O colectivo Infraestrutura Pública desenhou um cartão de bolso com a localização e os horários dos poucos sanitários públicos gratuitos que ainda restam em Lisboa. Os cartões estão disponíveis em alguns espaços da cidade, e foram oferecidos a trabalhadores que têm a rua como escritório, como taxistas, cantoneiros e estafetas. Em parceria com o LPP, o grupo está a criar um mapa digital e comunitário com todos os WCs da cidade e da área metropolitana de Lisboa.

Onde estão os sanitários públicos gratuitos em Lisboa? Apesar de serem cada vez menos, eles continuam a existir, desempenhando um papel importante na salubridade do espaço público. Para os tornar mais evidentes para as pessoas, dois jovens decidiram imprimir mil cartões de bolso com a lista e horários “reais” dos WCs públicos gratuitos que ainda existem na cidade.
Marta e Francisco, os autores deste projecto, já não são desconhecidos de ninguém. Assinam como Infraestrutura Pública e são um pequeno colectivo que tem vindo a questionar algumas decisões do espaço público lisboeta. Ainda há pouco tempo, através de um activismo inteligente e adulto, conseguiram que a JCDecaux mudasse o banco de uma paragem de autocarro na Fontes Pereira de Melo (e, entretanto, também de outras paragens). Antes já tinham conseguido que as mesas e cadeiras da Praça Paiva Couceiro fossem repostas.
Agora, olham para a problemática dos sanitários públicos de Lisboa – ou da falta deles.
O tema não é novo para a Infraestrutura Pública, que no ano passado construiu um WC de madeira e papel e andou com ele em digressão por várias praças da capital. O objectivo, na altura, foi sublinhar a importância de haver casas-de-banho no meio urbano, sem cancelas, e mostrar que muitas ou foram fechando ao longo do tempo, ou passaram a ser pagas. Desta vez, decidiram fazer um pequeno cartão com todos os sanitários que ainda estão acessíveis, sem cancela ou pagamento, na cidade de Lisboa. E com os horários reais dos mesmos.

“Muitos sanitários públicos não têm papéis afixados na parede com os horários oficiais. E às vezes têm horas que não são realistas, porque fecham mais cedo para limpeza, etc. Então, fomos falar com quem exactamente fecha as portas, que são os empregados de limpeza e perguntar a que horas é fecham e a que horas abrem, e em que dias da semana”, explica Marta. Juntamente com Francisco, andaram durante vários meses a ligar para as Juntas para saberem que sanitários existiam em cada freguesia, e foram depois visitar um a um. “Fizemos um mapeamento das casas de banho que existem e dos horários de funcionamento.”

“Não pões uma moedinha para o teu filho andar de baloiços”
Tiveram ajuda no processo de desenho do cartão, e “malta” que contribuiu com um euro ou dois para a impressão. Fizeram mil cópias – “custou 169 euros” – e já as distribuíram todas. Colocaram os cartões em associações, espaços culturais, mercearias, talhos, farmácias, papelarias, cafés, cabeleireiros… E deram-nos na mão a “trabalhadores que têm a rua como escritório”, como taxistas, carteiros, cantoneiros, estafetas…” A recepção foi boa, no geral, dizem. “As farmácias receberam bastante bem, acham que era muito importante para a salubridade do espaço público”, conta Marta. “O centro de saúde da Baixa também foi fixe e meteu os nosso cartões ao pé de todos os panfletos sobre doenças e problemas urinários.”
“Demos a imensos taxistas que sabem perfeitamente qual é a história dos sanitários públicos de Lisboa porque viram-nos desaparecer”, refere. “Tivemos cantoneiros, ou seja, quem varre a rua, a dizerem-nos que têm de pagar quando querem ir à casa-de-banho. Imagina teres de pagar para ir à casa-de-banho durante o teu período de horário de trabalho.”
“A ideia deste cartão é incentivar o uso dos sanitários públicos, que estão a desaparecer rapidamente”, reforça Marta. “Também serve para pressionar as freguesias a manterem-nos funcionais e acessíveis nos horários previstos, garantindo que não há torneiras avariadas há anos, espelhos partidos ou autoclismos fora de serviço. E que não fechem sem aviso só porque um funcionário adoeceu ou teve de ir a uma consulta. Quantas vezes as casas-de-banho não ficam encerradas de manhã, sem mais nem menos?”

A jovem da Infraestrutura Pública defende que os sanitários gratuitos deveriam ser tão garantidas no espaço público como um poste de iluminação ou um jardim. “Nos jardins das crianças, não pões uma moedinha para o teu filho andar de baloiços. Não pões uma moedinha para beber um bocado de água de chafariz. Não pões uma moedinha para um poste de iluminação pública da noite estar acesa”, diz Marta. “Os sanitários públicos sempre fizeram parte desta infraestrutura urbana da cidade pública, mas que agora está a normalizar-se que são infraestruturas pagas.”
Além de incentivar o uso dos sanitários públicos gratuitos, o cartão desenvolvido pela Infraestrutura Pública também expõe as desigualdades entre freguesias, não só ao nível de disponibilidade de WCs mas também nos horários. “Uma freguesia tem cinco sanitários públicos gratuitos e outra só tem um. No Príncipe Real, a casa de banho fecha apenas à noite, mas onde eu moro fecha às três da tarde”, exemplifica Marta. A activista defende que estas infraestruturas deveriam ter um horário longo e estável, como das 8 às 20, sem que os utilizadores precisassem de consultar um cartão para saber se estão abertas. “Este cartão não deveria existir porque as casas-de-banho deviam estar só abertas durante muito tempo.”

Para garantir que mais pessoas tenham acesso ao cartão de bolso dos sanitários, a Infraestrutura Pública pretende imprimi-lo novamente, caso consiga financiamento, seja através de contribuições comunitárias ou outras formas de apoio. Em alternativa, disponibiliza a versão digital para que qualquer pessoa possa imprimi-lo por conta própria. O ficheiro pode ser descarregado aqui:
Nesta fotogaleria, podes ver algumas pessoas que receberam os cartões e também os locais que aceitaram disponibilizá-los à população:
O início de um mapa comunitário
Também neste artigo damos início a um mapa comunitário dos sanitários públicos e de acesso público da área metropolitana de Lisboa, gratuitos e não gratuitos. Um mapa que é uma colaboração entre o LPP e o colectivo Infraestrutura Pública. Neste mapa, temos três categorias: os WCs públicos gratuitos, que estão no cartão impresso; os WCs públicos não-gratuito, que existem, por exemplo, nas estações de comboios ou também na rua; e os WCs gratuitos de acesso público, que podem ser encontrados em universidades ou espaços culturais, por exemplo.
O mapa está ainda muito no início, estando mapeados apenas alguns locais-exemplo. Iremos adicionar novos sanitários aos poucos e poucos e estamos abertos a sugestões de qualquer pessoa – podem participar através do Discord do LPP ou do endereço de e-mail [email protected].