Quando foi a última vez que deste tempo a um desconhecido?

O tempo do atenção do ser humano vive em estado crítico e em vários momentos receei que não houvesse muita gente com vontade de ouvir um podcast feito de várias histórias.

LPP Fotografía

Não usei no podcast a entrevista que mais me impactou. Foi a mais espontânea e não estava à espera de ouvir palavras tristes num ambiente de festa. O ficheiro não estava capaz porque a música ouvida ficou estridente na gravação.

Duas senhoras dançavam alegremente, e essa alegria era visível nos rostos e no resto do corpo. Brilhavam no Largo de Caneças, em Odivelas, ao som de música popular, enquanto outros corpos ainda estavam amorfos.

“Agora já chega de sofrer, vou viver.” Foi desta forma que uma delas resumiu os últimos anos chegados até ali: ela e a amiga tiveram um diagnóstico de cancro. Ela tinha perdido o marido e uma filha, mas estavam ali “na boa, na boa, na boa”. Disse isto três vezes enquanto apontava para a cabeça, para mostrar que tinha mudado a forma de encarar a realidade – felizmente os tratamentos estavam a correr bem.

Estas foram duas das pessoas entrevistadas para o Ouvir A Cidade, o novo podcast do LPP. Nas contas que fiz por alto, foram cerca de 90 pessoas. Nem todas as entrevistas entraram e muitas duraram apenas uns minutos, mas todas serviram para entender melhor o sítio onde estava e responder ao mote do podcast: como é que as pessoas se encontram e conectam na cidade.
Essa ligação pode ser vista de vários prismas. Quisemos ir mais além do que a ideia instantânea dos vizinhos que se encontramos no prédio ou na praça. Quisemos saber como é que as pessoas se unem num contexto urbano tantas vezes individualizado e acelerado.

A resposta a esta pergunta seria infindável porque cada pessoa tem os seus locais preferidos e têm múltiplas deslocações, mas há espaços comuns e há lutas que unem. O desafio do LPP foi desdobrar-se em temas que respondessem a estes propósitos e que representassem mais do que um concelho na área metropolitana de Lisboa.

Fomos a Sintra, Amadora, Odivelas, Lisboa, Almada e Barreiro. Em cada local encontrámos espaços comuns e lutas que unem. E por mais do que uma vez pensámos: estas questões seriam fala-das em que espaço da comunicação social? Quanto tempo teriam?

O tempo do atenção do ser humano vive em estado crítico e em vários momentos receei que não houvesse muita gente com vontade de ouvir um podcast feito de várias histórias, que juntas vão ter à volta de 30 minutos. Mas essa tornou-se na riqueza do Ouvir A Cidade à medida que gravava sons nos locais onde passava e as pessoas que aí estavam. Demos espaço à cidade para ser escutada – e o que compõe o território são as pessoas que o integram.

Resta-me transformar este medo pro-fundo numa crença e numa convicção. Quando foi a última vez que deste tempo a um desconhecido para ser ouvido?

Ia ter com as pessoas com um propósito e depois mais perguntas surgiam, sem guiões, porque eu e elas queríamos conversar. Esse espírito de conversa vai estar no podcast, entrosado com sons que vão enriquecer a escuta do podcast.

Autocarros, campos de jogos (um deles que é um mero parque de estacionamento), praças e associações são os palcos desta temporada de Ouvir A Cidade, que será lançada no verão.

Com quatro episódios, esta temporada está a ser preparada desde abril, num esforço de ouvir e editar todas as horas de conversa com o trabalho diário que mantenho. O podcast está em andamento e vai ser publicado, esperando eu que seja uma boa companhia para ouvir a cidade (ou, melhor, a área metropolitana de Lisboa) de uma maneira que ainda não tenha sido ouvida.

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