Bastian e Sabrina estão preocupados com a urbanização de uma parte do Pinhal das Freiras. Em causa está a construção de edifícios com até 19 metros de altura e a destruição de cerca de 300 hectares de floresta. Para salvar o “último pulmão verde do Seixal”, juntaram-se a outros moradores de Belverde para lançar o movimento Seixal+Verde.

Em Setembro de 2024, um incêndio de grande dimensão, desencadeado por um carro em circulação na A33, devastou 230 hectares de floresta entre os concelhos do Seixal e de Sesimbra. O fogo começou a escassos metros das casas de Sabrina Fialho e Bastian Jakobsen, residentes em Belverde, freguesia de Mulberry, Seixal. Como é habitual, a prioridade dos bombeiros foi proteger as habitações, deixando a vegetação arder caso fosse inevitável. Durante dois dias, as chamas consumiram uma parte significativa do que o presidente da Câmara do Seixal, Paulo Silva, descreveu na altura como o “grande pulmão verde do concelho”.
Sabrina e Bastian estão agora a liderar um movimento cívico para salvar o que resta daquele que consideram o “último pulmão verde do Seixal”. A sua luta não foi motivada pelo incêndio, mas pela ameaça de destruição do Pinhal das Freiras devido a um plano de urbanização, que visa destruir uma área de cerca de 300 hectares de floresta, pondo em “risco a biodiversidade local, o equilíbrio ambiental e o bem-estar público”, segundo se pode ler na página da recém-lançada associação Seixal+Verde. O grupo diz que esse projecto urbanístico “coloca em risco uma grande parte do último pulmão verde do Seixal, habitats protegidos e trilhos actualmente utilizados pela população”, estimando mais de mil espécies animais afectadas, numa perda de cerca de 50 mil árvores, e em menos 22 km de trilhos de Natureza.

O sonho da Natureza perto da cidade
Belverde é uma aldeia de moradias a poucos quilómetros de Lisboa, rodeada pelo Pinhal das Freiras, um refúgio onde os moradores podem respirar ar puro, caminhar, andar de bicicleta ou simplesmente desfrutar da Natureza. “Sentimos que as pessoas começaram a valorizar mais os espaços verdes desde a pandemia. Muita gente encontrou refúgio na mata, e acredito que isso deixou marcas”, conta Sabrina, que comprou uma casa em Belverde em 2017.
Sempre gostou muito do campo mas não pode viver longe da cidade e esta zona junta o melhor dos dois mundos. Por causa da envolvente natural – do tal grande Pinhal das Freiras que ardeu parcialmente no ano passado –, “muitas pessoas quiseram comprar casa aqui e houve um aumento da população significativo. Já vimos nos Censos de 2021”says. “Nota-se que as escolas estão a criar mais turmas. Nota-se nas estradas e na utilização dos transportes públicos…”mentions. “Qualquer buraquinho aqui está com muita pressão. Se vendesse agora a minha casa, conseguia vendê-la por 2,5 vezes. É certo que estava velha quando a comprei e que fiz obras de renovação, mas toda esta zona valorizou muito.”

Foi também a tranquilidade da Natureza que convenceu Bastian, um alemão que divide a sua vida entre Portugal, a Dinamarca e o país-natal, a fixar-se em Belverde em 2020. “É próximo da Natureza, tem muito espaço e bom tempo”says. “Sempre gostei muito deste local, até este Verão, quando duas coisas aconteceram: um vizinho contou-me que iam começar a construir na floresta; e o incêndio de Setembro de 2024.” Foi nesse momento que Bastian deixou de dar por garantido tudo o que o rodeava. Se o fogo lhe trouxe o medo de ver a mata desaparecer num instante, a ameaça da construção é um receio persistente. “Nunca fui um activista nem nada do género, mas disse a mim mesmo que tinha de fazer algo por esta Natureza. Tenho um filho de dois anos e seria impensável que crescesse numa cidade.”
50% do pinhal em risco
Em cima da mesa, está a devastação de uma parte do actual Pinhal das Freiras para obras de urbanização a cargo da construtora Alves Ribeiro – a mesma que está envolvida no controverso projecto da Quinta dos Ingleses, em Carcavelos. Em 2022, a construtora celebrou um acordo com a Câmara Municipal do Seixal para rever o Plano Director Municipal (PDM) e viabilizar o designado “Plano de urbanização da UOPG 33 – Pinhal das Freiras”, permitindo a urbanização de 300 hectares de áreas protegidas, em plena Rede Natura 2000. Em troca, a construtora comprometeu-se a ceder 400 hectares para a expansão do Parque da Biodiversidade. Ou seja, metade do actual Pinhal das Freiras seria integrado no Parque Metropolitano da Biodiversidade, enquanto que a outra fatia desapareceria.

A Seixal+Verde está preocupada com os impactos que a destruição de 50% do pinhal pode significar ao nível da biodiversidade, recursos hídricos, captura de carbono e erosão dos solos, nomeadamente a longo prazo, num contexto de alterações climáticas. Para Sabrina, Bastian e os restantes associados e voluntários, a expansão do Parque Metropolitano da Biodiversidade é bem-vinda, mas não deve ser feita em prejuízo de outras áreas verdes. “Existe a promessa de que o Parque Metropolitano da Biodiversidade vai expandir de sete hectares para 400 hectares, mas os terrenos são da Alves Ribeiro. Então, deixam-nos construir mais e em contrapartida há a cedência desses terrenos, para que as pessoas não fiquem muito chateadas”, afirma Sabrina. “Não somos contra a expansão do parque. Queremos é que o parque seja a totalidade do pinhal e que não mandem árvores abaixo.”
Os dois moradores de Belverde já viram esta história acontecer na localidade vizinha de Verdizela, mais concretamente num local conhecido como Quinta do Pinhão, onde um projecto de construção começou a avançar também com a alteração do PDM. “A Alves Ribeiro teve autorização para construir há mais de cinco anos na Quinta do Pinhão e agora querem continuar esse desenvolvimento”, contesta Bastian. De acordo com a Seixal+Verde, o Plano de Urbanização da UOPG 33 não vai responder a qualquer crise habitacional porque muito dificilmente as novas habitações serão acessíveis. E contrapõem: a autarquia e a Alves Ribeiro poderiam considerar alternativas mais ajustadas aos tempos em que vivemos, construindo e reabilitando áreas já urbanizadas ou degradadas.

“Acho estranho construírem casas na floresta em vez de renovarem as que já existem. Metade das casas no Seixal estão vazias”, alega o alemão, que trabalha precisamente na recuperação e renovação de imóveis em Almada para alugar a estudantes. “Venho da Alemanha e aqui vejo casas a serem construídas sem preocupações de sustentabilidade, demasiado grandes e com betão por todo o lado. Isto em 2025.”
Por outro lado, Sabrina Fialho e Bastian Jakobsen estão preocupados que o aumento da densidade populacional previsto colocará mais pressão nos serviços públicos locais, como escolas, transportes e unidades de saúde, já limitados. Actualmente não existem garantias de investimento proporcional em infraestruturas de educação, mobilidade e saúde.



Prédios até 19 metros de altura
Bastian conhece bem o que está previsto para o Pinhal das Freiras porque pediu os documentos à Câmara do Seixal durante o processo de participação pública. Primeiro, obrigaram-no a uma consulta presencial sem possibilidade de fotografar. Mas, após queixa, foi-lhe facultada toda a documentação em formato digital. Para o alemão, esta falta de transparência administrativa é algo surreal e incompreensível.


Enquanto caminhamos pela área florestal, Bastian vai apontando para aqui e ali, explicando o que será feito. “Aqui vai ser estrada”says. “Ali, prédios de até 19 metros de altura.” Também estão previstas zonas de serviços e comércio, incluindo um supermercado. Caminhamos também na zona devastada pelo incêndio de Setembro, que é extensa e não tem fim.
“A área ardida é parte do futuro parque”, explica, ao som de motosserras que estão a cortar as poucas árvores queimadas que ainda restam de pé. “Quando há um incêndio, têm de ser removidos os troncos queimados por motivos fitossanitários, para não haver pragas”, refere Sabrina, que está a fazer um doutoramento na área das alterações climáticas. Para Bastian, no entanto, deveria haver um maior critério no corte dessas árvores porque algumas aparentam estar apenas parcialmente queimadas. Sabrina não deixa de fazer uma provocação e ver o incêndio como “uma coincidência feliz para quem tem interesses em urbanizar a zona”.




Sabrina Fialho chegou a Portugal com 15 anos e lembra-se dos Verões que passou em Belverde, entre o pinhal e a praia da Fonte da Telha. “Consigo estar próxima de Lisboa, e fazer passeios com a cadela aqui. Tal como eu, há muita gente a usar este pinhal. Famílias, pessoas com cães, ciclistas”he reports. “Acho que este pinhal é fundamental para a nossa saúde física e mental – sinto isso pessoalmente e também através das conversas com outros utilizadores do pinhal. Falo com muitos vizinhos, e todos partilham a sensação de que a floresta é quase uma extensão de nós. É o nosso monte, como dizem.” O Pinhal das Freiras rasga o concelho do Seixal e liga directamente a Sesimbra. “Dá para ir daqui até à Lagoa de Albufeira.”
A luta dos cidadãos
A constituição da associação Seixal+Verde, com an website informativo and a petição que já reúne mais de 5 mil assinaturas são os primeiros passos da luta que Sabrina e Bastian iniciaram em Belverde. Contam com cerca de 300 pessoas num grupo de WhatsApp e 20 associados. “O objectivo desta associação é fazer com que a Câmara perceba que também deve lutar por esta causa. A autarquia não é exatamente inimiga – o que está a ser feito é legal, mas deveria dizer à Alves Ribeiro que não devem construir e deviam alterar o PDM para salvaguardar este pinhal ou mata”, resume Bastian Jakobsen.

O Pinhal das Freiras, que já foi uma coutada de caça real, com javalis, gamos e veados em floresta de sobreiros e pinheiros, integra uma massa verde mais vasta que se estende até à Lagoa de Albufeira e que está integrada na Rede Natura 2000 sob o código PTCON0054, estando classificada como Zona Especial de Conservação (ZEC) desde 2020. No concelho do Seixal, esta área ocupa aproximadamente 1 167 hectares, representando cerca de 12% do território municipal. “Esta zona integra a Rede Natura 2000, mas isso não impede a construção. Como uma lomba na estrada, não bloqueia o caminho, mas obriga a travar e avançar com mais cuidado”, explica Sabrina. A Rede Natura 2000 é a maior rede coordenada de áreas protegidas do mundo, criada pela União Europeia, com o objectivo de preservar a biodiversidade, protegendo habitats naturais e espécies selvagens raras, ameaçadas ou vulneráveis. “Para abater árvores dentro de uma área da Rede Natura 2000, é preciso uma justificação sólida e bem fundamentada. Trata-se de uma área sensível e que exige protecção. E qualquer intervenção deve ser clara nos seus motivos.”

Nos últimos anos, foram implementadas algumas acções para valorizar o espaço do pinhal e promover o seu uso sustentável, como a criação de trilhos para caminhadas. Sabrina diz que foram criados 22 km de trilhos com financiamento europeu. “A Câmara concorreu a fundos para criar uma rede de trilhos para caminhadas. Receberam mais de 60 mil euros para criar esses trilhos e uma app. Ainda são visíveis alguns. Mas a app já não funciona”, critica, reforçando que agora todo esse trabalho, apoiado pela União Europeia, irá ao ar.

A urbanização do Pinhal das Freiras é uma intenção antiga, discutida desde a década de 1990, antes mesmo da área ser integrada na Rede Natura 2000. Em 1993, o PDM do Seixal estabeleceu a área do Pinhal das Freiras como um espaço urbano com funções mistas, incluindo residenciais, industriais e serviços de apoio à população. “É absurdo que algo decidido em 1993 ainda esteja em cima da mesa em 2025”, contesta Bastian. “Na área que já foi construída pela Alves Ribeiro, há grandes placards a vender as casas e a Natureza em redor. Portanto, a Alves Ribeiro está a vender a Natureza que quer destruir”, aponta como sendo um contra-senso.
No próximo domingo, 16 de Fevereiro, a Seixal+Verde marcou uma mobilização popular em defesa do Pinhal das Freiras com ponto de encontro às 15 horas nas bombas BP de Belverde.