Apesar de concluída há três anos, a cafetaria do Parque Gonçalo Ribeiro Telles, na Praça de Espanha, permanece fechada e ao abandono, sem ser concessionada. Esta semana, a Câmara de Lisboa instalou uma vedação para proteger o espaço do vandalismo a que tem estado exposto.

Há três anos a caminho de quatro, na altura das últimas eleições autárquicas, ficou pronto o novo Parque Urbano Gonçalo Ribeiro Telles, criando uma nova centralidade na Praça de Espanha, com uma vasta área verde que combina espaços ajardinados e zonas de aspeto mais natural. Junto à saída do Metro, foi também construído um edifício para uma cafetaria, pensado para atrair visitantes e garantir apoio sanitário a quem usufrui do parque. No entanto, a concessão do espaço nunca avançou e, desde 2021, a cafetaria permanece votada ao abandono.
Ao longo do tempo, o exterior do espaço foi sendo ocupado por pessoas em situação de sem-abrigo, e verificando-se também situações de vandalismo no edificado, como grafittis, vidros partidos e roubo de material. Também o exterior do espaço se tem degradado naturalmente.
Para evitar a continuação dessa situação de vandalismo, Câmara de Lisboa instalou, esta semana, uma vedação verde em torno do edifício da cafetaria, uma situação que gerou alguma indignação pública por a autarquia estar a cercar o espaço ao invés de, aparentemente, resolver a concessão. A instalação da cerca foi executada pela empresa Estrela do Norte, que, para colocar a infraestrutura, foi obrigada a perfurar o pavimento que tinha sido impecavelmente pavimentado em 2020/21. A estrutura será temporária até que haja um café e esplanada em funcionamento neste local, o que, para acontecer, é preciso que seja lançada uma hasta pública – uma espécie de concurso público para seleccionar um concessionário interessado em explorar o espaço.
Abandono denunciado pelos cidadãos
A situação de degradação e de abandono da cafetaria da Praça de Espanha tem sido denunciada através de plataformas online como Reddit. Há dois meses, um utilizador, que entretanto apagou a sua conta, publicou no fórum r/lisboa uma fotografia do edifício, descrevendo-o como “abandonado e vandalizado” e perguntando se alguém sabia do porquê da situação. “Duvido que seja por falta de interessados pelo que presumo que a CML nunca tenha tentado alugar o espaço. Alguém sabe o porquê de isto estar assim?”, perguntava, desconfiado, num comentário. A publicação, que mostrava o imóvel com vários graffitis (entretanto apagados) e vestígios da pernoita de pessoas no exterior, gerou 118 upvotes e mais de cinco dezenas de comentários.

Esta semana, o tema da cafetaria voltou ao Reddit. Um outro utilizador, u/VicenteOlisipo, partilhou uma fotografia da “solução” que disse ter sido encontrada pela Câmara. Numa publicação com 246 upvotes e 82 comentários à data deste artigo, este utilizador escreve que edifício da cafetaria “até tem algum interesse” porque “telhado tem plantas, as três faces são todas em vidro de forma a entrar muita luz, e inclui uma casa de banho de para os utilizadores do parque. Também tinha montes de espaço para meter esplanadas”. E lamenta o abandono.
u/VicenteOlisipo critica a liderança de Carlos Moedas, referindo que “nunca se preocupou muito” com a conclusão das obras da Praça de Espanha, que aconteceu em 2021 mas já depois do período eleitoral. “Com o abandono do edifício (espelho do abandono geral do parque), veio o previsível vandalismo, que já partiu alguns vidros, e aproveitamento do espaço coberto e do abrigo do vento por quem vive na rua”, refere este lisboeta. “Por várias vezes já formaram-se acampamentos de pessoas em situação de sem-abrigo junto às paredes do edifício, por várias vezes foram expulsos, e por várias vezes voltaram. Também é visível que já foi feita uma tentativa (bem ou mal sucedida) para abrir a porta da casa de banho.”

Contactado pelo LPP, este utilizador disse que falou tanto com Junta de Freguesia de Campolide como com diferentes gabinetes da Câmara de Lisboa. Em e-mails aos quais tivemos acesso, u/VicenteOlisipo escrevia que “a zona precisa de um café que sirva de âncora, e de casas-de-banho” e falava, em maior detalhe, da problemática dos sem-abrigo na Praça de Espanha: “no dia em que lhes escrevo [14 de Maio de 2024], fui capaz de identificar oito pessoas em situação de sem abrigo que já residem de forma permanente no Parque Gonçalo Ribeiro Telles. Em tendas de campismo ou algo mais improvisado, estas pessoas, apanhadas na crise da falta de habitação em Lisboa, foram ocupando o vazio de atenção a que a Junta e a Câmara condenaram o parque”.

O munícipe deixava claro que as suas linhas não eram um apelo à expulsão dos sem-abrigo, mas “um apelo a que a Junta e Câmara levem a sério o Parque Gonçalo Ribeiro Telles, terminem o projecto, concessionem o uso do edifício central, activem os serviços de mobilidade associados, remodelem ou expandam os parques infantis para os tornar mais acessíveis a todas as crianças, e assim façam do espaço o polo de recreio e refúgio verde que tanta falta faz naquela zona”.
O morador recebeu uma resposta do gabinete da Vereadora Sofia Athayde, que tem o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais, a 7 de Julho de 2024, lamentando a situação descrita e respondendo à parte relacionada com as pessoas em situação de sem abrigo. Nessa comunicação, referia-se que, no Parque Gonçalo Ribeiro Telles, “têm sido realizadas intervenções muito regulares” e que naquele momento, “não se encontra nenhuma pessoa em situação de sem abrigo a pernoitar no local, estando prevista para muito breve uma acção mais abrangente neste mesmo local”.
Vários meses depois, ainda há pernoitas no parque da Praça de Espanha, como u/VicenteOlisipo continua a observar e como o LPP tem testemunhado. Na clareira central do parque, uma tenda permanecia bem visível enquanto a vedação era colocada em torno da cafetaria fantasma.

Parque sem respostas?
Em Lisboa, é comum que parques e jardins incluam quiosques concessionados a empresas de cafetaria ou restauração, garantindo não só um serviço aos visitantes, mas também a manutenção de parte do espaço público. No Parque Urbano Gonçalo Ribeiro Telles, logo à estação de Metro da Praça de Espanha, o café e a esplanada que já deveriam estar em funcionamento há bastante tempo não só dariam apoio ao transporte público como iriam atrair mais pessoas para o parque, tornando a zona mais segura e acolhedora. Por outro lado, a concessão desse espaço permitiria ainda a abertura das casas de banho de apoio ao parque, um serviço essencial numa cidade com escassez de sanitários públicos.
Em Abril de 2022, numa reunião descentralizada, a Câmara de Lisboa dizia que o novo parque da Praça de Espanha ainda estava “sob manutenção do empreiteiro” e que tinham sido “referenciado alguns problemas que vão ser corrigidos”. “Digamos que a obra ainda não está concluída”, adiantava um responsável da autarquia. Mas, se a obra da cafetaria se encontrava, nessa altura, concluída há poucos meses, agora, passados três anos, o imóvel continua sem “dono”, isto é, sem que tenha sido concretizada a concessão que permitiria a abertura do espaço.
A situação não tem chamado só à atenção de cidadãos anónimos. A 3 de Outubro de 2024, Manuel Salgado, arquitecto e ex-vereador de Urbanismo da Câmara de Lisboa, denunciava através do Expresso que “o parque da Praça de Espanha está ao abandono, desleixado, sujo e vandalizado”. “A ponte ainda não foi construída, o quiosque e a cafeteria nunca abriram, a pala onde deveria ser a esplanada é acampamento de “sem-abrigo”, o jardim não é mantido… Um desconsolo!”, escribió, assinando um texto onde falava sobretudo sobre a não concretização da ponte ciclopedonal entre a Praça de Espanha e o jardim da Gulbenkian.

“O Parque Gonçalo Ribeiro Telles foi inaugurado em Junho de 2021 sem a ponte, adiada por atraso no concurso de empreitada. E mesmo agora, três anos depois e já inaugurado o CAM no Jardim Gulbenkian, com a nova entrada pela Avenida Duque de Ávila, a continuidade entre os dois parques mantém-se uma ideia por concretizar”, escrevia o vereador que comandou o Urbanismo na autarquia lisboeta durante a liderança de Fernando Medina (PS).
O LPP sabe que a ponte não foi construída de imediato por dificuldades com a residência oficial do Embaixador de Espanha em Portugal, situada no Palácio de Palhavã, nomeadamente quanto a questões de segurança que a altura da infraestrutura poderia levantar. Dificuldades – relatadas também pelo jornal Freguês – e que estarão a ser ultrapassadas, pelo que a ponte ciclopedonal a ligar a Gulbenkian à Praça de Espanha ainda poderá ser uma realidade.


Quanto ao quiosque, fonte da Câmara de Lisboa confirmou que a vedação foi colocada para evitar o vandalismo do edifício da cafetaria. No entanto, aguardamos esclarecimentos da autarquia em relação a um ponto de situação sobre a concessão do espaço e sobre a resposta que tem sido dada às pessoas em situação de sem-abrigos que pernoitam no parque. Actualizaremos este artigo logo que tenhamos novas informações da Câmara e caso estas nos cheguem.