Número de pessoas sem-abrigo em Lisboa desce 7,6%, mas dados geram dúvidas

O número total de pessoas em situação de sem abrigo em Lisboa desceu 7,6% em 2024, revelam os dados do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA). Carlos Moedas diz que “são números bons” mas não chega; PS e BE deixam várias questões.

Em Santa Apolónia, a problemática dos sem-abrigo nunca foi solucionada (fotografia LPP)

O número de pessoas em situação de sem abrigo na cidade de Lisboa baixou. Eram, a 31 de Dezembro de 2024, 3 122 pessoas, menos 7,6% do que em relação há um ano. A maior parte das pessoas nesta situação continua a viver em alojamentos temporários – são 2 683. Mas o número de pessoas acolhidas também baixou. Na rua, também diminuiu o número de pessoas a viver sem tecto – são agora 439 pessoas, menos 20% do que no final de 2023.

Os dados constam do inquérito anual de caracterização da população em situação de sem abrigo, realizado pelo Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) de Lisboa, isto é, pelo conjunto de entidades que dão resposta a esta problemática. Integram o NPISA a Câmara de Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e todos os parceiros que têm intervenção directa em contexto de rua ou que gerem respostas de alojamento.

O relatório referido foi tornado público pela Câmara de Lisboa. Aos jornalistas, Carlos Moedas, Presidente da autarquia, referiu que “são números bons”, mas assegurou que “obviamente que não chega”. “Eu não me sinto ainda satisfeito. Ninguém se pode sentir satisfeito quando ainda há pessoas que estão nesta situação”, salientou, citado pela agência Lusa.

Year2019*2020*2021*2022*2023*2024*
Pessoas em situação de sem tecto**465447307394594439
Pessoas em situação de sem casa***2 7133 3643 0212 7442 7842 683
Pessoas em situação de sem abrigo3 1783 8113 3283 1383 3783 122
*os dados são do inquérito anual de caracterização da população em situação de sem abrigo, realizado pelo Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) de Lisboa, e têm sempre como referência o último dia do ano a que dizem respeito – ou seja, 31 de Dezembro;
**pessoas em situação de sem abrigo que vivem no espaço público, num abrigo de emergência ou estão num local precário;
***pessoas em situação de sem abrigo que vivem num alojamento temporário.

De 2022 para 2023 tinha-se verificado um aumento de 7,7% de pessoas em situação de sem abrigo na cidade de Lisboa. De 2023 para 2024 verificou-se o inverso, uma diminuição de 7,6%. “O total de PSSA [Pessoas em Situação de Sem Abrigo] apresentou flutuações moderadas ao longo do período de 2021 a 2024”the report says. “A percentagem de PSSA na condição de Sem Tecto aumentou de forma progressiva entre 2021 e 2023, correspondendo a um aumento de 78,5%”, assinala o mesmo documento, referindo que, apesar de o número continuar “substancialmente acima dos níveis de 2021 e 2022”, foi registada em 2024 “uma redução de 19,9% face a 2023”. “Por outro lado, a percentagem de PSSA na condição de Sem Casa mostrou um decréscimo progressivo, entre 2021 e 2024 com menos 11,2% de PSSA nesta condição”, excepto no ano de 2023 em que “se verificou um aumento de 3%”.

Carlos Moedas sublinhou as 312 tendas retiradas da cidade de Lisboa no último ano, frisando que, mais do que retirar tendas, se conseguiu “dar solução às pessoas de ficarem numa pensão, ou num hostel, ou numa solução de acolhimento”. “Falámos muito da Igreja dos Anjos, foram mais de 100 tendas que foram retiradas na altura à volta da igreja, mas foram sobretudo mais de 300 na cidade. É um trabalho de uma equipa que constituímos, uma equipa que trabalha no dia-a-dia”, disse ainda aos jornalistas.

O Regueirão dos Anjos, agora sem tendas (fotografia LPP)

Segundo o Presidente da Câmara, os números mostram que a situação voltou “aos níveis de antes da pandemia” e que reflectem o trabalho que está a ser feito pela autarquia e parceiros do NPISA, como o Plano Municipal para a Pessoa em Situação de Sem-Abrigo, que prevê um investimento de 70 milhões de euros em sete anos, entre 2024 e 2030. Disse ainda que, em relação a 2021, o número de vagas de acolhimento aumentou de 800 para 1 200.

A maioria das pessoas em situação de sem abrigo continuam a ser homens solteiros entre os 45 e 64 anos. Mais de metade são de nacionalidade portuguesa e uma fatia considerável tem apenas o ensino básico feito. Uma percentagem elevada de pessoas chega à situação de sem abrigo por desemprego ou precariedade laboral, existindo também muitas situações de dependência de álcool ou de substâncias psicoactivas. Ausência de suporte familiar, problemas de saúde mental e situação de imigração não regularizada são outras das causas por detrás deste fenómeno social.

Oposição levanta questões sobre os dados

Partidos que se sentam à esquerda na Câmara de Lisboa questionaram os dados apresentados por Carlos Moedas. Em comunicado, os Vereadores do PS indicam que os dados contrariam “o que tem vindo a ser denunciado pelas organizações no terreno e o que está à vista em Lisboa”. “A confirmarem-se tais dados, são notícias positivas, embora o relatório mostre uma realidade complexa e muitos sinais de alarme que suscitam ao PS várias dúvidas e muitas preocupações”, acrescentam ainda os socialistas.

At “análise aos três anos da gestão de Moedas”, o PS evidencia que “a redução das pessoas em situação de sem abrigo assenta sobretudo na redução da população sem casa (11,2%)”, mas que as “o número de pessoas sem tecto aumentou 43% desde o ínicio do mandato”

“E não é sério comparar com um ano anterior para afirmar que houve redução de 20%, quando os dados demonstram que aumentou de forma dramática o número de pessoas em situação desesperada, que vivem nas ruas, em abrigos de emergência ou locais precários, sem qualquer resposta social”, indicam os vereadores socialistas. “Suscita ainda muito preocupação que se afirme que, ao mesmo tempo que existem hoje mais respostas, aumente de forma expressiva o número de pessoas sem qualquer resposta.”

Ainda segundo o PS, é referido que, em 2021, a governação socialista de Fernando Medina deixou 983 vagas e não se encontram “evidências de que os Novos Tempos tenham feito mais do que 104 vagas nos últimos três anos”, referindo que existem agora 1087 vagas. Os Vereadores do PS referem que a diferença substancia-se apenas na resposta housing first (+60 vagas) e na criação de dois novos centros de acolhimento, um focado na população empregada (+15 vagas) e outro nas pessoas que chegaram à situação de sem abrigo muito recentemente (+28 vagas).

Existem 3 122 pessoas em situação de sem abrigo em Lisboa (fotografia LPP)

Por sua vez, a vereadora do Bloco de Esquerda (BE), Beatriz Gomes Dias, solicitou esclarecimentos sobre os números revelados, referindo, num requerimento apresentado ao Presidente da Câmara, que “os dados apresentados são muito diferentes da realidade no terreno que é relatada pelas associações, que reportam um agravar das situações sociais, com mulheres grávidas e menores em situação de sem tecto”.

No mesmo requerimento, o BE alega que “houve alterações relevantes na resposta às pessoas em situação de sem abrigo em Lisboa que podem estar a influenciar os dados”, mencionando três factores: em first, “a dificuldade sentida pelas equipas de rua que cobrem hoje um território menor e, logo, têm menos capacidade de apoiar e contabilizar as pessoas em situação de sem abrigo”; in according to, “a não atribuição por parte da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa de um gestor de caso às pessoas migrantes, não as contabilizando como pessoas em situação de sem abrigo”; and, in third, “a não contabilização das pessoas que estão em situação de sem teto em Lisboa mas que não têm morada na cidade de Lisboa como pessoas em situação de sem abrigo no município”.

Os bloquistas indicam que “o número de pessoas sem teto (a dormir na rua ou em situações precárias) aumentou 78,5% entre 2021 e 2023 e só conheceu uma descida em 2024 (de 548 para 439), mantendo-se, ainda assim, acima dos níveis de 2021 e 2022”and that “apenas 43 pessoas conseguiram obter habitação permanente durante todo o ano de 2024, o que representa um resultado marginal face ao universo total de 3 122 pessoas”

“A maioria das pessoas em situação de sem-abrigo encontra-se em quartos pagos em pensões, hostels e alojamentos precários, não sendo possível considerar essas respostas como soluções estruturais ou dignas”, adiciona o BE, lamentando ainda que “são cada vez mais frequentes as situações de pessoas a viver nos hospitais por falta de alternativas, realidade que profissionais de saúde e associações têm vindo a denunciar com preocupação crescente”.

Os novos números de pessoas em situação de sem abrigo foram discutidos na reunião pública camarária de 28 de Maio, que pode ser assistida here. Em resposta às dúvidas dos socialistas, a Vereadora Sofia Athayde, responsável pela pasta dos Direitos Sociais, explicou o número das 1200 vagas. “Temos 1100 respostas de acolhimento de suporte habitacional, temos 77 habitações municipais que já estão atribuídas e com pessoas a viver, e tempos mais 23 em espaço municipal, ou seja, 1200 vagas, como o Sr. Presidente tem dito”, referiu. Sobre as dúvidas do BE quanto às contagens, a autarca disse que “o lançamento do inquérito e a definição dos indicadores é da responsabilidade da Estratégia Nacional [para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo]”and that “a contagem é efectuada por técnicos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, da Câmara Municipal e do Instituto da Segurança Social, em articulação com as IPSS que estão dia e noite no terreno”.

Já Carlos Moedas reiterou que os dados são “boas notícias”because “tivemos anos em que as pessoas em situação de sem abrigo aumentaram muito na cidade”, fazendo um “agradecimento às equipas da Câmara Municipal” from “trabalho único” que têm desenvolvido e por terem “ultrapassado em muito a própria função delas”, salientando que “o que nos conseguimos fazer à volta da igreja dos anjos foi um trabalho de um a um”.

Gostaste deste artigo? Foi-te útil de alguma forma?

Considera fazer-nos um donativo pontual.

IBAN: PT50 0010 0000 5341 9550 0011 3

MB Way: 933 140 217 (indicar “LPP”)

Ou clica aqui.

Podes escrever-nos para mail@lisboaparapessoas.pt.

PUB

Join the LPP Community

The newsletter is the meeting place for almost 3,000 people.