Propaganda ou informação? O uso dos mupis pela Câmara de Lisboa

A Câmara de Lisboa tem utilizado os mupis da cidade para campanhas de comunicação institucional, um direito previsto em contrato com a JCDecaux e também na lei. No entanto, a oposição acusa a autarquia de confundir comunicação institucional com propaganda político-partidária, gerando um debate sobre os limites dessa prática.

Uma das campanhas que a CML tem na rua (fotografia LPP)

Na passada semana, a Câmara de Lisboa aprovou, em reunião de vereadores, uma moção para que a própria Câmara de Lisboa cesse, “com efeitos imediatos”, a “apropriação das redes e contas de divulgação institucional” da autarquia “para fins de propaganda político-partidária”. A moção foi apresentada pelos vereadores do PS e contou com os votos favoráveis de toda a oposição à esquerda, tendo sido aprovada com os votos contra da coligação PSD/CDS, que governa a cidade.

No fundo, o PS contesta, através dessa moção, uma alegada “apropriação” pela Câmara de Lisboa da “rede de publicidade institucional da cidade onde, em vez de informações de interesse geral para munícipes e visitantes, estão a ser veiculadas mensagens de propaganda”, refere em comunicado. “A ocupação inaudita da rede de divulgação institucional da Câmara coincide também com o fim do apoio às instituições culturais, desportivas e sociais de Lisboa, às quais sempre foi cedido espaço para apoiar e dinamizar as respetivas atividades. Desde que Carlos Moedas tomou posse, desapareceram os mupis com divulgação de peças de teatro ou campanhas de combate, por exemplo, à violência contra mulheres”, acrescentam os socialistas na mesma nota.

What does the legislation say?

A Câmara de Lisboa, como outra qualquer, pode comunicar aquilo que faz. E pode, no caso da capital, fazer uso dos mesmos mupis onde são apresentadas campanhas publicitárias. No contrato de concessão publicitária com a JCDecaux, dona do espaço comercial da cidade, a autarquia tem uma espécie de “plafond” que pode usar, como três minutos por hora em cada mupi digital ou uma face em cada mupi convencional. Se essas condições não forem suficientes, a Câmara de Lisboa pode contratar JCDecaux espaço publicitário adicional – foi o que fez recentemente para preencher a Almirante Reis de cartazes a anunciar com pompa e circunstância o grande projecto de requalificação. É que a autarquia quis fazer um take over total dos mupis da avenida, o que lhe custou 9 460 euros.

Ou seja, a autarquia pode, como qualquer organismo, comprar espaço publicitário nos mupis da cidade e tem, por ser a Câmara de Lisboa, direito a usar parte desse espaço, à luz do contrato de concessão.

Uma das campanhas que a CML tem na rua (fotografia LPP)

A publicidade institucional do Estado, no qual se incluem as autarquias locais, é regulada pela Lei nº 95/2015. Publicidade institucional pode consistir em “em campanhas de comunicação ou em actos isolados, como anúncios únicos”, e tem como “objectivo, directo ou indirecto, de promover a imagem, iniciativas ou actividades de entidade, órgão ou serviço público”, indica um parecer da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Esta publicidade “pode ser concretizada (…) mediante a aquisição onerosa de espaços publicitários” e “utiliza linguagem identificada com a actividade propagandística”, pelo que pode ser considerada também propaganda.

As autarquias e todos os órgãos do Estado e da Administração Pública são livre de comunicarem. Só não podem fazer publicidade a partir da data em que forem marcadas eleições, conforme indica a Lei nº 72-A/2015, o que geralmente acontece com uma antecedência de seis meses. Com as autárquicas de 2025 previstas para Outubro, é espectável que as câmaras e juntas de freguesia deixem de poder promover-se a partir de Abril. Até lá, a propaganda é uma actividade normal e habitual.

O que está a CML a comunicar: um vídeo polémico

Neste momento, além de mupis ao longo da Avenida Almirante Reis, com uma campanha específica sobre esse eixo, a Câmara de Lisboa tem mupis com mais três campanhas: uma sobre Lisboa ter sido Capital Europeia da Inovação, outra sobre as chaves entregues no âmbito das políticas de habitação do actual mandado (é apresentado o grande número de “2000 chaves”) e outra sobre a medida de devolução do IRS (“Lisboa devolve o seu IRS”, pode ler-se). São campanhas que se enquadram dentro da actividade de propaganda que uma autarquia costuma fazer – e que a Câmara de Lisboa, em particular, costuma fazer, seja no actual mandado, seja em anteriores.

Isso mesmo diz Carlos Moedas. Sobre o tema, que o PS levou à última reunião pública de câmara, o Presidente da autarquia considerou-o “uma coisa tão estapafúrdia e que não faz qualquer sentido”. “Fazemos aquilo que é a informação do que se passa na cidade. Não há nada mais que isso”, limitou-se a dizer sobre uma questão da qual os socialistas queriam tornar em polémica.

Mas, à esquerda, os partidos têm outra opinião. “O uso que a Câmara de Lisboa tem feito da rede de publicidade institucional e das contas institucionais nas redes sociais, configura um abuso e uma ilegalidade, desviando recursos públicos para fins de propaganda, incluindo meios humanos, e criando deliberadamente confusão entre o que é a comunicação institucional do Município e o que são mensagens partidárias. Esta prática, que envergonha a Câmara Municipal de Lisboa e os seus eleitos, deve terminar de forma imediata”, indica o PS em comunicado, a propósito da sua moção.

As críticas dos socialistas estendem-se a uma publicação da Câmara de Lisboa nas redes sociais com o excerto da intervenção de uma munícipe numa recente reunião descentralizada dedicada à freguesia de Benfica. Nesse vídeo, Carlos Moedas, dá a palavra a Olga Borges, que foi candidata à Assembleia de Freguesia de Benfica pelo PSD em 2017 e que, numa publicação feita no Facebook aquando dessa candidatura, é identificada como “militante do PPD/PSD há mais de 40 anos”. No vídeo divulgado pela autarquia, Olga não surge identificada. “Em relação ao lixo, não vai ser fácil conseguir. Vocês têm de primeiro educar a população e depois tratarem do lixo”, aparece a munícipe a dizer. “Eu vejo aí cartazes na rua sobre o lixo – um até com o seu nome – que até me chocam. Eu acho que aquilo é do mais vergonhoso possível, porque nenhum governo conseguiu fazer nada”, prossegue. “Agora culpam o Carlos Moedas porque há lixo, mas sempre houve lixo nesta cidade e os munícipes não têm consciência daquilo que fazem. Porque os contentores estão vazios, chegam lá e metem o lixo no chão. É tudo à balda e depois o problema é que neste país não há uma fiscalização”, conclui.

Publicação feita pela CML (screenshot by LPP)

O vídeo acompanha uma publicação da Câmara de Lisboa com uma foto de uma eco-ilha e o seguinte texto: “Lisboa limpa, Sim! Numa cidade que é de todos, cabe a todos fazer a sua parte. Coloque o lixo nos locais corretos. Agende a recolha de lixo volumoso. Não deixe lixo no chão.”

A participação de cidadãos inscritos ou próximos de partidos em reuniões públicas de câmaras e de juntas de freguesia é algo comum. Não habitual é uma autarquia usar essas participações em seu proveito. Diferente seria Carlos Moedas, por exemplo, fazê-lo nas suas redes sociais, que, apesar de terem um lado institucional, não são canais oficiais da Câmara de Lisboa.

Várias camadas e linhas ténues

O tema da publicidade institucional tem várias camadas. E as linhas são ténues. “É um fronteira um pouco dúbia” entre o que é a comunicação de iniciativas da Câmara e o que é mera propaganda política, comenta Paulo Ferrero, do Fórum Cidadania Lx, que assina que “a Câmara sempre fez” publicidade institucional. “Nos mupis antigos, nos modernos, sempre publicitou coisas relativamente a eventos que vão acontecer nos equipamentos culturais da Câmara”he exemplified. “E há publicidade por todo o lado, ora na rua, ora no site e nas redes da Câmara. Assim a projectos da Câmara não vejo mal.”

“Agora, onde acaba a publicidade a actividades da Câmara e começa a propaganda à actividade do Presidente é difícil de definir”, diz. Mas Paulo vê algum “descaramento” na utilização pela autarquia dos novos mupis da JCDecaux, que têm sido “muito polémicos”. “Este novo contrato deu lugar a um aumento exponencial dos mupis que existiam, e a vários mupis gigantes em vias rápidas”he said.

Comunicação sobre a “Nova Almirante Reis” (fotografia LPP)

Já Rui Martins, que integra a associação Neighbors in Lisbon, tem outra perspectiva. Um pouco mais rígida. “Este meios deviam ser usados para divulgação de serviços e projectos autárquicos, não para serem abusados por mensagens tão claramente pré-eleitorais”, nota, lembrando que “as eleições estão à distância de menos de um ano”. Para este cidadão, muito activo nas suas redes sociais, há uma “desproporção de meios” ao serviço da publicidade institucional da Câmara de Lisboa “pela quantidade de mupis convencionais e digitais usados nestas campanhas” da autarquia, pela utilização de “meios publicitários financiados por recursos públicos”, como na campanha da Almirante Reis.

A comunicação institucional das autarquias acaba por estar muito presente em canais oficiais destas, seja online, seja offline. Em Loures, por exemplo, o PS, que actualmente governa aquele Município tem cartazes de grande dimensão espalhados pelo território, mas associados ao partido, não à autarquia. Já em Oeiras são comuns os grandes outdoors da própria Câmara a anunciar medidas e iniciativas por todo o concelho. Estas práticas vão-se repetindo por outros municípios, estando devidamente enquadradas quer na actividade partidária (que beneficia de uma quase “via verde” para a colocação de cartazes), quer na actividade autárquica, como já vimos anteriormente.

Cartaz afixado pelo PS por todo o concelho de Loures, governado pelo PS (fotografia LPP)
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