A semana passada foi marcada pela controvérsia em torno dos jacarandás da Avenida 5 de Outubro. Com uma petição a reunir já mais de 50 mil assinaturas, a Câmara de Lisboa tem procurado fazer gestão de crise. O transplante das árvores começou e foi suspenso, e surgiram novas informações sobre a polémica. Como pode ter sido difícil acompanhar tudo, fazemos neste artigo um resumo dos últimos dias.

A polémica dos jacarandás da Avenida 5 de Outubro, em Lisboa, ganhou uma proporção inesperada na última semana, mobilizando já mais de 50 mil pessoas em torno da petição online lançada contra a remoção de 47 árvores devido à construção de um parque de estacionamento subterrâneo pela promotora Fidelidade Property.
Face à dimensão da controvérsia, a Câmara de Lisboa tentou em modo de gestão de crise, com uma conferência de imprensa na terça, publicações nas redes sociais ao longo da semana, uma ida de Carlos Moedas à SIC Notícias, a organização de duas sessões públicas de esclarecimento (que foram, entretanto, transformadas numa única sessão, adiada para esta semana), e a plantação de 15 jacarandás junto à estação de Entrecampos na sexta e sábado.
Ao mesmo tempo, foram divulgadas novas informações pela comunicação social, indicando que, ao contrário do que tem sido alegado pelo Executivo de Carlos Moedas (PSD), a Câmara de Lisboa já defendia a alteração do projecto para salvar os jacarandás ainda no mandato de Fernando Medina (PS), discordando da proposta da Fidelidade Property para abater as árvores.
Entretanto, no final da semana, iniciou-se o transplante de alguns dos jacarandás da 5 de Outubro, o que indignou a população por esses trabalhos não terem sido realizados depois das anunciadas sessões de esclarecimentos. Essa situação levou à apresentação de uma providência cautelar pelo PAN e à suspensão temporária dos trabalhos pela Câmara.

Recorde-se que o projecto da Fidelidade em Entrecampos, que envolve a construção de lotes de escritórios e habitação além de um parque de estacionamento subterrâneo, prevê a remoção de 47 das 75 árvores existentes no troço da Avenida 5 de Outubro, entre as avenidas Álvaro Pais e Forças Armadas. Dessas 47 árvores – maioritariamente jacarandás –, prevê-se o abate de 25 exemplares e do transplante de 20. Só 30 dos 75 exemplares serão preservados. A obra promete a replantação de 39 novas árvores no separador central e de 49 ao longo dos passeios, pelo que, após 2027, quando o parque de estacionamento estiver pronto e aquele troço da 5 de Outubro reperfilado, a avenida passará a contar com 118 árvores.
Mas estes argumentos, e os renders apresentados pela autarquia, não convencem a população.
1 – a maior petição online de sempre em Lisboa
A petição pública “Não ao abate dos jacarandás da Av. 5 de Outubro” é já a maior petição de sempre em Lisboaby bringing together mais de 53 mil assinaturas à data deste artigo. No texto da petição, pode ler-se:
“Esta é uma carta aberta de cidadãos preocupados com a sua rua. Foi escrita no Dia da Árvore por moradores da Avenida 5 de Outubro que temem que a pouca qualidade de vida que esta avenida ainda oferece seja atacada por escolhas incompreensíveis por parte da sua Câmara Municipal. Subscrevem esta carta também munícipes que viveram nesta rua, transitam nela com frequência ou que simplesmente partilham esta mesma preocupação. Em causa está o abate de árvores adultas, mas também a falta de comunicação sólida e de prestação de esclarecimentos acerca do assunto.”

Os primeiros signatários são Madalena Meneses, Nuno Prates, Pedro Beirão, Pedro Franco, Sara Moinhos e Vera Ramires, que têm sido bastante activos nas respectivas redes sociais, em particular no Instagram. A petição, lançada a 21 de Março, tinha chegado às 15 mil assinaturas em apenas dois dias. Poucos dias depois, já tinha o dobro de assinaturas.
2 – a obra que começou antes das sessões públicas
A última semana foi intensa na resposta da Câmara de Lisboa à polémica.
A conferência de imprensa
Na terça-feira, 25 de março, a Câmara de Lisboa realizou uma conferência de imprensa para esclarecer os jornalistas sobre o projecto que envolve a construção de um parque de estacionamento subterrâneo, bem como o abate e transplante de 75 jacarandás. Nesse momento, liderado pela Vereadora do Urbanismo, Joana Almeida, foram transmitidas essencialmente três mensagens:
- that construção do estacionamento subterrâneo iria avançar independentemente da controvérsia, e com os abates e transplantes já anunciados;
- that the actual Executivo municipal salvou jacarandás ao reformular o plano inicial. Segundo Joana Almeida, “não queremos perda de identidade e o jacarandá é a nossa identidade. No nosso executivo salvamos jacarandás e é essa a mensagem de hoje. Estamos a salvar jacarandás”, disse a vereadora, reforçando que “este Executivo fez uma exigência ao promotor, a Fidelidade, no sentido de salvar mais jacarandás” and that “o projecto foi alterado para salvar mais jacarandás”;
- that, com a promotora da obra, a Fidelidade foi acordada a plantação de “mais de 200 jacarandás” pela cidade como medida compensatória. Estes jacarandás estarão “em viveiro” e são pagos pela Fidelidade.
As sessões públicas
Nessa conferência de imprensa, foram ainda anunciadas duas sessões públicas, ambas a terem lugar ao final do dia no pequeno auditório do Centro de Informação Urbana de Lisboa (CIUL): uma seria na sexta, dia 29 de Março; a outra na quarta-feira desta semana, dia 2 de Abril. Estas duas sessões foram, à última hora, canceladas e concentradas numa única, a decorrer esta semana, como detalharemos mais adiante.
O início dos trabalhos
Apesar da marcação dessas duas sessões, na manhã de quinta-feira, dia 28, os peticionários e demais cidadãos foram surpreendidos pelo início dos trabalhos de remoção e transplante de jacarandás. Algumas árvores foram isoladas dentro de um perímetro de trabalhos, e em torno de uma delas começou a escavação da terra para isolar as principais raízes. O início dos trabalhos contrariou declarações de responsáveis da Câmara de Lisboa, que haviam indicado que os primeiros transplantes ocorreriam apenas na semana seguinte.



3 – a providência cautelar e as obras suspensas
No final da semana, o PAN avançou com uma providência cautelar contra os trabalhos de remoção de jacarandás que tinham sido iniciados na Avenida 5 de Outubro. Uma providência cautelar é um procedimento judicial que, mediante decisão, permite a suspensão de uma obra em curso. Consoante essa decisão seja favorável ou não aos factos apresentados no texto da providência cautelar, a obra poderá ser retomada ou suspensa definitivamente.
Ao mesmo tempo que deu entrada da providência cautelar na sexta-feira, a transplantação foi suspensa pela Câmara de Lisboa. Entre quinta e sexta, apenas uma árvore tinha sido intervencionada, com as suas raízes a terem sido isoladas através da remoção da terra num perímetro circundante. Essa terra foi posteriormente reposta e a árvore regada. O estaleiro e perímetro da obra mantém-se, agora com um gradeamento reforçado em torno do local.



Segundo o DN, o PAN alega que “os jacarandás da Avenida 5 de Outubro possuem um valor ecológico, paisagístico e cultural inestimável”and that “a substituição destas árvores por eventuais novos exemplares não mitiga o impacto imediato da remoção e abate, uma vez que os benefícios ambientais fornecidos por árvores maduras, tais como sombreamento, redução de temperatura urbana e sequestro de carbono, são insubstituíveis a curto prazo”.
“Pararam as obras! Demos entrada da Providência Cautelar e as obras pararam!”, festejava o PAN numa publication nas redes sociais na sexta. No entanto, a suspensão das obras terá partido da Câmara de Lisboa, fruto da intensificação da polémica.
4 – os documentos que contrariam Moedas
A polémica dos jacarandás levou Carlos Moedas aos estúdios da SIC Notícias. O Presidente da Câmara foi entrevistado em relação a vários temas da cidade, e claro que a controvérsia da 5 de Outubro não ficou de fora. O autarca culpou os seus antecessores pela tomada de decisão que está a indignar milhares de pessoas. “A questão é que aquele projecto foi aprovado muito antes de eu chegar. É um projecto que não tem que ver com este Executivo da Câmara. Esse projecto inicial, sim, previa abater 75 jacarandás“said Moedas. “A cidade naquela zona vai ficar muito mais verde, com muito mais área pedonal, vai ficar muito melhor.”

“Quando cheguei a Lisboa, o que vi é que era preciso retirar 75 jacarandás. E eu não quis. Reduzi tudo para só tirar 25. E exigir ao promotor imobiliário para plantar 200 na cidade”, reiterou o Presidente da Câmara. “Este foi um projecto anterior que estou a tentar melhorar”, sintetizou e disse que “vai haver mais 200 jacarandás na cidade graças a este projecto”.
Essa informação de que o projecto foi alterado para proteger os jacarandás constava do relatório elaborado recentemente pelo Departamento de Estrutura Verde e que foi publicado juntamente com o anúncio do abate, como detalhámos aqui. Mas a história está contada pela metade. É que a comunicação social teve acesso a documentação de 2019 e 2021 que detalhava que já nessa altura a autarquia batia o pé à Fidelidade para proteger as 75 árvores da Avenida 5 de Outubro.
O relatório de passagem de pastas do pelouro do Urbanismo, elaborado em 2021 no final da governação socialista e divulgado pelo jornal Observador no final da semana passada, mostra que, em 2019, a liderança de Fernando Medina (PS) considerava “inaceitáveis” uma série de condições do promotor, entre elas o abate dos jacarandás para a construção do estacionamento. No documento, disponível em baixo, pode ler-se que a Fidelidade pretendia o “abate de praticamente todas as árvores do separador central da Avenida 5 de Outubro e a ocupação de grande parte do seu subsolo”, propondo-se, para evitar tal situação, “alterar as rampas de acesso ao parque”. O relatório do gabinete de Ricardo Veludo, o anterior Vereador do Urbanismo, pode ler-se que o alinhamento arbóreo em questão “está protegido pelo artº 16 do RPDM e as intervenções nas imediações do mesmo estão condicionadas ao cumprimento do Regulamento Municipal do Arvoredo de Lisboa”.

No mesmo documento surge já referida a promessa da Fidelidade de replantar árvores novas “nos locais em que seja possível no separador central” e num ”novo alinhamento num dos passeios laterais da Avenida 5 de Outubro”, mas insistia o anterior Executivo Municipal que essas “pretensões” do promotor contrariam o já referido RPDM (Regulamento do Plano Diretor Municipal). Note-se que o artigo 16º do RPDM indica que “devem ser mantidos os eixos arborizados existentes e qualquer intervenção nestes eixos deve assegurar a manutenção e consolidação dos alinhamentos arbóreos em caldeira ou em canteiro e promover o aumento da superfície permeável”.
Ou seja, quando o PS liderava a Câmara de Lisboa, o abate de árvores proposto pela Fidelidade era considerado inaceitável.

Entretanto, num parecer de Março de 2019 do Departamento de Estrutura Verde da Câmara de Lisboa, divulgado pela revista Visão, mostra que os serviços camarários propunham a alteração do projecto do parque de estacionamento para manter as árvores. No intitulado “Relatório de Avaliação Visual de Arvoredo Envolvido no Projecto da Unidade de Execução de Entrecampos”, pode ler-se que “este alinhamento de jacarandás é um dos alinhamentos arbóreos marcantes na época de floração desta espécie”, which a própria Câmara “tem vindo a utilizar a beleza dos alinhamentos de jacarandás como uma imagem de marca da cidade”, e que a Avenida 5 de Outubro é “uma pérola de arborização urbana resiliente”.

No mesmo relatório, menciona-se que foi realizada uma vistoria às 132 árvores envolvidas na construção do parque de estacionamento previsto para a zona, resultando num parecer final que recomenda a revisão da obra para preservar todos os exemplares. A maioria das árvores encontrava-se em boas condições fitossanitárias ou necessitava apenas de poda. “Propõe-se que este projecto seja revisto, de modo a manter estes exemplares arbóreos intocáveis, quer ao nível do seu raizame, quer ao nível da copa”, refere-se nas conclusões do documento, segundo a Visão e o Observador (que também leu).
O documento do Departamento de Estrutura Verde da autarquia esclarece ainda que “a proximidade de implantação do parque de estacionamento subterrâneo ao alinhamento do arvoredo da Avenida 5 de Outubro, irá causar danos irreversíveis às árvores por afectar uma parte importante do seu sistema radicular”, e diz que, ao todo seriam afetadas, “cerca de 91 árvores de grande porte”. O documento lembra que a “remoção de exemplares arbóreos em bom estado (abate ou transplante)” tem de “ser sempre submetida a autorização” do Presidente da Câmara, que é agora Carlos Moedas.
Tanto a Visão como o Observador dizem que contactaram a Câmara de Lisboa, mas que ficaram sem resposta.
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5 – os jacarandás plantados e a nova sessão pública
Numa resposta de crise a toda a polémica, a Lisbon Chamber announced a plantação de 15 novos jacarandás em dois terrenos ao lado da estação de comboio de Entrecampos, junto à Avenida 5 de Outubro. Esta plantação foi realizada entre esta sexta e sábado, dias 28 e 29 de Março.

Segundo a autarquia, está ainda garantida a plantação de mais 200 jacarandás em diversos locais da cidade de Lisboa, ainda por definir. A Vereadora do Urbanismo detalhou, na conferência de imprensa, que estes 200 jacarandás encontram-se em viveiro e que serão pagos pela Fidelidade.
Na sexta-feira, ao final do dia, a sessão pública que iria decorrer dentro de poucas horas foi adiada, “tendo em conta o número de pessoas inscritas e as muitas que ficaram sem conseguir ter acesso devido à limitação de lugares da sala”, informava a Câmara de Lisboa. “Foi decidido o adiamento e concentração numa única sessão técnica de esclarecimento”, que irá decorrer no Fórum Lisboa, na próxima quarta-feira, 2 de Abril, a partir das 18h30. The inscrições podem ser feitas here.
6 – as notícias internacionais
A história dos jacarandás da 5 de Outubro têm sido notícia na imprensa nacional generalista, em particular nas principais televisões, mas também em alguns jornais estrangeiros, nomeadamente em dois jornais franceses, o Courrier International and in the Le Figaro.