Carta Municipal da Habitação de Lisboa fica na gaveta

A proposta final da Carta Municipal de Habitação de Lisboa foi retirada de votação pela Vereadora Filipa Roseta, após uma falta de consenso entre os partidos representados na Câmara Municipal. O documento, que integrava contribuições da consulta pública, não voltará a ser discutido neste mandato, ficando o debate adiado para depois das autárquicas de 2025.

Casas no centro histórico de Lisboa (fotografia LPP)

Faltava apenas um passo para a Carta Municipal de Habitação de Lisboa ficar totalmente aprovada: o documento final, revisto após a consulta pública, ter o aval maioritário do Executivo da Câmara Municipal e depois dos deputados da Assembleia Municipal. A proposta nesse sentido foi apresentada pela Vereadora da Habitação, Filipa Roseta, na reunião de Câmara desta quarta-feira, 9 de Outubro, mas acabou por ser retirada antes da votação pelos demais vereadores. “Verificou-se que não havia aqui um consenso sobre a carta, que não ia haver aqui um apoio para que esta Carta Municipal fosse para a frente, com muita pena minha”, comentou Roseta em declarações à agência Lusa.

“Depois de dois anos de muito trabalho e de muita participação, verificou-se que os partidos não querem esta Carta”, adicionou a autarca responsável pela pasta da habitação. À Lusa, Filipa Roseta adiantou que o Executivo de Moedas não vai voltar a insistir na Carta Municipal de Habitação neste mandato. Ou seja, não haverá nova proposta para fazer aprovar o documento, pelo que o tema vai ficar suspenso até às autárquicas de 2025. “Esperemos que, nas próximas eleições, as pessoas mostrem o que faz sentido nesta cidade. Se é quem faz, ou se é quem fala e não deixa fazer”dijo.

A Carta Municipal de Habitação tinha sido aprovada pela Câmara no ano passado e foi submetida a consulta pública, processo que durou até Abril. Agora, era preciso aprovar o documento final, que integrava os contributos da população. Depois, a Carta seguiria para a Assembleia Municipal, onde os deputados fariam a votação final. Caso tudo ficasse aprovado, o documento, que reúne a estratégia da cidade em matéria de habitação para os próximos 10 anos, ficaria em vigor.

O processo participativo “resultou em 88 participações formais, das quais 47 enquadradas no âmbito da CMHL [Carta Municipal de Habitação], e em debates com cerca de 98 indivíduos nas sessões participativas”, pode ler-se na proposta assinada por Filipa Roseta. “As participações recebidas foram avaliadas quanto à sua pertinência e depois de devidamente ponderadas, foi considerada a possibilidade de darem origem a alterações ao documento.”

Partidos apresentaram alterações à Carta, mas votação não chegou a acontecer

Na reunião desta quarta-feira, PS, BE e Livre apresentaram propostas de alteração à Carta. O PS queria incluir uma obrigatoriedade de até 25% de Renda Acessível em futuras operações urbanísticas relevantes e a reposição do rácio máximo de 5% de Alojamento Local para a cidade. “Com essas alterações propostas pelo PS, que representam o espírito maioritário de uma consulta pública que defendeu maior regulação do Alojamento Local, a Carta Municipal tinha todas as condições de passar. Mas Filipa Roseta e Carlos Moedas escolheram a encenação preferida ao longo destes três anos: o número teatral da vítima”, entendem os socialistas, numa nota enviada às redacções.

“Sem que se tivesse percebido porquê, e quando era expectável que a Carta Municipal de Habitação fosse viabilizada hoje, a Vereadora Filipa Roseta retirou o documento de votação. Uma patética tentativa de vitimização e criação de um facto político que não bate certo nem com o tom, nem com o teor do debate”, acrescentam os vereadores do PS no mesmo comunicado.

Por seu lado, o BE indicou, num comunicado próprio, que o Executivo de Carlos Moedas quereria aprovar a Carta “no sentido contrário ao que foi a participação na consulta pública”. “As contribuições dos munícipes na consulta pública da Carta Municipal de Habitação apontaram no sentido de uma maior restrição aos Alojamentos Locais (AL) e hotéis, uma exigência de mais habitação pública a preços acessíveis e a criação de um zonamento inclusivo, em que os promotores privados sejam obrigados a fornecer habitação para fins públicos. A participação dos munícipes vai no sentido oposto das propostas de Carlos Moedas, mostrando que Lisboa não aceita a visão ultraliberal de Moedas para a habitação e mesmo para o turismo”, escrevem os bloquistas, que acrescentam que “a participação popular deu razão” às suas propostas apresentadas em 2023, no início da discussão sobre o documento, e nas quais insistiu agora. A saber: fim da construção de habitação de Renda Acessível por privados (PRA Concessões), regulação mais rigorosa do AL e regulação da actividade hoteleira, e garantia de Zonamento Inclusivo, “assegurando habitação e capturando as mais-valias indevidas dos promotores, além da eliminação de incentivos urbanísticos que alimentam a especulação imobiliária”.

Segundo o BE, “a meio do debate, a vereação de Moedas retirou a Carta Municipal de Habitação, antes mesmo de qualquer votação das propostas da oposição”.

À Lusa, Filipa Roseta comentou que o PS fez “uma proposta para alterar números, que são objectivos e factuais, apoiados em fontes primárias como o Instituto Nacional de Estatística (INE). Queriam apagar a história. Nós não aceitamos que se apague a história”. Sobre a proposta do BE, a autarca disse que se tratou de uma discordância política, uma vez que pretendia “introduzir elementos como o fim dos programas de arrendamento acessível em regime de Parceria Público Privada (PPP) e a regulação do Alojamento Local e da actividade hoteleira”.

Em relação ao Livre, Roseta disse que a proposta não chegou a ser analisada pelo Executivo, já que “chegou uma hora após o início da reunião”. À Lusa, o partido de Rui Tavares indicou que “apresentou propostas de alteração à Carta Municipal de Habitação, dando resposta a diversos apelos de uma consulta pública muito participada e acreditando que seria possível melhorar este documento estruturante”. “Todavia, a Vereadora da Habitação decidiu retirar da reunião de hoje a carta, impedindo que as propostas fossem votadas, e sem acolher qualquer alteração, deixando Lisboa desprovida de um documento estratégico essencial para o combate à crise da habitação que se tem vindo a agravar”se lamenta.

Relativamente à queixa de quererem “apagar gráficos”, os vereadores do PS explicaram à Lusa que Câmara de Lisboa “dispõe de dados mais fidedignos e rigorosos do que o INE”. “Os dados do INE não se podem sobrepor aos do dono da obra, a Câmara Municipal de Lisboa, que como é óbvio sabe melhor do que ninguém quantos edifícios e onde construiu”, argumentaram os socialistas.

Em comunicado, os vereadores do PCP ressalvam que, mesmo sem a Carta, “não há uma única casa cuja construção fique inviabilizada, nem um único edifício de habitação pública cuja reabilitação fica interrompida ou adiada”. Mas que, sem esse documento, “há um espaço de definição de política pública local que fica por preencher, há compromissos que ficam sem balizas temporais e há a falta de um instrumento de articulação estratégica com o Governo e com os municípios da área metropolitana de Lisboa”. Os comunistas dizem que “a defesa do direito à habitação em Lisboa justifica-se com reforçada necessidade e emergência. Lisboa precisa de uma política local de habitação e a CDU aqui estará para participar na sua construção”.

“Entendemos que foi uma oportunidade perdida para a cidade de Lisboa de aprovar uma Carta que fizesse alterar as políticas e instrumentos como o Plano Diretor Municipal, o aumento substancial da habitação municipal, a regulação do Alojamento Local, a regulação do mercado imobiliário, a imposição de quotas de habitação acessível, entre outros, para dar resposta à presente crise da habitação”, apontaram os vereadores do Cidadãos Por Lisboa, citados pela Lusa.

Salgado e Sá Fernandes criticam Carta

Num artigo de opinião, lançado também nesta quarta-feira no jornal Público, Manuel Salgado e José Sá Fernandes, ex-vereadores do Urbanismo e do Ambiente na Câmara de Lisboa, durante a presidência de Medina, consideraram a Carta de Roseta “uma oportunidade perdida”, referindo tratar-se de “um manifesto de propaganda, sem orientação estratégica”. “Não é a Carta de Habitação que se exige para a actual situação de emergência”, escrevem os dois antecessores socialistas.

Salgado e Sá Fernandes apontam que a Carta se baseia no Plano Diretor Municipal (PDM) de 2012, que não reflete as mudanças no turismo, no Alojamento Local (AL) e imigração. “O PDM ainda não foi revisto, como devia ter sido em 2022, e o trabalho que os serviços desenvolveram para a sua revisão desde 2014 foi posto na gaveta. É uma carta preguiçosa”, escrevem. Os dois ex-vereadores dizem ainda que a quantificação da carência de habitação é limitada, pois considera apenas pedidos formais de casas, ignorando as necessidades não manifestadas e subestimando a procura real. “Calculando um crescimento demográfico moderado e fazendo um exercício prospetivo, rapidamente chegaremos ao dobro do número de carência indicado”, argumentam.

Os dois políticos, que fizeram parte do Executivo de Medina, dizem ainda que a Carta falha em identificar e planear o uso de terrenos do Estado, de Unidades de Execução já aprovadas e de áreas urbanizadas com potencial habitacional, subestimando a construção de fogos de Renda Acessível. “Deixemos o reparo de não haver qualquer quantificação de necessidades para as comunidades de imigrantes. É uma carta desleixada, que esquece”, acrescentam.

Por outro lado, dizem que a meta de 7000 habitações em dez anos é considerada pouco ambiciosa e incapaz de atender às necessidades da classe média e dos jovens. “O mínimo que se pode esperar é que em oito anos, dois mandatos, se construam, para renda acessível, entre 12 a 14 mil novos fogos. Este é o esforço exigível.” No artigo, criticam também a falta de uso de recursos financeiros disponíveis para habitação pública – “Nunca existiu tanto dinheiro para financiar habitação pública. Do Governo, da União Europeia, para além do orçamento municipal”, referem –, e a ausência de debate público sobre um documento de tamanha importância – “Estranha-se que um documento desta importância não seja discutido numa reunião pública. A cividade mostra-se nestes gestos.”

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