฃo entre os munรญcipes, pessoas genรฉricas (proprietรกrios e moradores), e o Municรญpio. Sendo certo que, neste caso, se tratava da relaรงรฃo de uma associaรงรฃo representativa, com apoio tรฉcnico, importa perceber melhor esta sucessรฃo de silรชncios, respostas pouco rigorosas para fazer um diagnรณstico mais assertivo dos processos. Isso tambรฉm revela a forma como o Municรญpio vรช cada um dos territรณrios. Noutros bairros, noutros processos, as respostas nรฃo foram as mesmas como se demonstrarรก adiante. Mas esta descriรงรฃo nรฃo serรก a mais impressionante para atestar a ideia de territรณrio de exclusรฃo, pelo que รฉ importante que atentemos a outro facto.
No inรญcio de Outubro de 2021, os vereadores do PCP, Ana Jara e Joรฃo Ferreira, a partir das queixas da AQF de que os projectos de reabilitaรงรฃo da maioria dos proprietรกrios nรฃo eram aprovados pelo Municรญpio enquanto o projecto de um fundo imobiliรกrio havia obtido rรกpida aprovaรงรฃo, elaboraram um requerimento a solicitar dados sobre a matรฉria. A 14 de outubro de 2021, o Vereador Ricardo Veludo (2019-2021), respondeu por ofรญcio8 que, desde 2013, o Municรญpio havia recebido 57 propostas de projetos de reabilitaรงรฃo/nova construรงรฃo, e que oito foram aprovados ou estavam em processo de aprovaรงรฃo, quatro foram rejeitados e os promotores foram informados. Apesar de Ricardo Veludo tambรฉm escrever que todos os projetos haviam, em algum momento, recebido retorno, os nรบmeros demonstram que a maioria das propostas para reabilitar edifรญcios na Quinta do Ferro foi ignorada. Nรฃo รฉ improvรกvel que, se nรฃo fosse a dimensรฃo mediรกtica conquistada pela associaรงรฃo e pelo bairro, o Estudo com a proposta de Plano jamais teria obtido qualquer resposta.
Note-se que, mesmo existindo financiamento para a reabilitaรงรฃo de casas no รขmbito do PRR - Recovery and Resilience Plan e do programa nacional 1ยบ Direito, ร data em que este ensaio foi escrito, nรฃo chegou um euro para a reabilitaรงรฃo da Quinta do Ferro. A 6 de Setembro de 2019, em reuniรฃo entre a TC99% e Ateliermob com o Instituto de Habitaรงรฃo e Reabilitaรงรฃo Urbana (IHRU), no quadro de seis assistรชncias tรฉcnicas a bairros de Lisboa (um dos quais a Quinta do Ferro)9, a propรณsito da possibilidade de se iniciar o processo de candidatura a reabilitaรงรฃo da Quinta do Ferro ao Programa 1ยบ Direito, a equipa foi informada que, apesar deste territรณrio estar incluรญdo na Estratรฉgia Local de Habitaรงรฃo de Lisboa, teria de ser o Municรญpio a desencadear os procedimentos de identificaรงรฃo e levantamento das situaรงรตes e agregados para que pudessem beneficiar do programa pรบblico. O que nunca ocorreu atรฉ Agosto de 2023.
Durante o perรญodo em que Manuel Salgado foi Vereador do Urbanismo da Cรขmara Municipal de Lisboa as intervenรงรตes fรญsicas no territรณrio foram circunscritas a algumas operaรงรตes paliativas e desestruturadas da Junta de Freguesia. Internamente, foi aprovada uma delimitaรงรฃo do que era a รกrea da Quinta do Ferro (que a proposta TC99%/AQF tambรฉm adoptou) e foi realizado um estudo urbano da autoria da arquitecta Paula Rebelo, com vรกrias escolhas importantes tambรฉm consideradas e desenvolvidas na proposta TC99%/AQF tambรฉm adoptou e foi realizado um estudo urbano da autoria da arquitecta Paula Rebelo, com vรกrias escolhas importantes tambรฉm consideradas e desenvolvidas na proposta TC99%/AQF.
O tempo do plano top-down
A pressรฃo mediรกtica e outro tipo de entendimento do que deve ser a acรงรฃo do Estado nos territรณrios mais pobres levou o Vereador Ricardo Veludo a anunciar a realizaรงรฃo de um projecto a partir do Municรญpio (Figura 5).

No dia 28/10/2020, em reuniรฃo pรบblica da CML, o Vereador Ricardo Veludo, no ponto 1 da Ordem de Trabalhos, propรดs aprovar a sua proposta de Delimitaรงรฃo da รrea de Reabilitaรงรฃo Urbana [ARU] da Quinta do Ferro nรฃo considerando todo o trabalho realizado atรฉ entรฃo. A pedido do PCP e do PSD, com a anuรชncia do Presidente Fernando Medina (PS) e oposiรงรฃo expressa dos Vereadores Veludo (PS) e Manuel Grilo (BE), esta proposta foi adiada por nรฃo ter sido apresentada ou discutida com a AQF ou com a TC99%. Segue-se, no ponto 2. da Ordem de Trabalhos, a apresentaรงรฃo da delimitaรงรฃo de uma Unidade de Execuรงรฃo para a Ajuda, proposta pelo Vereador Ricardo Veludo, apresentada pelo arquitecto Gonรงalo Byrne (entรฃo Presidente da Ordem dos Arquitectos) e promovida por um fundo de investimento sediado em Singapura10. Nรฃo รฉ irrelevante notar as diferentes formas de tratamento entre um estudo promovido por uma cooperativa de arquitectura com uma associaรงรฃo de proprietรกrios e moradores e um estudo realizado por uma empresa de arquitetos e promovido por um fundo de investimento imobiliรกrio.
A Delimitaรงรฃo da รrea de Reabilitaรงรฃo Urbana [ARU] da Quinta do Ferro seria aprovada em reuniรฃo de CML, a 12 de novembro de 2020, na Assembleia Municipal de Lisboa a 10 de dezembro de 2020 e publicada no Diรกrio da Repรบblica, 2.ยช sรฉrie, n.ยบ 95 de 17 de Maio de 2021. Com a delimitaรงรฃo da ARU era tambรฉm aprovada Operaรงรฃo de Reabilitaรงรฃo Urbana Sistemรกtica [ORU] instrumento que, entre outras caracterรญsticas, permite ao Municรญpio a utilizaรงรฃo de um modelo simplificado de expropriaรงรตes.

A delimitaรงรฃo de ARU/ORU aprovada, e ainda em vigor, foi realizada para uma รกrea muito superior ร que o Municรญpio, em anteriores projectos e na Carta dos BIP/ZIPโs, considerava como Quinta do Ferro. O seu nรบcleo mais carenciado passou a estar inscrito numa รกrea de reabilitaรงรฃo urbana muito mais extensa e com contextos sociais diversificados sem qualquer justificaรงรฃo tรฉcnica, urbanรญstica ou social, inscrevendo novos actores no processo e diluindo as caracterรญsticas particulares do territรณrio. Sendo que esta proposta de ARU/ORU nรฃo se limitava a fazer uma delimitaรงรฃo tรฉcnica e factual da mesma efectuando diversas consideraรงรตes sobre o futuro do que deveria ser aquele territรณrio, notava-se nรฃo haver qualquer referรชncia ao facto de se reconhecer o direito ao lugar, conforme descrito na Lei de Bases da Habitaรงรฃo, de nรฃo se defender a manutenรงรฃo do tecido social de moradores e proprietรกrios ou de nรฃo se manifestar qualquer preocupaรงรฃo pela possibilidade de uma regeneraรงรฃo urbana provocar um processo de gentrificaรงรฃo, como sucedeu noutros territรณrios e operaรงรตes urbanรญsticas promovidas de uma forma top-down.
Aliรกs, aquela que parecia ser uma tentativa de estabelecer algumas consideraรงรตes sobre a futura composiรงรฃo social do seu tecido urbano, estarรฃo resumidas nesta descuidada articulaรงรฃo de conceitos: โEspera-se que nas propostas a formular se procure respeitar a equidade territorial, onde a possibilidade de aceder a habitaรงรฃo condigna nรฃo seja limitativa da capacidade econรณmica e que se possa colocar em micro tecidos intersticiais, como o da Quinta do Ferro, oferta de habitaรงรฃo para uma maior diversidade de grupos sociais e se respeitem as redes de relaรงรตes entretanto estabelecidas pelos moradores atuais.โ Esta proposta nunca foi articulada com os actores locais, muito menos com a AQF, que sรณ dela teve conhecimento quando apresentada em reuniรฃo municipal. Por outro lado, nem o Presidente Fernando Medina nem o Vereador do Urbanismo Ricardo Veludo, acederam aos convites da AQF para visitar o bairro, reiterados em diferentes momentos. Todo o discurso em torno da โparticipaรงรฃoโ era institucionalizado pelos โtermos da leiโ e individualizada, sem que se considerasse as organizaรงรตes locais. Um ritual enquadrado tal como Liza Featherstone caracteriza as formas de participaรงรฃo na economia de mercado (Featherstone, 2017). Actos que se destinam a corroborar o que as grandes empresas e a elite polรญtica decide. Acrescia a ideia que era passada ร s equipas municipais de que a populaรงรฃo nรฃo tinha capacidade tรฉcnica para discutir um plano de intervenรงรฃo e que a sua acรงรฃo estaria a ser instrumentalizada.
A par desta iniciativa de constituiรงรฃo da ARU/ORU ocorria uma robusta campanha de levantamento social e das condiรงรตes de seguranรงa das casas na zona central da Quinta do Ferro, promovida pelos serviรงos municipais. Essa campanha, da qual nรฃo se conhecem os resultados, levou a que algumas pessoas fossem realojadas por viverem em condiรงรตes indignas e de risco. Outras famรญlias, mesmo vivendo em condiรงรตes semelhantes, permaneceram no bairro. Os critรฉrios e as prioridades de quem foi, e nรฃo foi, realojado nunca foram tornados pรบblicos, tendo sido motivo de enorme desconfianรงa da populaรงรฃo. Esta estratรฉgia top-down tambรฉm tinha a intenรงรฃo de enfraquecer a representatividade da associaรงรฃo a partir da ideia que o Municรญpio se devia relacionar individualmente com as pessoas e agregados, e que devia fazer o seu trabalho sem ser acompanhado pela AQF. Isso provocou dificuldades em ambos os lados. Os tรฉcnicos municipais nรฃo eram bem recebidos por uma parte da populaรงรฃo e, por outro lado, a representatividade da estrutura colectiva tambรฉm ia sendo enfraquecida. Com poucos anos de vida e maioritariamente dinamizada por proprietรกrios, a AQF foi tendo crescentes dificuldades no contacto com os moradores-inquilinos, sobretudo, nos fogos ocupados por pessoas em condiรงรตes mais precรกrias, de trabalho e/ou saรบde. A partir desse momento a prรณpria associaรงรฃo foi-se confinando, cada vez mais, a dar respostas aos problemas dos proprietรกrios e foi ganhando espaรงo, na narrativa do Municรญpio, a afirmaรงรฃo que a AQF nรฃo representava os inquilinos.

Com a estratรฉgia municipal de confrontaรงรฃo tambรฉm foi derrubada uma ideia que vinha a ser trabalhada com o pelouro do Desenvolvimento Local da CML, liderado pela Vereadora Paula Marques (a รบnica vereadora com pelouro que visitou por diversas vezes o bairro), de constituiรงรฃo de um Gabinete de Apoio aos Bairros de Intervenรงรฃo Prioritรกria [GABIP]11 Quinta do Ferro. O tema principal pelo qual este GABIP nunca se constituiu foi a recusa, liminar, por parte do pelouro do urbanismo, que este GABIP pudesse ter qualquer tipo de pronunciamento ou participaรงรฃo nas decisรตes sobre matรฉrias urbanรญsticas.
Com o inรญcio da campanha para eleiรงรตes autรกrquicas de 2021, quase todos as forรงas partidรกrias foram passando naquele territรณrio e colocando-o no centro das suas intervenรงรตes. A vitรณria da coligaรงรฃo de centro-direita New Times, na qual algumas das pessoas da Quinta do Ferro participaram activamente (designadamente, a activista Rosa Gomes) constituiu-se como uma nova esperanรงa para a reabilitaรงรฃo do bairro.
Os “Novos Tempos”12
A partir de 2022, com um novo Executivo Municipal, Presidente (Carlos Moedas) e Vereadora do Urbanismo (Joana Almeida) a relaรงรฃo entre o bairro e o Municรญpio alterou-se. A 25 de Fevereiro de 2022, Carlos Moedas visitou a Quinta do Ferro, jรก na sua qualidade de presidente da edilidade, e declarou a vontade de promover a reabilitaรงรฃo do bairro ouvindo as pessoas e a sua associaรงรฃo. Filipa Roseta, Vereadora com os pelouros da habitaรงรฃo, obras municipais e desenvolvimento local, foi mais vezes ao bairro e promoveu o concurso pรบblico de arquitectura para que se construa habitaรงรฃo a preรงos acessรญveis num pequeno lote municipal dentro da delimitaรงรฃo da ARU, anunciando-o como a primeira iniciativa na reabilitaรงรฃo do bairro. Mas a recuperaรงรฃo da comunicaรงรฃo institucional entre o Municรญpio e a AQF nรฃo significou, quase dois anos apรณs a eleiรงรฃo do novo executivo, que as obras fรญsicas de reabilitaรงรฃo avanรงassem ou que as prรกticas urbanรญsticas municipais fossem substancialmente alteradas.
Em 2022, a AQF, com a assessoria tรฉcnica da TC99%, foi convocada para assistir ร apresentaรงรฃo do novo projecto municipal (apรณs um novo inquรฉrito realizado pelos serviรงos municipais). A proposta implicava a alteraรงรฃo de toda a estrutura de propriedade da zona central do bairro e um reparcelamento que permitia a construรงรฃo de edifรญcios de trรชs andares. Os proprietรกrios deixavam de ter as suas construรงรตes e os seus lotes de formas irregulares para se poderem inscrever numa malha reticulada e regular. Como se entendia que a maioria dos proprietรกrios nรฃo tinha capacidade financeira para comparticipar nas obras de infra-estruturaรงรฃo, deveriam ceder รกrea construรญda ao Municรญpio a partir de um processo perequativo. Um proprietรกrio com 100 m2 de construรงรฃo, passaria a ter 75m2 de direitos de construรงรฃo dentro de um edifรญcio de 3 pisos em propriedade horizontal. Ou seja, o proprietรกrio deixava de ter a propriedade plena de uma construรงรฃo para passar a ter direitos de construรงรฃo, um andar, num edifรญcio que teria de construir em articulaรงรฃo com os demais proprietรกrios de outros andares.

Faรงamos aqui uma interrupรงรฃo nesta descriรงรฃo para observar o comportamento do mercado imobiliรกrio no bairro. Entre 2017 e 2018, a equipa tรฉcnica TC99% foi contactada por trรชs promotores imobiliรกrios que afirmavam a sua vontade de contratar a equipa para prestar serviรงos de projecto e/ou prospeรงรฃo no bairro. Estas propostas foram rejeitadas pelo facto de se considerar existir uma incompatibilidade รฉtica entre quem estรก a elaborar o estudo-plano para o bairro e a necessidade de ter uma relaรงรฃo par, transparente e igualitรกria com todos os moradores e proprietรกrios. No entanto, o interesse do sector imobiliรกrio era imenso. As pessoas relatavam que, semanalmente, tinham uma proposta de compra dos seus imรณveis nas suas caixas de correio. Algumas foram vendendo. O inรญcio da construรงรฃo de um edifรญcio promovido por um fundo imobiliรกrio, no mesmo lote em que o anterior proprietรกrio tinha tentado aprovar um projecto que esteve anos sem qualquer resposta do Municรญpio โ atรฉ se decidir a vender โ era recorrentemente usado para demonstrar o desequilรญbrio nas formas de relaรงรฃo com a CML. Nรฃo havendo valores de venda especรญficos para aquele territรณrio, sabe-se que era das zonas mais baratas de uma freguesia em que os valores escalavam como em toda a zona central de Lisboa.
Ora o processo proposto pelo Municรญpio e que, soube-se posteriormente, jรก vinha a ser preparado desde 2021 pelo Vereador Veludo, agilizava a entrada de novos promotores e fundos imobiliรกrios naquele territรณrio. Depois de anos de indefiniรงรฃo e invisibilidade, esta seria a forma mais rรกpida de garantir aquilo que Paulo Pais via como soluรงรฃo na reuniรฃo de 31 de Janeiro de 2019: permitir a um grande investidor ou consรณrcio a titularidade de muitas pequenas parcelas de modo a construir edifรญcios novos e a concentrar os direitos de construรงรฃo de uma parte significativa da Quinta do Ferro. A ideia do projecto inicial, em torno do princรญpio do direito ao lugar (nos termos da Lei de Bases da Habitaรงรฃo), e de que os mais pobres e precรกrios proprietรกrios teriam condiรงรตes de manter e reabilitar a sua propriedade mantendo rendas acessรญveis, seria ultrapassada pela acรงรฃo planificadora do Municรญpio. Desta forma, criavam-se as condiรงรตes para que se desse um processo tradicional de acumulaรงรฃo de propriedade por parte de quem tem capital para adquirir.
Mas, a 19 de Maio de 2023, a Vereadora do Urbanismo, Joana Almeida, em reuniรฃo com uma parte dos proprietรกrios, anunciou que o Municรญpio havia desistido de fazer o processo perequativo mantendo-se a estrutura de propriedade tal como estรก, que nรฃo faria um plano para o bairro e que continuaria a apreciar os projectos de reabilitaรงรฃo nos termos da lei e do PDM de Lisboa. Acrescentou que a cada proprietรกrio seria facultada uma ficha urbanรญstica informativa, que nรฃo daria qualquer direito urbanรญstico, e prometeu, para 2024, que seriam lanรงadas obras nos espaรงos municipais. A 13 de Setembro de 2023 foi, nesses termos, aprovado em reuniรฃo da Cรขmara Municipal de Lisboa, por unanimidade, o projecto de Operaรงรฃo de Reabilitaรงรฃo Urbana Sistemรกtica โcorrespondente ร รrea de Reabilitaรงรฃo Urbana da Quinta do Ferroโ13 determinando, como รฉ de lei, a abertura de um perรญodo de discussรฃo pรบblica.
No entanto, o Municรญpio manteve a indisponibilidade para fazer um plano urbano para a Quinta do Ferro que possa fazer com que o enquadramento urbanรญstico do seu edificado possa ir alรฉm do que estรก inscrito no PDM.
O tempo da sรญntese
Do ponto de vista urbanรญstico avanรงou-se muito pouco nestes oito anos (2016-2023). Os edifรญcios, maioritariamente de propriedade privada, nรฃo terรฃo um plano no qual se possam inscrever as suas operaรงรตes de reabilitaรงรฃo e nรฃo poderรฃo concorrer ao sempre tรฃo falado financiamento pรบblico. Talvez, no ano de 2024, o Municรญpio inicie algumas obras nos espaรงos pรบblicos e no edifรญcio de habitaรงรฃo pรบblica a renda acessรญvel previsto para a Rua da Verรณnica.
A Quinta do Ferro foi retirada da invisibilidade a que estava condenada. Constituiu-se movimento de vizinhos. No entanto, tambรฉm na Quinta do Ferro, este movimento de vizinhos estรก longe de ser uma entidade social e polรญtica homogรฉnea, tendo conseguido constituir-se aquilo que Nunes refere como potentia (Nunes, 2021), que pode ou nรฃo resultar em processos transformadores. O resultado, entre o deve e o haver, continuarรก a ser disputado. Serรก positivo para todos os moradores que, no momento de maior atenรงรฃo mediรกtica, foram realojados em casas decentes e na vizinhanรงa, serรก negativo pelas condiรงรตes que permitiu a fundos imobiliรกrios โ esses sim, com um perfil homogรฉneo โ adquirir a baixos custos algumas das propriedades das pessoas que se cansaram de esperar.

This essay seeks to review and record the most significant moments of a process of popular organization within the city of Lisbon between 2016 and 2023. A process that sought to find other ways of producing the city and its confrontation with the structure of the State/Municipality and the way it understands the construction of the city - beyond the discourses on "participation" and "involvement of the populations".
Neste ensaio, nรฃo se procura defender uma cultura basista e muito menos a ausรชncia da participaรงรฃo do Estado e das autarquias nas principais decisรตes sobre a construรงรฃo de cidade. Procura-se demonstrar que, nรฃo raras vezes, as formas de planeamento a partir das autarquias sรฃo movidas pela construรงรฃo de oportunidades para grandes investidores obterem mais valias a partir da mercantilizaรงรฃo dos espaรงos da cidade, em sรญntese, uma forma de desencadear processos de gentrificaรงรฃo, ainda que na maior parte das vezes nรฃo sejam racionalizados enquanto tal. Procura-se defender que o Estado, as autarquias e os seus tรฉcnicos, se deverรฃo colocar ao lado das iniciativas de base local e nรฃo como avaliadores, juรญzes ou obstaculizadores.
Ao inscrever este processo nas prรกticas de construรงรฃo da cidade de Lisboa da รบltima dรฉcada, nรฃo se pretende produzir um olhar melancรณlico sobre o que podia ter sido. Rever e registรก-lo permite uma leitura para que se faรงa mais e melhor. Permite uma reflexรฃo crรญtica sobre o que, no planeamento, nos vai sendo apresentado como inevitabilidade. Decisรตes que tantas vezes sรฃo apresentadas como escolhas tรฉcnicas, que mais nรฃo sรฃo do que a replicaรงรฃo de um ideรกrio ideolรณgico, repetitivo e uniformizador, indisponรญvel para considerar outras formas de fazer cidade alรฉm do urbanismo austeritรกrio (Mendes, 2017).
A ideia do fim da histรณria (Fukuyama, 1992), e apesar da intensa recomposiรงรฃo a que a cidade de Lisboa tem vindo a ser sujeita neste inรญcio do sรฉc. XXI, ainda estรก longe de se concretizar tambรฉm no que respeita ร s polรญticas de cidade. Hรก mais movimentos e acรงรตes de base local que se constituem e as discussรตes sobre as questรตes urbanรญsticas tรชm mais visibilidade no espaรงo pรบblico. A esse fenรณmeno as estruturas do poder local reagem declarando o seu interesse em fazer processos participativos que, nรฃo raras vezes, acabam por nรฃo produzir qualquer efeito prรกtico nos territรณrios. Os serviรงos tรฉcnicos e a burocracia sรฃo usados para triturar e alongar processos, de modo a que as populaรงรตes vรฃo perdendo a energia transformadora, ou a potentia. No entanto, esse potencial transformador sรณ se esgota se for invisibilizado ou triturado na mรกquina da burocracia e do tempo. A disputa pelo direito ร cidade (Lefebvre, 1968) e pelo direito ao lugar na Quinta do Ferro permanecerรก sempre em aberto. Entende-se que o registo detalhado deste processo, designadamente, na relaรงรฃo entre a associaรงรฃo de base local e a autarquia pode constituir uma importante base de anรกlise e trabalho futuro para processos congรฉneres e tambรฉm para o processo que continuarรก a decorrer.
Este artigo foi originalmente publicado na revista Cidades: Comunidades e Territรณrios, disponรญvel neste endereรงo, tendo sido aqui reproduzido ao abrigo da licenรงa CC BY-NC-ND 4.0.
Bibliografia
Featherstone, L. (2017). Divining Desire โ Focus Groups and the Culture of Consultation. OR Books.
Fukuyama, F. (1992). The End of History and the Last Man. Free Press.
Lefebvre, H. (1968). O Direito ร Cidade. Letra Livre
Mendes, L. (2017). Gentrificaรงรฃo turรญstica em Lisboa: neoliberalismo, financeirizaรงรฃo e urbanismo
austeritรกrio em tempos de pรณs-crise capitalista 2008-2009. Cadernos Metrรณpole, 19 (39), pp.479-512.
Nunes, R. (2021). Neither Vertical nor Horizontal – A Theory of Political Organization. Verso Books.
Vilaรงa, ร., Constante, P. (org.) (2015). Usina: entre o Projeto e o Canteiro. Ediรงรตes Aurora.
- Nos termos do ponto 1 do Artยบ 59 do Regulamento do PDM de Lisboa โฉ๏ธ
- O ateliermob apresenta-se desta forma: โPlataforma multidisciplinar de desenvolvimento de ideias, investigaรงรฃo e projectos nas รกreas da arquitectura, cidade e territรณrio. A sociedade por quotas foi constituรญda em 2005, em Lisboa, como consequรชncia de vรกrios trabalhos realizados em conjunto pelos seus sรณcios fundadores. Actualmente, a sociedade รฉ constituรญda por dois sรณcios, Andreia Salavessa e Tiago Mota Saraiva, e uma equipa de cerca de uma dezena de profissionais qualificados associando-se, sempre que necessรกrio, a outras entidades e tรฉcnicos de modo a enriquecer e alargar o espectro multidisciplinar dos seus serviรงos.โ โฉ๏ธ
- Trabalhar com os 99% apresenta-se desta forma: โCooperativa de arquitectura de intervenรงรฃo, desenvolvimento de processos participativos e cooperativos, de desenho e produรงรฃo de polรญticas pรบblicas e de desenvolvimento estratรฉgico. Constituรญda em 2016, na sequรชncia de diversos trabalhos que vinham sendo desenvolvidos no seio do ateliermob, รฉ uma organizaรงรฃo sem fins
lucrativos constituรญda por pessoas e organizaรงรตes. Faz parte da rede europeia ReKreators, da DLBC Lisboa e do Placemaking Europe, tendo participado activamente na discussรฃo em torno da criaรงรฃo da Agenda Urbana Europeia โ Pacto de Amesterdรฃo (2016) e da Lei de Bases da Habitaรงรฃo (2019).โ โฉ๏ธ - Criado em 2011 pelo Municรญpio de Lisboa, o Programa BIP/ZIP โ Bairros e Zonas de Intervenรงรฃo Prioritรกria de Lisboa รฉ um instrumento de polรญtica pรบblica municipal com o objectivo de dinamizar parcerias e pequenas intervenรงรตes locais de melhoria dos bairros abrangidos, atravรฉs do apoio a projetos levados a cabo por juntas de freguesia, associaรงรตes locais, coletividades e organizaรงรตes nรฃo-governamentais. โฉ๏ธ
- Esta รฉ uma prรกtica recorrente da TC99%, nos territรณrios e com as instituiรงรตes com que trabalha, de modo a garantir formas mais transparentes de acรงรฃo e envolvimento mas tambรฉm a promover o empoderamento, responsabilizaรงรฃo e o desenvolvimento de estratรฉgias de co-governaรงรฃo e democracia, tambรฉm, no seu seio. โฉ๏ธ
- Referรชncia CML: ENT/982 /GVPM/CML/19 โฉ๏ธ
- Referรชncia CML: ENT/841/GVRV/CML/2020 โฉ๏ธ
- Referรชncia CML: OF/249/GVRV/CML/21 โฉ๏ธ
- Este trabalho tem vindo a ser realizado no รขmbito do programa de financiamento de Projetos Inovadores e/ou Experimentais na รrea Social (PIEAS) do Fundo Social Europeu โฉ๏ธ
- A MAXIRENT รฉ um fundo de investimento imobiliรกrio fechado inscrito na CMVM. Em 2021, vรกrias notรญcias atribuรญam a sua propriedade ao magnata francรชs Pierre Castel escrevendo-se que o fundo estaria sediado em Singapura e que seria detentor de vรกrios imรณveis em Portugal. โฉ๏ธ
- Nos termos descritos pela Cรขmara Municipal de Lisboa um GABIP รฉ uma โestrutura de iniciativa municipal, de gestรฃo e coordenaรงรฃo local, para desenvolver processos de co-governaรงรฃo em um ou mais Bairros e Zonas de Intervenรงรฃo Prioritรกria de Lisboa, com a vista ร promoรงรฃo da coesรฃo sรณcio-territorial deste(s) territรณrio(s) e comunidade(s) na cidade, atravรฉs da implementaรงรฃo de Estratรฉgia de Desenvolvimento Local para os territรณrios prioritรกrios abrangidos. O modelo GABIP deve constituir-se como uma matriz flexรญvel para que cada territรณrio possa ter o GABIP melhor adaptado ร s suas caracterรญsticas e podendo o seu modelo ser ajustado a todo o tempo, de acordo com a evoluรงรฃo do contexto da coesรฃo sรณcio-territorial. Podem ser parceiros do GABIP, alรฉm dos vรกrios serviรงos municipais, todas as entidades do sector pรบblico e privado, formalmente constituรญdas, que tenham ou venham a ter alguma intervenรงรฃo no territรณrio do GABIP, no รขmbito do Desenvolvimento Local pretendido.โ โฉ๏ธ
- โNovos Temposโ foi o nome da coligaรงรฃo eleitoral entre PPD/PSD, CDS-PP, PPM, MPT e Alianรงa que se constituiu para concorrer ร Cรขmara Municipal de Lisboa nas eleiรงรตes autรกrquicas de 2021 e que acabou por obter a maioria dos votos e eleger Carlos Moedas como novo Presidente. Em Fevereiro de 2022 o termo foi inclusivamente registado como marca, nรฃo por um dos partidos ou coligaรงรฃo, mas pelo prรณprio Carlos Moedas. โฉ๏ธ
- Referรชncia CMLisboa: Proposta 511/2023 conforme constante na Acta em Minuta da Reuniรฃo da Cรขmara Municipal de Lisboa de 13 de Setembro de 2023. โฉ๏ธ