Mora na Avenida das Forças Armadas e apresentou, à Câmara de Lisboa, soluções para vários problemas que identifica à porta de casa. Todavia, apesar de a sua iniciativa cívica ter sido elogiada por alguns vereadores, queixa-se de uma aparente inércia da autarquia em resolver as questões levantadas. Sente-se frustrado, mas não baixou os braços…

E o leitor, o que mudaria à porta de sua casa? Nem todos teremos pensado nisto. Alguns não terão tempo, com a azáfama e os problemas do dia-a-dia. Outros somente não terão interesse nessas questões. Mas há quem tenha disponibilidade e vontade; há quem queira envolver-se para melhorar a sua rua, o seu bairro, a sua cidade, sonhando, talvez, com a possibilidade de serem espaços mais agradáveis para caminhar, estar, viver. Há quem se mexa com ideias e propostas, encontrando depois barreiras junto das autarquias locais, seja na Câmara Municipal, seja na Junta de Freguesia. “É frustrante”, lamenta Pedro Franco.
Quando da sua janela Pedro observa a Avenida das Forças Armadas, vê um grande campo de asfalto que serve uma das principais vias rodoviárias de entrada e saída da cidade, onde se praticam velocidades excessivas. E, às vezes, ambulâncias presas no congestionamento que ali se verifica quase todos os dias, de manhã e de tarde. Ou zonas pedonais cujos míseros metros quadrados não servem as pessoas que por ali circulam. Ou peões a atravessar seis vias de trânsito fora das passadeiras porque existe falta delas. “A forma como esta avenida está hoje desenhada não é um mal necessário. É uma opção política”, aponta ao LPP.

Pedro Franco tem 28 anos, está a fazer um doutoramento e trabalha a partir de casa na maior parte dos dias da semana. Por isso, consegue estabelecer uma relação mais próxima com a vizinhança urbana. As janelas de casa conferem-lhe algum sossego, abafando parte do ruído exterior e que, diz, está acima dos níveis legais, não só devido ao tráfego rodoviário mas também à proximidade com o aeroporto – os dados da Câmara confirmam esta afirmação. Também de acordo com informação oficial do município, a Avenida das Forças Armadas está entre os pontos mais críticos da cidade no que toca a qualidade do ar.
São vários os problemas que Pedro identificou na Avenida das Forças Armadas e que levou a uma reunião pública da Câmara Municipal em Dezembro de 2022. Aos vereadores, além do seu diagnóstico, apresentou um conjunto de soluções, focando-se sobretudo na questão da insegurança do eixo. “A proximidade com vias rápidas não pode justificar os perigos que se criam a tantos cidadãos. Pede-se uma acção urgente”, referiu o jovem na altura. O Vereador que à data tinha o pelouro da Mobilidade, Ângelo Pereira, concordou com as questões levantadas e prometeu a Pedro uma reunião com os serviços adequados da Câmara, para que lhe fossem apresentados projectos já pensados e discutidas novas soluções. Pedro diz que essa reunião existiu, mas que não teve nenhuma consequência prática. A Avenida das Forças Armadas ficou igual: sem lombas, sem radar, sem aumento das áreas para caminhar, sem a criação de mais atravessamentos pedonais – as suas principais reivindicações.

Outros pontos que Pedro gostaria de ver aplicados é o reforço da arborização e das áreas permeáveis, para fortalecer a drenagem numa zona que tem potencial de cheias; e ainda a criação de passeios contínuos, a melhoria da semaforização a favor dos peões, ou a resolução das esplanadas que encurtam o espaço de circulação espaço aos passeios. “A intervenção que fiz na Câmara foi elogiada, mas até hoje nada foi feito – aliás, o pouco que foi feito, piorou a circulação segura nesta zona.” Pedro refere-se aos tapumes das obras que começaram nos antigos terrenos da feira popular e que encurtaram o passeio, empurrando, por vezes, os peões para o canal rodoviário.
O munícipe de 28 anos não baixou os braços, juntou algum apoio de vizinhos e quis recolher alguns dados por si mesmo. Arranjou um sensor (Telraam) que, a partir da janela do prédio e de um modelo de inteligência artificial, permite medir quantos veículos e pessoas passam no espaço público, registando também as suas velocidades. E descobriu em 13 dias e meio de contagens, que passaram mais de 200 mil carros pela Avenida das Forças Armadas e que, desses, 40% circulou acima do limite de velocidade de 50 km/h. Mais: cerca de 6,5% passou mesmo acima dos 70 km/h – foram 13 700 mil viaturas, ou seja, mais de 1000 carros por dia em excesso elevado de velocidade. Olhando só para um dia de contagem (8 de Outubro), o sensor de Pedro detectou 59% carros acima dos 50 km/h e 13% acima dos 70 km/h.

Para Pedro, estes valores são preocupantes, até porque, como refere a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) e outras entidades conceituadas, um atropelamento por uma viatura a 70km/h é incontornavelmente letal. Segundo a Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), quatro pessoas morreram na Avenida das Forças Armadas, vítimas de atropelamento, entre 2010 e 2016; nesse período, registaram-se 34 atropelamentos e 111 sinistros. É um dos 20 arruamentos de Lisboa com maior sinistralidade. “Esta avenida é um incentivo ao acelerador.”

O jovem munícipe gostaria de ver a Câmara de Lisboa a dar atenção à Avenida das Forças Armadas, que tem vindo, nos últimos anos, a ganhar importância na cidade. Nas imediações, houve construção de nova habitação municipal de Renda Acessível; estamos na proximidade de todo o campus da Cidade Universitária e muito perto do ISTCE que acabou de inaugurar um centro de investigação e desenvolvimento; há uma residência universitária, o Colégio Universitário Pio XII; “e também temos o Instituto Gregoriano de Lisboa”. “Diariamente vemos pessoas a atravessar as seis vias desta avenida porque faltam passadeiras”, explica, referindo que as boas práticas recomendam um atravessamento a cada 80-100 metros, mas que na Avenida das Forças Armadas essas travessias para peões encontram-se 160 metros distantes entre si. “Por esta avenida, circulam muitos estudantes, muitos jovens.” Também muito próximo desta avenida está um dos principais edifícios da Câmara de Lisboa.

Pedro tem vários problemas identificados e muitas ideias para melhorar aquele eixo rodoviário. O “mínimo” que pede são lombas e um radar. “Vimos vários radares a serem instalados na cidade mas em zonas sem acesso pedonal, enquanto que aqui esta zona continua desprotegida.” Quanto a lombas, disseram-lhe que não podiam ser colocadas ali devido à inclinação da avenida – uma explicação que não convenceu o munícipe, que vê lombas colocadas noutras artérias igualmente inclinadas da cidade. Num patamar mais ambicioso, Pedro tem a proposta de dar à Avenida das Forças Armadas um aspecto semelhante ao da Avenida 24 de Julho, na frente ribeirinha: transformar um dos sentidos da avenida num corredor BUS bidireccional, rodeado por uma ciclovia protegida; e o outro sentido ser dedicado a dois sentidos de trânsito generalizado. “Hoje temos aqui uma via BUS que não serve de muito, porque vemos os autocarros e também ambulâncias presas no trânsito dos carros”, diz, lembrando que o Hospital de Santa Maria fica no topo desta avenida.


Devido à aparente inércia da Câmara de Lisboa, Pedro decidiu inscrever-se numa nova reunião camarária para fazer um ponto de situação, mas não foi seleccionado para falar. “Parece que os assuntos que vão a estas reuniões são os que têm resposta fácil. Os de resposta difícil não são seleccionados. É fácil fazer participação pública desta forma”, questiona ao LPP. “Os responsáveis pelo alinhamento desta reunião pública recusaram-se a explicar os critérios de selecção das intervenções. Vários munícipes que intervieram nessa reunião alegaram ter-se inscrito depois de mim e já ter falado múltiplas vezes noutras reuniões públicas da Câmara sobre os mesmos temas.” Sem tempo de antena junto dos vereadores, Pedro foi à Assembleia Municipal no passado dia 10 de Outubro, onde fez uma nova exposição pública e entregou, tal como tinha feito em Dezembro, um documento detalhado do seu diagnóstico aos responsáveis políticos presentes. “Um assessor do Vice-Presidente, responsável pela Mobilidade, tomou nota das minhas propostas. Mas até hoje não fui contactado”dice.
Sem novas respostas da parte da autarquia, Pedro Franco e alguns vizinhos decidiram lançar uma petição, sintetizando as ideias que foram faladas ao longo deste artigo. E estão à procura de apoio junto da sociedade civil, tendo por esse motivo também contactado o LPP.
“Esta petição pretende salvaguardar a segurança rodoviária, sobretudo para o peão, na zona de Entrecampos e mais especificamente na Av. das Forças Armadas, onde diariamente passam mais de 1000 carros acima de 70km/h. O excesso de tráfego e velocidade descontrolada dos automóveis têm de acabar. Os planos urbanísticos para Entrecampos, no âmbito da Operação Integrada, têm de defender as pessoas que aqui vivem, trabalham, estudam e circulam sem ser de automóvel. Não aceitamos mais mortes de peões. As vidas das pessoas têm de ser poupadas.”
- petição lançada por Pedro e por alguns vizinhos
Pedro conhece o projecto de espaço público previsto para a Avenida das Forças Armadas no âmbito da Operação Integrada de Entrecampos, que está em curso e que inclui algumas melhorias para a acessibilidade pedonal e circulação rodoviária, como:
- a fixação de três vias de circulação rodoviária por sentido entre a rotunda de Entrecampos e a Avenida 5 de Outubro, o que permitirá o alargamento do corredor central arborizado;
- a viragem à esquerda da Avenida das Forças Armadas para a Avenida 5 de Outubro, de quem vem da rotunda de Entrecampos, é anulada. E o espaço público na 5 de Outubro é reorganizado com o estabelecimento de duas vias por sentido, a criação de um estacionamento subterrâneo e o aumento do espaço pedonal;
- a viragem à esquerda suprimida é substituída pelo prolongamento da Rua da Cruz Vermelha, que criará uma nova ligação entre a Avenida 5 de Outubro e a Avenida da República, retirando pressão às Forças Armadas.
Para o jovem doutorando, este redesenho urbano é a ambição mínima que se pede. Mas urgem, diz, medidas mais imediatas e eficazes de acalmia. Será que a Câmara de Lisboa vai concretizá-las na Avenida das Forças Armadas?
