A terceira ponte sobre o Tejo e um túnel entre Trafaria e Algés podem transformar a mobilidade entre as duas margens da área metropolitana de Lisboa. Mas… o que se sabe, até agora, sobre estas grandes infraestruturas?

A nova ponte entre Chelas e o Barreiro, and a túnel entre Algés e a Trafaria poderão aproximar ainda mais as duas margens da área metropolitana de Lisboa.
Entre as duas infraestruturas, apenas uma tem um horizonte mais definido: a ponte, conhecida como Terceira Travessia do Tejo, que avançará com a construção do novo Aeroporto de Lisboa. Já o túnel permanece, para já, como uma intenção do Governo, bem como uma reivindicação antiga dos municípios de Almada e Oeiras, especialmente Almada.
A nova ponte
Com a decisão de construir o novo aeroporto em Alcochete, ficou igualmente estabelecido o avanço da tão badalada Terceira Travessia do Tejo (TTT), uma nova ponte que ligará Chelas ao Barreiro, situando-se entre as duas travessias já existentes. A construção desta infraestrutura é motivada, em primeiro lugar, pela necessidade de estabelecer uma ligação ferroviária rápida entre a capital e o futuro aeroporto e também com os projectos de alta velocidade entre Lisboa e Porto. Tudo isto porque a Ponte Vasco da Gama, construída em 1998, foi feita apenas com um tabuleiro rodoviário e porque a Ponte 25 de Abril, a única ligação ferroviária entre as duas margens do Tejo, está esgotada ao nível da sua capacidade.
Se inicialmente o Governo chegou a admitir uma ponte apenas ferroviária, a opção a seguir deverá juntar a circulação de comboios à do trânsito rodoviário. É isto que, segundo Expresso, defende a Infraestruturas de Portugal (IP), que tinha sido, em Maio de 2024, mandatada pelo Executivo de Luís Montenegro para estudar a futura travessia. A componente rodoviária da TTT não é consensual no espaço público português, sobretudo porque induzirá novas viagens de carro em direcção a Lisboa – uma cidade já saturada de tanto trânsito rodoviário –, mas também porque custará mais 600 milhões de euros em relação a ter apenas comboios.

Manuel Salgado, arquitecto e ex-vereador de Urbanismo da Câmara de Lisboa, é uma das personalidades contra a componente rodoviária da TTT, que, num artigo de opinião no Expressowrote that “as avenidas e ruas de Lisboa não têm capacidade para mais uns milhares de carros. Não é verdade que seja necessária mais uma ponte rodoviária para acesso ao novo aeroporto, nem para redistribuir o tráfego entre pontes e muito menos para aliviar a 25 de Abril, que atingiu o limite de capacidade em 2008”, referindo ainda que a Ponte Vasco da Gama “foi construída prevendo a possibilidade de alargamento do tabuleiro com mais uma via em cada sentido, o que aliás foi contemplado no contrato de concessão e ainda não houve a necessidade de o accionar”.
O arquitecto escreve ainda que, “com a queda abrupta do emprego na margem Sul, depois da falência e encerramento das grandes unidades industriais nos anos 80, o efeito das pontes foi transformar a península de Setúbal num enorme dormitório, já que o emprego para milhares de pessoas que aí vivem está concentrado em Lisboa”, referindo que a TTT poderia agravar esta “suburbanização”.

Estima-se que a TTT venha a custar 2,2 mil milhões de euros, sendo considerada uma infraestrutura prioritária para o Governo. Há vários motivos para tal. Por um lado, a concessão das pontes Vasco da Gama e 25 de Abril vai terminar em Março de 2030, querendo-se integrar a terceira travessia sobre o Tejo no novo contrato de concessão a celebrar. Por outro, é preciso que a infraestrutura esteja pronta em linha com os projectos do novo aeroporto (previsto para 2034, no que depender do Governo, ou para 2037, segundo o calendário da ANA, a empresa que administra os aeroportos portugueses) e da Linha de Alta Velocidade (LAV) Porto-Lisboa, que deverá estará ficar totalmente concluída depois de 2032.
Ponte permitirá nova ligações ferroviárias
O plano prevê que a Linha de Alta Velocidade (LAV), ao chegar ao Carregado em 2032, se conecte à Gare do Oriente e siga pela nova ponte entre Chelas e o Barreiro, garantindo ligação directa ao futuro Aeroporto Luís de Camões, que substituirá o actual Aeroporto Humberto Delgado. Não está descartada a possibilidade de haver uma ligação directa da rede ferroviária a partir do carregado para o aeroporto, sem passar por Lisboa, mas a ligação rápida à capital é fundamental. A TTT fará ainda parte da LAV que se pretende estabelecer entre Lisboa e Madrid. Espera-se que, a partir de 2032, a ligação de comboio entre Porto e Lisboa seja reduzida para 1h15, enquanto uma viagem entre Lisboa e Madrid deverá ser feita em apenas 3 horas a partir de 2034, o que terá benefícios claros para a Área Metropolitana de Lisboa.
Recorde-se que a LAV Porto-Lisboa será construída em três fases, sendo o processo ainda longo. A primeira, incluindo os troços Porto-Oiã e Oiã-Soure, deve estar concluída até 2030, com as obras do primeiro dos dois troços a estar a cargo do consórcio LusoLav, que é constituído por seis construtoras portuguesas (Mota-Engil, Teixeira Duarte, Casais, Alves Ribeiro, Conduril e Construções Gabriel A.S. Couto); este mesmo consórcio poderá ficar também com o segundo troço, mas o concurso ainda não está fechado. A segunda fase, entre Soure e o Carregado, tem Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) em curso, com previsão de conclusão em 2032. O último troço, do Carregado a Lisboa, só ficará pronto após essa data, conforme já referido.

A linha Barreiro-Évora, avaliada em 1,3 mil milhões de euros, tem estudos em fase de contratação e deverá iniciar-se a AIA no segundo semestre de 2026. O Governo considera incluir a exploração comercial até Elvas na concessão (não fazer apenas um concurso de concepção e construção como no caso da LAV Porto-Lisboa), o que poderá atrair o interesse de empresas como a Brisa ou Vinci, avança também o Expresso. A ligação Évora-Elvas, que tem estado em construção e que tem conhecido sucessivos atrasos, pode ficar finalmente pronta em Setembro, mas será necessário depois fazer testes e obter as certificações necessárias para que os comboios — de passageiros e de mercadorias — comecem finalmente a circular. O Governo queria ter a ligação entre Lisboa e Madrid a funcionar em 2034; para haver comboios directos, sem necessidade de trocar na fronteira, terá de ser adoptado o Sistema Europeu de Controlo Ferroviário Europeu (ETCS, na sigla inglesa).
A terceira travessia do Tejo vai ser financiada num modelo similar ao da Ponte Vasco da Gama, ou seja, através de uma Parceria Público-Privada (PPP). No entanto, a construção da nova ponte até 2030, quando termina a actual concessão, será muito difícil, segundo o Expresso. Ainda é necessário elaborar o projeto detalhado da travessia e realizar a Avaliação de Impacte Ambiental, passos necessários ao lançamento de qualquer concurso público. No entanto, uma vez adjudicada a obra, a ponte poderá ser construída já com a nova concessão das travessias do Tejo. Actualmente, a concessão está a cargo da Lusoponte, controlada em partes iguais pela Mota-Engil e pela Vinci, que também detém a ANA.
Infraestrutura | Forecast |
---|---|
Aeroporto Luís de Camões (novo aeroporto de Lisboa) | 2034, no que depender do Governo; 2037, nas previsões da ANA |
Third Tagus Crossing (TTT) | construção poder começar o mais tardar em 2030 |
LAV Porto-Lisboa | 1ª fase (Porto-Soure) pronta no final de 2030; 2ª fase (Soure-Carregado) pronta em 2032; 3ª fase (Carregado-Lisboa-Aeroporto) só depois de 2032 |
LAV Lisboa-Madrid | 2034 |
O túnel Trafaria-Algés
A oeste da Ponte 25 de Abril, está a ser proposto um túnel imerso entre Trafaria, em Almada, e Algés, em Oeiras. Não se trata de uma ideia nova, mas de uma reivindicação antiga das autarquias de Almada e de Oeiras, em particular da primeira – a Presidente da Câmara de Almada, Inês de Medeiros, tem vindo a defender em várias intervenções públicas essa infraestrutura, até como forma de levar o MTS, o metro ligeiro de superfície que percorre os concelhos de Almada e do Seixal, até à Margem Norte, a partir da Trafaria.

Segundo avançou recentemente o Jornal Económico, o governo de Luís Montenegro prepara-se para incluir o referido túnel num pacote de infraestruturas rodoviárias que será brevemente anunciado ao país. Este túnel rodoviário permitiria a ligação da CRIL, que termina em Algés, à A33, a sul, e permitirá dar resposta a uma necessidade do tráfego que hoje atravessa a Ponte 25 de Abril: 80% do mesmo tem origem nos concelhos de Almada e Seixal, e 37% dos veículos que a atravessam a ponte têm como destino Oeiras, Cascais e Sintra.
A Câmara de Almada estima um custo de 1,1 mil milhões de euros para a construção do túnel, com um prazo previsto de sete anos. O projecto é apoiado também por Isaltino Morais, Presidente da Câmara de Oeiras, que considera a infraestrutura vital para o desenvolvimento económico e tecnológico da área metropolitana de Lisboa.
Manuel Salgado, no já referido artigo de opinião no Expresso, defende o túnel para fechar o “anel rodoviário” da as duas margens, entre a CRIL/IC17 (Circular Regional Interior de Lisboa) e a CRIPS/A33 (Circular Regional Interior da Península de Setúbal). “Se ligarmos a A5 e a CRIL à CRIPS/A33 pelo túnel Algés-Trafaria, este passará a ser o caminho mais curto, directo e rápido para as centenas de milhares de pessoas que habitam no eixo Oeiras-Cascais e Amadora-Sintra que se queiram deslocar de carro ao aeroporto. A VG [Vasco da Gama] passaria apenas a servir o tráfego com a origem a norte de Lisboa, porque do Carregado ao futuro aeroporto já há ligação direta com a A10/A13. O túnel aliviará tanto a ponte 25 de Abril como a VG, fechando o anel rodoviário que ligará as duas margens.”
Ainda que menos falado, o túnel Trafaria-Algés poderia permitir levar o MTS para a outra margem, ligando-o à rede do Metro de Lisboa através da Linha Vermelha, à Linha de Cascais e também ao LIOS, bem como a todos os autocarros da Carris e Carris Metropolitana. Algés já é hoje uma importante interfaces de transporte na área metropolitana de Lisboa.
Túnel, ponte ou nada disso?

Na sequência das notícias que vieram a público sobre a TTT com perfil rodoviário e o túnel Trafaria-Algés, a associação ambientalista ZERO emitiu um comunicado considerando “inaceitável que, num momento em que as emissões do setor dos transportes colocam gravemente em risco as metas climáticas do país, sejam apresentadas ideias que agravariam seriamente esses riscos através do aumento de capacidade dos acessos rodoviários à capital do país”.
“Quando a principal prioridade em mobilidade urbana deve ser a redução significativa do uso de transporte individual, a diminuição dos tempos de viagem no transporte público e compartilhado, além da eletrificação dos veículos de grande circulação, é incompreensível que se invista tempo e recursos na busca por formas de financiar grandes obras, como a construção de rodovias entre Algés e Trafaria e na ponte ferroviária essencial Barreiro-Chelas, que inevitavelmente aumentariam o uso de carros, os quais, em média, transportam apenas 1,2 passageiros”indicates.
Segundo a ZERO, o tráfego rodoviário não abrandou, mesmo com introdução do comboio na Ponte 25 de Abril. Em 1997, dois anos antes da introdução da Fertagus, circulavam por dia cerca de 150 mil veículos, quase tanto como em 2024, a que devem acrescentar-se 75 mil passageiros por dia que utilizam os comboios que entraram em serviço há pouco mais de 25 anos.
Year | 25 de Abril (veículos/dia) | Vasco da Gama (veículos/dia) | Total de veículos/dia | Passageiros ferroviários/dia |
---|---|---|---|---|
1997 | ~150.000 | 0 | ~150.000 | 0 |
2008 | 152.246 | 64765 | 217.011 | 62.971 |
2019 | 140.627 | 68.638 | 209.265 | 65.708 |
2023 | 146.491 | 70.928 | 217.419 | 73.922 |
“Para além do importante aumento de população nos concelhos da margem sul do Tejo nos últimos 25 anos, também o fim gradual do teletrabalho que várias empresas começam a impor, o facto de a oferta ferroviária não acompanhar o sensível aumento da procura, a inexistência de acessos dedicados ao transporte público rodoviário regular, tanto a norte como a sul das pontes, e os gigantescos e inaceitáveis incentivos que as empresas oferecerem a quem utiliza transporte individual (combustíveis, viatura e parqueamento), são aspectos que contribuem fortemente para que o congestionamento das pontes se agrave de dia para dia”refers to ZERO.
No mesmo comunicado, a associação ZERO faz algumas propostas:
- a TTT ser exclusivamente ferroviária, ajudando a estruturar o sistema de transporte público na área metropolitana;
- a nova ponte deveria vir acompanhada do prolongamento do MTS até ao Lavradio, no Barreiro, da reactivação do ramal ferroviário do Montijo, bem como da duplicação e prolongamento do actual ramal da Siderurgia, em Paio Pires;
- reforçar a capacidade do serviço ferroviário da Fertagus com mais carruagens;
- investir nos interfaces metro-comboio de Alvito/Alcântara Terra, Campolide e Olaias/Chelas que serão cruciais para colocar mais comboios na atual e futura ponte;
- investir na criação de corredores BUS, dedicados ao transporte público rodoviário, tanto a norte como a sul das travessias sobre o Tejo;
- as portagens devem ser diferenciadas consoante a taxa de ocupação dos veículos que atravessam as pontes.
E os barcos?

Pouco faladas têm sido as travessias fluviais por transporte público. Há décadas que não é feita qualquer revisão das ligações entre as duas margens, mantendo-se os barcos entre o Barreiro e o Terreiro do Paço, entre Cacilhas, Seixal e Montijo e o Cais do Sodré, e entre Trafaria, Porto Brandão e Belém. O cais fluvial do Parque das Nações deixou de funcionar pouco depois da Expo’98. Continua a não existir qualquer ligação fluvial entre o Seixal e o Barreiro, ou entre o Barreiro e Cacilhas, ou entre o Parque das Nações e Belém, ou entre a Trafaria e Algés.

A este propósito, Inês de Medeiros, Presidente da Câmara de Almada, abordou recentemente a necessidade de estabelecer uma ligação fluvial entre a Trafaria e a margem de Oeiras. Mas, para tal, seriam precisos novos barcos, mas nada está previsto nesse sentido.
A ausência de novas ligações fluviais reflecte uma lacuna na mobilidade metropolitana, deixando por explorar o potencial do Tejo e ignorando as necessidades de uma população crescente de um lado e do outro do rio. Sem investimento e planeamento estratégico, o Tejo continua a ser um obstáculo mais do que um elo de ligação, adiando soluções que poderiam aliviar a pressão sobre as infraestruturas rodoviárias e ferroviárias, e ser uma alternativa à construção de pontes e túneis.