No Facebook, milhares de cidadรฃos mobilizam-se pela sua cidade. Sรฃo grupos de vizinhos que procuram o melhor para o seu bairro ou freguesia, ainda que, por vezes, essa vontade choque com a ideia de um espaรงo pรบblico mais inclusivo.

Gonรงalo Matos, 24 anos, finalista de um mestrado em Engenharia Informรกtica e de Computadores no Instituto Superior Tรฉcnico, รฉ coordenador do nรบcleo Vizinhos de Belรฉm. Dedica-lhe pelo menos uma hora por dia. โA hora estรก garantida mas ร s vezes รฉ preciso mais.โ Vive em Belรฉm, freguesia lisboeta que dizia ser particularmente desinteressada da cidadania. โNรฃo existia uma รบnica associaรงรฃo de moradores aqui.โ Gonรงalo sempre se interessou pelo que acontecia ร sua volta, procurando escrutinar os projectos para a cidade e colaborar com o poder local. Formar os Vizinhos de Belรฉm em Setembro de 2019 surgiu naturalmente. โSรณ envolvendo as pessoas รฉ que vamos construir a democracia e evitar que o pior lhe aconteรงaโ, entende, defendendo um modelo de cidadania aberto, informado e assente numa intervenรงรฃo construtiva e colaborativa dos cidadรฃos junto dos eleitos locais. โAs pessoas nรฃo devem cair sempre na crรญtica fรกcil e alienar-se do que estรก a acontecer. Tรชm de sentir que formam uma equipa com quem as governa e sรณ assim tambรฉm podem andar, com a legitimidade suficiente, em cima de quem estรก em lugares de decisรฃo.โ
Les Vizinhos de Belรฉm sรฃo um dos vรกrios colectivos de moradores que tรชm vindo surgir pela cidade, espontaneamente, para tratar os problemas de cada freguesia, discutindo-os entre vizinhos e procurando, em conjunto, soluรงรตes com a Junta de Freguesia ou a Cรขmara Municipal. O ponto de encontro รฉ no Facebook, um grupo onde convivem mais de 5200 membros โ nem todos sรฃo da freguesia, claro. โOs movimentos de cidadania estรฃo onde as pessoas estรฃo. Usamos as redes sociais para agregar as pessoas de cada freguesia e permitir difundir as pessoas de forma fรกcil.โ A mobilidade รฉ tema recorrente, assim como projectos urbanรญsticos, a manutenรงรฃo dos espaรงos verdes ou a limpeza das ruas. Hรก tambรฉm publicaรงรตes a pedir recomendaรงรตes, pedidos de ajuda em relaรงรฃo a animais perdidos, a partilha de fotografias bonitas ou atรฉ elogios de vez em quando. O fluxo de novas partilhas รฉ diรกrio e constante.
Numa postura colaborativa, Gonรงalo faz uma moderaรงรฃo dos conteรบdos que qualquer membro pode partilhar no grupo de Facebook. Assegura que nรฃo hรก comentรกrios de tom publicitรกrios ou insultuosos, e estimula debates em torno de temas importantes, como a construรงรฃo de uma nova ciclovia ou de um novo loteamento. Para tal, faz uma triagem da informaรงรฃo mais relevante, apresenta-a aos membros, avalia a opiniรฃo generalizada do grupo e pede opiniรตes a pessoas que, no nรบcleo, estรฃo mais por dentro do tema discutido. Para Gonรงalo, este รฉ sobretudo um trabalho de โorganizar a Democraciaโ e tambรฉm de facilitar pontes de contacto com os polรญticos. โNรฃo podemos meter numa reuniรฃo com um presidente ou um vereador 5200 pessoas, mas aquilo que podemos รฉ levar as provas de que aquele assunto jรก foi debatido muitas vezes, de que temos a informaรงรฃo de que jรก foi registado mas nรฃo obteve uma resposta, etc. Poupamos as intervenรงรตes muitas vezes repetidas de cada um sobre o mesmo assunto e permite que todos os que defendem os mesmos interesses ajudem a fazer subir a prioridade desses problemas.โ

Les Vizinhos de Belรฉm tรชm um site que serve de extensรฃo do grupo de Facebook e onde รฉ possรญvel consultar todo o tipo de documentaรงรฃo sobre a freguesia, num exercรญcio de transparรชncia que deveria estar entregue a qualquer Junta ou Cรขmara. Nesse endereรงo web, รฉ possรญvel consultar os projectos de mobilidade e urbanismo para a freguesia, seguir os pedidos de informaรงรฃo feitos pelo nรบcleo ร s entidades competentes (sobre uma alteraรงรฃo de estacionamentou ou um abate de uma รกrvore) ou saber as ideias sobre Belรฉm que estรฃo a votaรงรฃo no Orรงamento Participativo. O trabalho que Gonรงalo desenvolve com muita dedicaรงรฃo e de modo voluntรกrio nos Vizinhos de Belรฉm jรก foi elogiado por vozes do PS mas tambรฉm do PSD em momentos pรบblicos. โFalamos com todos os partidosโ, diz, garantindo que nรฃo existem ambiรงรตes polรญticas suas ou do grupo โ apenas a vontade de contribuir para o bem da freguesia e da cidade. E Gonรงalo fala mesmo com todos โ um WhatsApp aqui para o vereador, uma chamada ali com um Presidente de Junta, uma reuniรฃo acolรก com um candidato autรกrquico. A paixรฃo pela cidadania รฉ o que o move.
โFalamos com todos os partidos.โ
Alรฉm dos Vizinhos de Belรฉm, mais sete nรบcleos compรตem a associaรงรฃo Vizinhos Em Lisboa, constituรญda formalmente em 2018 mas com vida informal alguns anos antes. Existem colectivos de Vizinhos nas freguesias de Areeiro (foi o primeiro a surgir), Penha de Franรงa, Avenidas Novas, Alvalade, Alcรขntara, Estrela e Misericรณrdia. Nem todos trabalham exactamente da mesma forma, mas existe uma partilha dos mesmos valores de cidadania. A ideia รฉ simples: cada freguesia pode ter o seu movimento de cidadania local e, se os seus valores e modelo de actividade se condadolarem com os da associaรงรฃo, podem integrรก-la, poupando nos problemas burocrรกticos de constituir associaรงรฃo e beneficiando ao mesmo tempo de uma conversa em rede. โQuando temos freguesias contรญguas, conseguimos organizarmo-nos muito melhor uns com os outros, quer do ponto de vista formal de trabalho, quer do ponto de vista informalโ, aponta Gonรงalo.
Estes grupos de Vizinhos sรฃo relativamente novos de Lisboa. Apesar de existirem e de continuarem a existir associaรงรตes de moradores hรก dรฉcadas, hรก agora uma espรฉcie de actualizaรงรฃo desse conceito, uma adaptaรงรฃo aos tempos modernos. Gonรงalo prefere referir-se aos colectivos de Vizinhos como โmovimentos de cidadaniaโ, atรฉ porque nรฃo existe a formalidade que uma associaรงรฃo costuma ter, com eleiรงรตes para cargos de direcรงรฃo e assembleias entre os sรณcios. Isso tem vantagens, como a inexistรชncia de um vรญnculo ao grupo โ diariamente os grupos de Vizinhos estรฃo a receber novas pessoas e os membros tรชm essa liberdade para estar mais ou menos presente em cada momento. โAs pessoas vรฃo-se associando consoante a causa e o que estรก em discussรฃoโ; por isso, os grupos nรฃo โnรฃo sรฃo uma coisa estanqueโ mas algo โem constante desenvolvimentoโ.
Mas tambรฉm tem desvantagens. Se o colectivo que Gonรงalo Matos ajuda a gerir no Facebook segue princรญpios de tolerรขncia e liberdade, saudรกveis numa democracia que se quer participada por todas as pessoas, outros nem tanto โ o ambiente entre membros e moderadores propicia a solidificaรงรฃo de ideias fechadas em bolhas digitais. Estas dรฃo aos utilizadores a ilusรฃo de que estรฃo certos, de que uma maioria concorda consigo ou de que a informaรงรฃo com a qual contactam representa a realidade. Num cenรกrio mais extremo, os indivรญduos podem comeรงar a ouvir-se apenas a si mesmos, a dar um valor inquestionรกvel ร s fontes dominantes e a censurar ou desautorizar opiniรตes diferentes โ formam-se, deste modo, cรขmaras de eco, onde as vozes integrantes reverberam num invรณlucro oco. Grupos de Facebook sรฃo particularmente propรญcios a estas bolhas e cรขmaras de eco, terreno fรฉrtil para a proliferaรงรฃo de filosofias populistas โ depende das mรฃos que os alimentam.
A culpa nรฃo serรก exclusivamente humana, pois as interfaces estรฃo desenhadas e algoritmos sรฃo pensados para estimular a velocidade em detrimento da profundidade, para levar ao scrolling, ao comentรกrio, ao gosto e ร ira. As discussรตes que se queriam livres e construtivas acabam por dar lugar a confrontos polarizados e divisรณrios: a colocar ciclistas contra automobilistas, promovendo discursos assentes no รณdio e na polarizaรงรฃo. Na mesma rede social onde os Vizinhos de Belรฉm, do Areeiro ou das Avenidas Novas procuram construir uma cidadania aberta e informada, hรก grupos como o Mobilidade com Liberdade (380 membros), o Lisboa Circo Municipal (1,4 mil membros) ou do Movimento Contra as Alteraรงรตes de Trรขnsito (6,8 mil membros) a poluir de certa forma o espaรงo pรบblico, digital, onde a cidadania tenta florescer. Nestas comunidades facebookianas, a mobilidade รฉ tema quente e as ciclovias o bode expiratรณrio para criticar o actual executivo camarรกrio liderado por Fernando Medina (PS) e as Juntas de Freguesia (maioritariamente PS). Palavras de ordem como โMerdina Ruaโ ou โEle Nรฃoโ vรฃo correndo pelas caixas de comentรกrio, onde os sujeitos parecem mais empenhados em fazer valer os seus pontos de vista do que em aprender algo novo, em contestar as suas prรณprias visรตes e em adoptar uma postura construtiva que os faรงa evoluir enquanto seres humanos e cidadรฃos. Hรก uma agenda clara.
โOs vizinhos sรฃo poucos e vamos buscar temas que sรฃo transversais ร freguesiaโ
Para Luรญs Castro, 55 anos, o Facebook รฉ โapenas um instrumento de comunicaรงรฃo, nรฃo รฉ o local de discussรฃoโ. Luรญs comeรงou o nรบcleo Voisins de Arroios em meados de 2016, desafiado por Rui Martins que na altura comeรงava, na freguesia ao lado, Areeiro, tambรฉm um grupo de vizinhos โ depois de uma tentativa falhada de fundar a Associaรงรฃo de Moradores do Areeiro (AMA). โEu aceitei e disse logo que nรฃo brinco em serviรงo. Quando me envolvo, envolvo-me a sรฉrio. ร o meu tempo.โ Les Voisins de Arroios jรก foram um nรบcleo da associaรงรฃo Vizinhos Em Lisboa, mas, por divergรชncias com a sua forma de fazer cidadania, decidiram no ano passado formar a sua prรณpria associaรงรฃo. Numa freguesia com uma populaรงรฃo de cerca de 30 mil pessoas, sendo uma das maiores da cidade, e com uma diversidade cultural riquรญssima, รฉ tambรฉm uma freguesia com inรบmeros problemas. โOs vizinhos sรฃo poucos e vamos buscar temas que sรฃo transversais ร freguesia.โ

Luรญs parece conhecer bem as ruas e os cantos de Arroios, as suas fragilidades e as suas virtudes. Sempre viveu por lรก. No seu telemรณvel, WhatsApp e e-mail, vai recebendo denรบncias de moradores, que reencaminha para a Junta de Freguesia, directamente para a Presidente, com quem diz ter uma boa relaรงรฃo. No prรณprio dia ou em pouco tempo, recebe indicaรงรฃo de que estรก resolvido โ muitas vezes, por via de uma troca de fotografias por WhatsApp. โPara mim o meu maior gozo รฉ esteโ, realรงa, acrescentando que dรก o seu tempo ร freguesia pelo bem colectivo, nรฃo para satisfazer algum interesse prรณprio. โA cidadania tem รฉ de reclamar. Porque fazer o trabalho bem feito รฉ obrigaรงรฃo de quem lรก estรก. Nรฃo temos de andar a dar palmadinhas nas costasโ, entende. โO reconhecimento maior รฉ no dia das eleiรงรตes. Atรฉ lรก temos de ter uma postura muito crรญtica e exigente. Prometeu fazer isto e nรฃo fez, porquรช? Fala-se em mobilidade, porque รฉ que os passeios estรฃo esburacados?โ
Foi uma ciclovia, no entanto, que empurrou os Voisins de Arroios para a ribalta. A visibilidade da bicicleta na agenda polรญtica e de mobilidade da cidade tem agitado as redes sociais, debates na Assembleia Municipal e em reuniรตes pรบblicas da Cรขmara, e provocado uma intensa polarizaรงรฃo entre ciclistas, que reclamam o seu direito ao espaรงo pรบblico, e automobilistas, que procuram salvaguardar os direitos morais adquiridos ao longo das รบltimas dรฉcadas. Grupos como o Mobilidade Com Liberdade ou le Movimento Contra As Alteraรงรตes de Trรขnsito tรชm contribuรญdo para esta polarizaรงรฃo, รณdio e desinformaรงรฃo. Em 2020, Lisboa viu o seu nรบmero de ciclovias crescer significativamente โ foram adicionados mais de 20 km ciclรกveis ร rede que tem agora 125,8 km; foi o maior crescimento anual desde as รบltimas autรกrquicas em 2017. Em cima da mesa continua uma aparente estratรฉgia de uma cidade mais inclusiva e a promessa de 200 km atรฉ ao final deste ano. Lisboa para lรก caminha com cerca de 150 km construรญdos ou em obra neste momento.
A ciclovia da Almirante Reis foi uma das novas construรญdas no ano passado. Foi feita com tinta e pilaretes em poucos dias, ร s custas de uma via de trรขnsito no sentido ascendente, numa altura em que Lisboa, como outras cidades mundiais, aproveitaram o contexto pandรฉmico para repensar o espaรงo pรบblico com soluรงรตes tรกcticas e de rรกpida aplicaรงรฃo de forma a alargar o espaรงo pedonal e ciclรกvel. Ciclistas agradeceram a ciclovia, pois passaram a contar com um corredor segregado numa avenida que jรก utilizavam e que melhor liga a baixa ao centro da cidade. Houve coraรงรตes vermelhos desenhados no pavimento e uma mobilizaรงรฃo colectiva para, em massa crรญtica, percorrer a infraestrutura de uma ponta ร outra. Contagens manuais realizadas por investigadores do Instituto Superior Tรฉcnico revelaram um crescimento de 140% na utilizaรงรฃo da bicicleta naquela avenida, acompanhando um aumento de 25% na globalidade da cidade.
Luรญs Castro tambรฉm tem feito as suas contagens na Almirante Reis, levando consigo num caderninho onde vai apontando as pessoas que passam de bicicletas, se sรฃo do sexo masculino ou feminino, se sรฃo estafetas ou nรฃo, se circulavam a alta velocidade ou no passeio. A Almirante Reis foi para os Voisins de Arroios um daqueles temas transversais. Comeรงaram por, logo nos primeiros dias da ciclovia, partilhar vรญdeos e fotografias no seu grupo e pรกgina de Facebook, denunciando aquilo que diziam ser um caos no trรขnsito (e, de facto, ร s horas de ponta, como ilustravam as imagens, filas de carro prolongavam-se ao longo de uma ciclovia aparentemente vazia). Esses conteรบdos que depressa comeรงaram a correr as redes sociais: dos grupos โprรณ-automรณvelโ como o Mobilidade Com Liberdade ou le Movimento Contra As Alteraรงรตes de Trรขnsito, aos grupos โprรณ-bicicletaโ, como A bicicleta como meio de transporte (10,3 mil membros), Masse critique Lisbonne (9,5 mil membros) e Ciclismo Urbano em Portugal (9 mil membros) โ as conversas polarizam-se e parece nรฃo haver espaรงo para meios termos.
Les Vizinhos colocaram uma petiรงรฃo a circular, a qual obteve 1148 assinaturas e acabou discutida na Assembleia Municipal numa sessรฃo online, em Janeiro de 2021, juntamente com duas outras petiรงรตes mais gerais sobre a polรญtica ciclรกvel autarquia: uma pela โsuspensรฃo imediata da ciclovizaรงรฃo desenfreadaโ e outra a โapoiar o aumento do espaรงo pedonal e da rede ciclรกvelโ. Mas a petiรงรฃo dos Voisins de Arroios pedia apenas โuma melhor cicloviaโ para a Almirante Reis, argumentando que a configuraรงรฃo escolhida pela autarquia prejudicava o trรขnsito e agravava a poluiรงรฃo, nรฃo beneficiava o comรฉrcio local, nem a qualidade de vida dos residentes e nรฃo era segura para os prรณprios ciclistas. Luรญs Castro e os restantes Vizinhos nรฃo sรณ queriam uma ciclovia diferente, que salvaguardasse โos interesses da populaรงรฃo residente e nรฃo residente em termos de mobilidade, qualidade de vida e acesso ao trabalho ou actividade comercialโ, como reivindicavam que โqualquer alteraรงรฃo ou limitaรงรฃo de acessos ร rede rodoviรกriaโ fosse o โproduto de um amplo consenso e de participaรงรฃo cidadรฃโ, segundo o texto da petiรงรฃo.
Antes do abaixo-assinado, os Vizinhos tinham promovido um inquรฉrito na freguesia. O processo serรก comum sempre que querem avaliar a opiniรฃo maioritรกria das pessoas de Arroios, como explica Luรญs: โDos 223 arruamentos que existem na freguesia โ 261 se contarmos com os becos e vilas operรกrias โ, tiramos 80% em sorteio e fazemos um itinerรกrio por essas ruas. Tentamos recolher 400 assinaturas ou respostasโ, dependendo do que estรก em causa: uma petiรงรฃo, uma sondagem, um inquรฉrito ou uma simples pergunta, como foi com o caso da ciclovia. โAntes de fazer a petiรงรฃo, quisemos saber o que as pessoas pensavam da ciclovia e 95% disse que nรฃo concordava. Quando tens cerca de 400 pessoas a responder isto, tens noรงรฃo do que รฉ a vontade da freguesia.โ Luรญs faz tudo em papel porque acredita ser mais fiรกvel que a via online, onde hรก mais probabilidade de haver respostas adulteradas e petiรงรตes com mais que uma assinatura da mesma pessoa. Neste momento, estรฃo a preparar uma sondagem para averiguar as intenรงรตes de voto nas prรณximas eleiรงรตes. Luรญs estรก preocupado com a ascensรฃo do Chega nas prรณximas autรกrquicas. โNuma freguesia como Arroios, trรชs eleitos do Chega para a Assembleia de freguesia significaria que nรฃo estรกs a ouvir a populaรงรฃo, e isso รฉ dramรกticoโ, refere Luรญs Castro, apreensivo.

Para muitos, e em particular para quem usa a bicicleta como meio de transporte na cidade, a polรฉmica dos Voisins de Arroios com a ciclovia foi o primeiro contacto com o colectivo. Muitos lamentam, nas redes sociais, estarem bloqueados no grupo, nรฃo podendo interagir com as denรบncias e dar a sua opiniรฃo. Luรญs e o nรบcleo, no geral, sรฃo ao mesmo tempo troรงados como o โmaluquinho de Arroiosโ, descredibilizando o trabalho que o nรบcleo tem vindo a desenvolver ao longo de vรกrios anos. Alรฉm dos inquรฉritos e sondagens em papel, promovem reuniรตes de vizinhos semanal ou quinzenalmente โ na pior das hipรณteses, mensalmente. Chegaram inclusive a ir ร Assembleia da Repรบblica. โNunca foram um grupo apรกticoโ, defende Gonรงalo Matos. Existem diferenรงas entre o modelo de cidadania aplicado pelos Vizinhos de Belรฉm e restantes grupos associados ร Vizinhos Em Lisboa, e o promovido por Luรญs, assente na tomada de posiรงรตes em relaรงรฃo a determinados temas da freguesia com base na auscultaรงรฃo, jรก referida, que fazem das pessoas โ รฉ mais fechado, procura menos o consenso ou, pelo menos, procura consensos de outra forma. Apesar das diferenรงas, Gonรงalo e Luรญs conversam regularmente, sentam-se na mesma mesa de cafรฉ e Gonรงalo atรฉ jรก chegou a acompanhar Luรญs nas contagens de bicicletas na Almirante Reis โ combinaram e chegou de bicicleta. Hรก um respeito mรบtuo e soltam-se piadas em jeito de provocaรงรฃo amigรกvel ao outro.
โAs redes sociais servem apenas para comunicarmos a nossa mensagem. Somos pragmรกticos.โ
O acesso ao grupo dos Voisins de Arroios รฉ restrito a quem mora ou trabalhe na freguesia, e a quem se identifique com as posiรงรตes tomadas pelo colectivo. Luรญs diz que os Voisins de Arroios nรฃo ambicionam representar todas as pessoas e que outros moradores podem comeรงar outros grupos, defendendo outras causas ou posiรงรตes contrรกrias sobre os mesmos assuntos. O processo de registo comeรงa com um preenchimento de um formulรกrio e o fornecimento de alguns dados, incluindo sobre a habitaรงรฃo (porque รฉ um tema importante para o nรบcleo, que integra o MEL โ Movimento Morar Em Lisboa). Existe uma validaรงรฃo do registo, a atribuiรงรฃo de um cรณdigo para aceder ao grupo de Facebook e ainda a integraรงรฃo num dos 12 grupos de trabalho, cada um correspondente a uma causa, por exemplo, mobilidade, higiene urbana ou mobilidade. Os grupos tรชm o seu canal no WhatsApp e usam o Jitsi (um โZoom de cรณdigo abertoโ) para fazer reuniรตes. โEstes nรบcleos fazem propostas e depois cabe-me a mim enquanto coordenador ir buscar aliados e meter as coisas a funcionar.โ Luรญs conta com algumas pessoas que, na sua รกrea de especialidade, o ajudam aqui e ali atravรฉs de uma breve chamada ou uma pequena reuniรฃo. O maior trabalho dos Voisins de Arroios serรก nos bastidores, entre whatsapps, e-mails, reuniรตes e chamadas. โAs redes sociais servem apenas para comunicarmos a nossa mensagem. Somos pragmรกticos.โ
Mudar uma cidade: compromissos e diรกlogos
Mudar uma cidade รฉ um trabalho de equilรญbrio. E por causa desse equilรญbrio, para nรฃo fazer mossa na opiniรฃo pรบblica e garantir novos mandatos, hรก projectos que vรฃo ficando para trรกs โ รฉ o caso da reconversรฃo da 2ยช Circular numa alameda mais verde e integrada na cidade, que teria um corredor central arborizado, passeios em alguns pontos e corredores BUS; ou da ZER ABC, o ambicioso projecto para restringir substancialmente o trรขnsito na zona da baixa, com efeitos na Almirante Reis e Avenida da Liberdade, acabou suspenso com a pandemia como desculpa. Tambรฉm o projecto da Avenida da Repรบblica seguiu com alteraรงรตes, por forte pressรฃo dos moderadores, preocupados com o que seria uma grande reduรงรฃo da oferta de estacionamento na ordem dos 300 lugares. Acabou por ser criada uma ciclovia bidireccional apenas num dos lados da avenida, em vez das duas unidireccionais, uma em cada lado; no final de contas, acabaram por ser perdidos apenas 60 lugares na praรงa do Saldanha e na restante avenida atรฉ terรก havido um ganho de sete lugares, com a opรงรฃo por estacionamento longitudinal no lado sem ciclovia.
A oposiรงรฃo ร reconversรฃo do espaรงo pรบblico, em geral, dรก-se sempre que se mexe com a รกrea do automรณvel. ร assim por Lisboa, รฉ assim por outras cidades. Em Madrid, o projecto de restriรงรฃo do trรขnsito na zona central da cidade โ Madrid Central โ, que o executivo de coligaรงรฃo de esquerda liderado por Manuela Carmen colocou em prรกtica em 2018, acabou cancelado pelo Partido Popular, que chegou este ano ร Cรขmara Municipal. Tambรฉm em Madrid, o actual Presidente, Martรญnez de Almeida, jรก prometeu anular e devolver todas as multas impostas pelo plano, no valor de mais de 36 milhรตes de euros. Mais: vai anular todas as licenรงas de ocupaรงรฃo de estacionamento automรณvel por esplanadas, os chamados parklets.

Mudar uma cidade รฉ um trabalho de equilรญbrio. ร preciso vontade polรญtica, mas tambรฉm que a populaรงรฃo esteja para aรญ virada. ร preciso tempo. O mais importante รฉ existir uma visรฃo. โLisboa รฉ capaz de ser a รบnica capital europeia que nรฃo tem um plano de mobilidadeโ, atira Mรกrio Alves, engenheiro civil, especialista na รกrea dos transportes e mobilidade, activista pela mobilidade pedonal, membro da MUBi โ Associaรงรฃo Pela Mobilidade Urbana Em Bicicleta. Mรกrio trabalha com vรกrias realidades europeias e conhece bem o terreno no que ao andar a pรฉ ou de bicicleta diz respeito. Um plano de mobilidade descreveria uma visรฃo em que se imagina โcom as pessoas o futuro, como gostarรญamos que fosse a nossa cidadeโ. Essa visรฃo, โque atรฉ pode ser utรณpica e optimistaโ, permite traรงar um caminho polรญtico e definir medidas para lรก chegarmos, como se estivรฉssemos a caminhar rumo a um horizonte sem fim. โDepois tambรฉm acontece que a visรฃo vai mudando, daqui a 10-15 anos podemos estar a aproximarmo-nos da visรฃo que se tinha e tornamo-nos ainda mais ambiciosos.โ A visรฃo, segundo entende Mรกrio, poderia ser concretizada num pacto ou plano de mobilidade, que poderia ser criado, โdemorando um ano e talโ, com o envolvimento de todos โ da autarquia aos grupos de ciclistas (como a MUBi), passando por juntas de freguesia, associaรงรตes ligadas ao automรณvel (como o ACP) e nรบcleos de Vizinhospar exemple.
โIsto podia ser simbรณlico mas se assinarmos todos o documento a dizer que queremos zero poluiรงรฃo ou quase nenhuma poluiรงรฃo na cidade, ao aumentar o nรบmero de estacionamento ou a alargar uma avenida, estar-se-ia a contradizer um documento assinadoโ, diz Mรกrio. โA visรฃo รฉ fรกcil. Tanto a MUBi como o ACP, por exemplo, poderรฃo concordar na visรฃo, mas nas medidas para lรก chegar รฉ que podem nรฃo concordar. Mas nรฃo se poderia andar para trรกs. Poderia adiar-se medidas โ por nรฃo haver um horizonte temporal. Mas pelo menos nรฃo se poderia andar para trรกs. Nรฃo se iria poder colocar agora mais uma via porque isso contradiz claramente o documento que assinaste.โ โCom este modelo de visรฃoโ โ contrรกrio ร ideia de โprever e proverโ em que com cรกlculos e modelos matemรกticos se previa aumentos de procura para um dado horizonte temporal (de cinco anos, por exemplo) e se prometiam novas variantes ou viadutos โ, โcontrolas o futuro baseado numa visรฃo utรณpica, optimista, nรฃo projectas o futuro com base na experiรชncia passada, nรฃo estรกs estรกs sempre escravo do passadoโ.
โNo sรฉculo XXI, vai haver mudanรงas radicais e muito difรญceis, que vรฃo mexer muito com a vida das pessoas. Tem de haver muito mais visรฃo partilhada, muito mais participaรงรฃo, co-criaรงรฃo, com as pessoas.โ
Mudar uma cidade รฉ um trabalho de equilรญbrio. Mas, se as mudanรงas forem trabalhadas com quem vive, trabalha ou, por outro motivo qualquer, passa tempo na cidade, o processo pode acabar por ser mais acelerado e consensual. Os diversos movimentos de Vizinhos nas redes sociais mostram que hรก muitas pessoas que, mais que serem chamadas de quatro em quatro anos para escolherem uma proposta polรญtica, genรฉrica e talvez superficial para a cidade, querem fazer parte da construรงรฃo desse espaรงo urbano, projecto a projecto. Nรฃo รฉ que nรฃo quisessem antes, mas a internet permitiu novos espaรงos de encontro e de discussรฃo, e espaรงos mais alargados. E nรฃo รฉ que apenas as ciclovias mereรงam discussรฃo, e um novo parque de estacionamento ou via de acesso automรณvel, por seu lado, nรฃo โ as pessoas parecem querer compreender que decisรตes sรฃo tomadas para a sua rua, bairro, freguesia, cidade; querem saber o como, o porquรช, o quando; querem ter algo a dizer. E isso รฉ importantรญssimo. โNo sรฉculo XXI, vai haver mudanรงas radicais e muito difรญceis, que vรฃo mexer muito com a vida das pessoas. Tem de haver muito mais visรฃo partilhada, muito mais participaรงรฃo, co-criaรงรฃo, com as pessoasโ, garante Mรกrio Alves, deixando um exemplo prรกtico: colocar os activistas, utilizadores e tรฉcnicos da Cรขmara em redor de mapas a desenhar a rede ciclรกvel. Este trabalho de participaรงรฃo pรบblica leva tempo, pode demorar um ano, dois anos.
Um dos principais argumentos dos Voisins de Arroios em relaรงรฃo ร ciclovia da Almirante Reis foi nรฃo terem sido auscultados em relaรงรฃo ร mesma โ nem eles, nem os moradores e comerciantes da zona. De noite para o dia, comeรงaram a ver as marcaรงรตes e movimentaรงรตes na avenida e, em pouco tempo, surgiu uma ciclovia. O coordenador dos Voisins de Arroios lamenta nรฃo ter havido debate. โOs debates fazem-se ร priori. Nรณs fomos confrontados com uma ciclovia, ponto final. Foi-nos apresentada como facto consumado.โ E esclarece a sua posiรงรฃo: โUma coisa รฉ ser contra a ciclovia da Almirante Reis, outra รฉ ser contra todas as ciclovias, as bicicletas ou os ciclistas. Isso รฉ uma ideia completamente errada. Em Arroios, temos jรก nรฃo sei quantos quilรณmetros de ciclovias, desde as partilhadas ร s nรฃo partilhadas, e nรณs questionamos uma ciclovia.โ
โUma coisa รฉ ser contra a ciclovia da Almirante Reis, outra รฉ ser contra todas as ciclovias, as bicicletas ou os ciclistas.โ
Para que a democracia funcione e para que os cidadรฃos possam debater, รฉ essencial que os projectos para aquela praรงa ou rua, seja uma nova ciclovia ou um novo jardim, sejam pรบblicos. Sรณ pressionada pela oposiรงรฃo รฉ que o municรญpio passou a disponibilizar os projectos da rede ciclรกvel e, mesmo assim, hรก muita informaรงรฃo sobre a cidade que continua por publicar ou que estรก perdida algures entre os meandros dos sites da Cรขmara, da EMEL, da Assembleia Municipal…, pelos perfis de redes sociais do Presidente ou de vereadores, ou ainda por plataformas de contrataรงรฃo pรบblica como o Base.gov. No entanto, muita documentaรงรฃo fica por publicar, como รฉ o caso dos relatรณrios anuais do Instituto Superior Tรฉcnico sobre a utilizaรงรฃo de bicicleta na cidade que referimos anteriormente. Este tipo de informaรงรฃo, transparente e acessรญvel, รฉ essencial numa democracia que se quer saudรกvel, sem movimentos populistas e com participaรงรฃo cidadรฃ. ร importante tambรฉm para que jornalistas possam tratar e esmiuรงar a cidade e para as associaรงรตes com o seu papel activista. โEu acho que os polรญticos tambรฉm se sentem confortรกveis com esta falta de documentos, porque se houvesse um documento, um plano de mobilidade, que dissesse que a ciclovia da Almirante Reis vai ser feita atรฉ 2022, entรฃo a MUBI, a restante sociedade civil e a oposiรงรฃo poderia monitorizar e exigir o cumprimento do planoโ, aponta Mรกrio Alves.

A ciclovia da Almirante Reis passou a ter โcostas largasโ para todas as crรญticas ร estratรฉgia de mobilidade da autarquia. O assunto das ciclovias terรก levado os organismos polรญticos a rever as suas estratรฉgias de comunicaรงรฃo. A Cรขmara de Lisboa, agora, fala de bicicletas sobretudo no Twitter, onde o conteรบdo costuma ser mais positivamente recebido, principalmente pela partilha da parte dos chamados cicloactivistas. Simultaneamente, em alguns materiais, o chapรฉu โLisboa Ciclรกvelโ muitas vezes utilizado para divulgar empreitadas ligadas ร bicicleta comeรงou a ser trocado pela chancela โViver Melhor Lisboaโ. Comeรงaram a ser usados chavรตes como โrequalificaรงรฃo do espaรงo pรบblicoโ ou โmelhoria da seguranรงa rodoviรกriaโ para, sรณ no meio da descriรงรฃo das intervenรงรตes, se referir a construรงรฃo de uma ciclovia. Quase sempre, aliรกs, a criaรงรฃo de uma determinada infraestrutura ciclรกvel surge aliada com a criaรงรฃo de novos lugares de estacionamento automรณvel. Juntas de Freguesia comeรงaram ainda a apresentar os projectos detalhadamente ร populaรงรฃo; a do Lumiar, por exemplo, promoveu uma sessรฃo online para apresentar e esclarecer a ciclovia da Alameda das Linhas de Torres com a presenรงa do vereador e do arquitecto responsรกvel, e intervenรงรตes dos fregueses. Os projectos sรฃo, no entanto, apresentados como consumados, โo que pode acabar por desmotivar as pessoasโ, aponta Mรกrio. A Cรขmara nem sempre avanรงa com as ciclovias definidas nos planos que anuncia, porque sabe que sรฃo precisos compromissos e estรก atenta ร sensibilidade do tema. Na Avenida da รndia, por exemplo, a ciclovia prevista nรฃo terรก avanรงado porque nรฃo se arriscou mexer com o automรณvel; o mesmo estarรก a empatar a ciclovia prometida na Avenida de Roma, uma artรฉria com duas a trรชs vias de trรขnsito (depende do troรงo) em cada sentido mas muito habitada e sensรญvel do ponto de vista eleitoral.
โHouve bastante cuidado em incluir no grupo de coordenaรงรฃo do pessoas com vรกrias sensibilidades polรญticas, nunca escondendo as mesmas.โ
Mudar uma cidade รฉ um trabalho de equilรญbrio. As pessoas parecem dispostas a participar e os polรญticos a ouvir. Rui Martins regista uma โmaior disponibilidadeโ por parte da autarquia a escutar as propostas organizadas pelos Vizinhos, โmas ainda nรฃo aos nรญveis ideaisโ; do lado das Juntas de Freguesia, ainda nรฃo sente tanta abertura. O grupo que coordena, o dos Vizinhos do Areeiro, รฉ o mais antigo… e o original, por assim dizer. No Facebook, sรฃo uma comunidade de 8,8 mil membros. Rui รฉ dos mais participativos e estรก constantemente na rua, partilhando desde fotografias de pormenores da freguesia a denรบncias de problemas a resolver. Os Vizinhos do Areeiro comeรงaram por ser โapenas um grupo de Facebook que estava muito focado em acรงรตes de cidadania hiperlocalโ. Sobreviveu, logo quando surgiu no inรญcio de 2016, ร s primeiras acusaรงรตes de se tratar de um โveรญculo para um movimento autรกrquico independenteโ, โ um apontar de dedo infundado, porque, diz Rui, โhouve bastante cuidado em incluir no grupo de coordenaรงรฃo do pessoas com vรกrias sensibilidades polรญticas, nunca escondendo as mesmas, assumindo-as com transparรชncia, mas nunca fazendo campanha nem prรณ nem contra nenhum partido polรญticoโ. Rui Martins foi, em 2017, nรบmero trรชs pelo PS na lista de suplentes da candidatura liderada pelos socialistas com o Livre e o Cidadรฃos Por Lisboa; e Jorge Oliveira, tambรฉm um dos elementos centrais dos Vizinhos do Areeiro, esteve na lista do CDS-PP (Coligaรงรฃo Nossa Lisboa). Noutros nรบcleos de Vizinhos tambรฉm รฉ possรญvel encontrar vรกrias ligaรงรตes partidรกrias entre os coordenadores. No nรบcleo das Avenidas Novas, Rui Barbosa jรก foi candidato pelo PSD. No da Misericรณrdia, Nuno Vasconcellos รฉ primeiro da lista da coligaรงรฃo de Carlos Moedas (New Times); lista onde tambรฉm estรก, no nรบmero dois e pelo PSD, Sandra Campos, coordenadora do grupo de Santa Maria Maior. Madalena Natividade รฉ agora candidata pela coligaรงรฃo New Times na freguesia de Arroios; em Alvalade encontra-se Gustavo Ambrรณsio Formiga ligado ao PS, na Estrela Paulo de Deus, tambรฉm PS. Sรณ os Vizinhos de Belรฉm, Arroios e Beato tรชm pessoas sem filiaรงรฃo polรญtica, seja militantes ou listas.
โOs partidos polรญticos a partir do momento em que comeรงam a ver que hรก grupos comeรงam a tentar capturar a participaรงรฃoโ, diz Luรญs Castro. โO da Penha de Franรงa foi um dos primeiros a ser capturadoโ por partidos, refere. โDiria que 90% das pessoas que estรฃo nestes grupos estรฃo por interesseโ mas garante que o seu interesse รฉ puramente a freguesia โ atรฉ porque, entende, a cidadania deve ser independente e autรณnoma, e nรฃo รฉ compatรญvel com a polรญtica. โSรณ falta o Bloco de Esquerda convidar-me [para uma lista na freguesia de Arroios]. De resto convidaram-me todos, desde o Chega ao PCP. A mim nรฃo me interessa.โ Luรญs apenas quer dividir o seu tempo pela cidadania, entre os Voisins de Arroios e outras associaรงรตes que integra, como รฉ o caso da Transparรชncia e Integridade ou le Frente Cรญvica.
โEste tipo de grupos sรฃo muito apetecรญveis para campanhas polรญticas, especialmente por parte de extremistas e radicaisโ, aponta Rui Martins. Para o coordenador dos Vizinhos do Areeiro, foi importante estabelecer regras restritas para o que se pode publicar e comentar, e fazer uma moderaรงรฃo activa; sรณ assim os Vizinhos do Areeiro conseguiram manter ao longo deste cinco anos um โnรญvel de urbanidade e utilidade dentro de nรญveis invulgarmente elevados para este tipo de grupos de Facebookโ. Do Facebook, os Vizinhos do Areeiro deram cedo o salto para fora do mundo virtual, marcando presenรงa nas reuniรตes pรบblicas da Cรขmara, nas Assembleias Municipais e nas Assembleias da freguesia, promovendo petiรงรตes online e atravรฉs do comรฉrcio local โ โum mรฉtodo que a prรณpria Junta de Freguesia do Areeiro viria a imitar em 2020โ โ, e pedindo reuniรตes privadas com os serviรงos camarรกrios, com vereadores e com deputados municipais. โOs nรบcleos nunca agiram numa lรณgica de anti-partidos ou anti-partido no poder: por isso ao longo dos anos procurรกmos equilibrar a crรญtica com o elogio, a reclamaรงรฃo com a proposta, o bom com o mauโ, entende Rui Martins. O โmod operandisโ dos Vizinhos do Areeiro nรฃo รฉ muito diferente dos de Belรฉm porque a filosofia รฉ a mesma: juntar cidadรฃos preocupados, tornar a informaรงรฃo acessรญvel, estimular o debate e promover um diรกlogo com o poder local.

Mesmo sem a chancela da associaรงรฃo Vizinhos Em Lisboa โ ou branding โVizinhos deโ โ, hรก quem goste de estar atento ao que se passa ร sua volta e que o faรงa com gosto. ร o caso do Olhar Por Telheiras, uma pรกgina no Facebook com cerca de 700 seguidores e que se propรตe a โolharโ pelo bairro dividido entre duas freguesias, Lumiar e Carnide. โNรฃo sรณ queremos mostrar como รฉ o nosso bairro, como queremos cuidar dele.โ Da pรกgina cuidam duas Marias, duas arquitectas de 60 anos e picos, moradoras do bairro โdesde quase o seu inรญcioโ, com uma habitante mais jovem. โComo arquitectas, gostamos de mostrar ร s pessoas como se pode projectar um bairro onde os moradores gostam de viver. Tentamos mostrar os aspectos positivos, a vida de bairro, com jardins, hortas, escolas, comรฉrcio, esplanadas e casasโ, mas a motivaรงรฃo para a criaรงรฃo da pรกgina, em Setembro de 2019, foi outra. โA pรกgina surgiu porque o bairro de Telheiras comeรงou a estar cada vez mais sujo e โabandonadoโ pela Junta de Freguesia [do Lumiar]. Comecei a perceber que, se publicasse fotos na minha pรกgina pessoal, poucos dias depois o problema ficaria resolvido, para alรฉm de ser contactada pelo Presidenteโ, conta uma das Marias. โA certa altura, no meu perfil pessoal, eram sรณ fotos de lixo e os meus amigos comeรงaram a protestar.โ O papel cรญvico do Olhar Por Telheiras esgota-se, no entanto, no mostrar. โNรฃo pretendemos ser porta-voz desses problemas junto das entidades competentes, deixando esse papel ร ART [Associaรงรฃo dos Residentes de Telheiras]โ, com a qual vรฃo colaborando. โGostaria que houvesse mais colaboraรงรฃo por parte dos moradores que seguem a pรกgina, enviando fotos e partilhando experiรชncias, mas, atรฉ agora, isso tem sido praticamente nulo. Acredito que, se os moradores se mobilizassem, sobretudo os mais jovens, o bairro teria outra dinรขmica e as entidades sentir-se-iam mais pressionadas.โ
O Fรณrum Cidadania Lx รฉ uma das comunidades cรญvicas mais antigas da cidade โ um movimento โque se destina a aplaudir, apupar, acusar, propor e dissertar sobre tudo quanto se passe de bom e de mau na nossa capital, tendo como รบnica preocupaรงรฃo uma Lisboa pelos lisboetas e para os lisboetasโ, conforme a sua prรณpria descriรงรฃo. Alรฉm de um blogue com arquivo a comeรงar em 2004, onde ainda hoje sรฃo publicados problemas da cidade enviados por cidadรฃos, hรก um grupo de Facebook que torna esse processo mais fรกcil e imediato. Os Voisins de Arroios tambรฉm a tentar puxar pelas freguesias onde a associaรงรฃo Vizinhos Em Lisboa nรฃo tem presente, tendo tido a iniciativa de criar grupos e pรกginas no Facebook para cada uma delas. A ideia foi prรฉ-reservar os espaรงos de discussรฃo e comeรงar a reunir um pรบblico. Ainda assim, a expressividade destes grupos em nรบmero de membros; as publicaรงรตes sรฃo em volumes igualmente reduzidos, algumas repetidas entre os diferentes grupos e estรฃo muitas vezes descontextualizadas da freguesia (por exemplo, com uma ciclovia nas Avenidas Novas a ser discutida no Lumiar ou no Beato).
Participar na cidade
Os grupos de Facebook permitem, em teoria, uma cidadania mais participativa, a discussรฃo dos problemas da freguesia e a mobilizaรงรฃo de grupos de pessoas com vista ร resoluรงรฃo dessas situaรงรตes. Estas comunidades podem tambรฉm ter um papel educativo: as pessoas โnรฃo conhecem as competรชncias de cada uma das instituiรงรตes, nem sabem identificar a autoridade de cada umaโ, como que poderes tem a Assembleia Municipal sobre a Cรขmara ou esta sobre uma qualquer Junta de Freguesia, ressalva o coordenador dos Vizinhos de Belรฉm. โSรฃo poucos os cidadรฃos que conhecem os instrumentos de participaรงรฃo que tรชm ร sua disposiรงรฃo, e menos ainda sรฃo os que compreendem a diferenรงa entre uma intervenรงรฃo numa reuniรฃo pรบblica de Cรขmara ou num plenรกrio da Assembleia Municipal, por exemplo.โ Rui Martins concorda: โA confusa repartiรงรฃo de competรชncias entre Juntas e Cรขmara sempre foi uma das nossas teclas favoritas.โ
Les sessรตes da Assembleia Municipal de Lisboa, todas as terรงas-feiras, sรฃo abertas ao pรบblico e com transmissรฃo online em directo, mediante inscriรงรฃo prรฉvia. Este รณrgรฃo รฉ composto por deputados municipais, eleitos nas autรกrquicas pelos cidadรฃos, e responsรกvel pela fiscalizaรงรฃo do trabalho executivo da Cรขmara Municipal, que os cidadรฃos tambรฉm elegem. Geralmente o partido maioritรกrio na Assembleia รฉ o partido que governa a autarquia, mas nรฃo tem de ser assim. A Cรขmara de Lisboa realiza reuniรตes pรบblicas uma vez por mรชs (tambรฉm transmitidas em directo), ร s quais a populaรงรฃo tambรฉm tem acesso. Depois hรก as Assembleias de Freguesia e a composiรงรฃo de cada Junta de Freguesia, o modelo รฉ semelhante ao municipal, quer do ponto de vista de eleiรงรฃo, quer do de participaรงรฃo pรบblica โ excepรงรฃo para as reuniรตes pรบblicas, que sรฃo uma iniciativa da autarquia, nรฃo prevista na legislaรงรฃo do poder local.
Apesar destes instrumentos, Carlos Moedas, candidato pelo PSD e CDS a Lisboa e principal figura adversรกria a Medina nas prรณximas eleiรงรตes, tem uma proposta de Assembleia de Cidadรฃos. Numa entrevista, Moedas aponta que a corrupรงรฃo se combate โcom mais transparรชncia e com a participaรงรฃo das pessoasโ e avanรงa a ideia de criar uma assembleia de cidadรฃos permanente, porque, defende, โno futuro da democracia vamos ter de deixar de ter os polรญticos apenas como intermediรกrios, mas tambรฉm como co-criadores das polรญticas com as pessoasโ. โA maior crรญtica que ouรงo em Lisboa รฉ que as pessoas nรฃo participam. Temos de ter a participaรงรฃo das pessoas e temos de ter a transparรชncia, e essa transparรชncia รฉ importantรญssima para qualquer processo. Quando as pessoas nรฃo se sentem incluรญdas, isso รฉ terrรญvel para a prรณpria gestรฃo da cรขmara.โ
O que Moedas defende nรฃo รฉ novo. As assembleias de cidadรฃos foram inventadas na Grรฉcia, chamavam-se Eclรฉsias โ assembleias populares, abertas a todos os cidadรฃos do sexo masculino, com com mais de vinte e um anos que tivessem prestado pelo menos dois anos de serviรงo militar e que fossem filhos de pai e mรฃe natural da pรณlis (cidade). Franรงa tem recuperado esta ideia, como conta o jornal The Guardian. Emmanuel Macron, o Presidente francรชs realizou uma assembleia de cidadรฃos a nรญvel nacional, seleccionando aleatoriamente 150 pessoas comuns com mais de 16 anos e de diferentes contextos para discutir o clima. O encontro terminou com Macron a comprometer-se com 15 mil milhรตes de euros adicionais para a crise climรกtica e a aceitar 146 das 149 recomendaรงรตes deixadas pelo grupo, colocando-as a referendo este ano. Esta experiรชncia de รขmbito nacional pode ser vista em parte como uma resposta ร crise populista dos coletes amarelos e alinha-se com outras realizadas regionalmente, por exemplo, na regiรฃo de Occitane, que abrange cidades como Toulouse, Montpellier e Carcassonne. โFoi o mais prรณximo que estive em minha vida do poder polรญtico. De certa forma, isso me deu esperanรงa na dinรขmica da democraciaโ, comentou Clarisse Pintat, uma chef franco-brasileira de 31 anos de Toulouse.
Em Lisboa existe uma assembleia nรฃo de cidadรฃos, mas de cidadรฃos-ciclistas. ร porta fechada, realiza-se uma vez por mรชs, sem data fixa, agora por videoconferรชncia dadas as circunstรขncias pandรฉmicas actuais. Sรณ em Abril do ano passado รฉ que passaram a ser regulares. โAntes disso, jรก tinha havido uma ou duas de forma presencial, mas sem serem regulares. A primeira foi em Abril de 2019โ, conta-nos Rosa Fรฉlix, que participa regularmente nestes encontros. Rosa รฉ investigadora do Instituto Superior Tรฉcnico, uma das autoras do trabalho anual sobre a utilizaรงรฃo da bicicleta em Lisboa, encomendado pela autarquia, e tambรฉm activista pela mobilidade ciclรกvel pela associaรงรฃo Cicloda. โAs reuniรตes sรฃo um momento para ouvir as associaรงรตes e grupos informais de ciclistas, as suas preocupaรงรตes e dar a conhecer as respostas que estรฃo preparadas para a cidade em primeira mรฃo.โ
โEstamos convidados para as reuniรตes, mas com a condiรงรฃo de silรชncio.โ
Os participantes sรฃo seleccionados pela autarquia, e sรฃo geralmente os mesmos de sessรฃo para sessรฃo; entre eles, contam-se alguns dos ciclistas mais conhecidos entre a comunidade e membros de associaรงรตes. โA meu ver, รฉ importante que aconteรงam estes fรณruns para ambas as partes. Para a Cรขmara de Lisboa porque cria logo apoiantes das medidas, dando tempo para as associaรงรตes (ou pessoas mais activas nas redes) terem uma posiรงรฃo imediata sobre as coisas que vรฃo acontecer โ e normalmente apoiar ou conhecer com detalhe o porquรช de algumas opรงรตes, ajudando na discussรฃo pรบblica. Para as associaรงรตes e grupos, porque desde hรก anos que se queixam que as decisรตes sรฃo tomadas sem discussรตes โ e assim criam este espaรงo em que realmente podem haver essas discussรตes e sugestรตes de alteraรงรฃo ainda longe dos olhares formais do pรบblico.โ
Mรกrio Alves tem um entendimento diferente. Critica o facto de os activistas que participam nas reuniรตes โescolhidos sem qualquer tipo de critรฉrio e transparรชnciaโ, por exemplo, e diz que โa MUBi jรก andava a pedir uma comissรฃo de acompanhamentoโ para as questรตes da mobilidade activa, entendendo que essa comissรฃo โdeve alargada, com um pequeno protocolo a dizer quem sรฃo as pessoas que participamโ e que a participaรงรฃo deveria ser muito mais aberta e para alรฉm dos activistas da bicicleta. โDeve ter por exemplo representantes dos peรตes, jornalistas, representantes das juntas de freguesia…โ O activismo pedonal รฉ menor em relaรงรฃo ร bicicleta porque os ciclistas โtรชm uma identidade polรญtica, porque sรฃo poucos. Em quase todas as cidades europeias representam menos de 10%. Nas cidades portuguesas sรฃo 0,5%, 1%, 2%. A bicicleta tambรฉm รฉ uma ferramenta carismรกtica. Dรก-te asas, quase. ร um sistema mecรขnico altamente poderoso e quem anda naquilo fica apaixonado, nรฃo quer outra coisa. E os ciclistas tambรฉm trazem essa paixรฃo para o activismoโ, acrescenta Mรกrio Alves. โO andar a pรฉ diz respeito a 100% das pessoas. Isso รฉ positivo em termos eleitorais, mas รฉ negativo em termos de activismo. Os peรตes nรฃo tรชm identidade polรญtica, nem sabem que sรฃo peรตes.โ
A informalidade destas reuniรตes permite que nรฃo existam actas escritas, โuma coisa terrรญvelโ porque o que foi dito pode ser contradito passado uns meses; e o que รฉ discutido tambรฉm nรฃo pode sair cรก para fora. โA MUBI tem associados e os associados deviam saber o que se passa nas reuniรตes, que vai acontecer isto e aquilo na cidade, que concordamos com isto mas nรฃo com aquilo. Estamos convidados para as reuniรตes, mas com a condiรงรฃo de silรชncioโ, aponta Mรกrio Alves. Nos encontros, marca presenรงa o vereador da mobilidade, Miguel Gaspar, mas Fernando Medina jรก participou por duas vezes, โo que รฉ um sinal de enorme disponibilidade de tempo e recursos para que estas auscultaรงรตes aconteรงamโ, assinala Rosa Fรฉlix โรs vezes hรก pontos para apresentaรงรฃo de uma nova ciclovia, por exemplo, e aรญ ouvem-se as opiniรตes dos vรกrios intervenientes e a Cรขmara adapta ou nรฃo os seus planos. A maior parte das vezes รฉ isso: a Cรขmara quer ouvir as nossas opiniรตes antes de avanรงar para algoโdit-il. โOutras vezes nรฃo hรก nenhum tรณpico em cima da mesa e aproveita-se para ouvir os intervenientes sobre algum caso especรญfico, por exemplo, o porquรช de nรฃo haver estacionamentos para bicicletas numa certa freguesia, o fechar uma rua ao trรขnsito, o รขngulo recto de dada ciclovia, o semรกforo que nรฃo estรก bem programado ou a รกrvore que dificulta a visรฃo num certo รขngulo.โ
Em Portland, nos Estados Unidos da Amรฉrica, existe uma iniciativa semelhante, mas com uma abertura diferente. Chama-se Bicycle Advisory Committee (BAC) e realiza-se mensalmente โ na segunda terรงa-feira de cada mรชs โ, servindo o encontro para discutir projectos do interesse dos ciclistas e os problemas destes, possibilitando um diรกlogo prรณximo com a Cรขmara de Portland. Ao contrรกrio das sessรตes em Lisboa, o โcomitรฉ da bicicletaโ de Portland รฉ aberto a qualquer cidadรฃo, que pode inscrever-se atravรฉs de um site caso deseje participar. O Lisboa Para Pessoas contactou a Cรขmara Municipal de Lisboa, que nรฃo respondeu ร data de publicaรงรฃo desta reportagem

A internet pode revolucionar a cidadania, mas para aumentar a participaรงรฃo pรบblica รฉ tambรฉm fundamental simplificar os processos para que as pessoas nรฃo se sintam desmotivadas pelo que tรชm de preencher ou enviar. โAs associaรงรตes de moradores como as conhecemos deixaram de conseguir responder ร velocidade com que as ideias e os problemas surgem no dia-a-dia. Por isso, de certa forma, deixaram de ser motores de cidadania eficazesโ, diz Gonรงalo. โOs Vizinhos existem para estimular, questionar e auxiliar as autarquias locais. Somos os primeiros a defender que as autarquias se tรชm de adaptar a uma nova realidade e a um novo ritmo. O mundo de hoje em dia funciona em tempo real e, muitas vezes, as autarquias estรฃo formatadas para um โtempo lentoโ.โ
O CONSUL รฉ uma ferramenta digital, aberta e gratuita, cujo cรณdigo qualquer pessoa ou entidade pode descarregar para criar a sua prรณpria plataforma de participaรงรฃo pรบblica. ร usado em vรกrias cidades mundiais, incluindo vรกrias espanholas, como รฉ o caso da capital, cujo municรญpio lanรงou o Decide Madrid com este software. Nesta plataforma, os madrilenos podem lanรงar propostas para a sua cidade e debatรช-las com os seus vizinhos, numa espรฉcie de fรณrum. Hรก votaรงรตes promovidas pela autarquia e รฉ tambรฉm aqui que se realiza o orรงamento participativo. Uma alternativa ao CONSUL, tambรฉm aberta e gratuita, รฉ o Decidim, que foi criado em Barcelona e รฉ usado pela autarquia local numa estratรฉgia semelhante ร de Madrid.

Lisboa tem dado passos positivos. Foi o primeiro municรญpio do paรญs a criar um Orรงamento Participativo, reservando uma verba e colocando a populaรงรฃo a participar atravรฉs da apresentaรงรฃo directa de ideias para a cidade e/ou da votaรงรฃo nessas mesmas ideias. Na ediรงรฃo de 2021, estiveram em concurso vรกrios projectos sobre mobilidade ciclรกvel e novos usos do espaรงo pรบblico. Apesar das vรกlidas crรญticas em relaรงรฃo ร demora na execuรงรฃo de vรกrios dos projectos vencedores, nรฃo deixa de ser assinalรกvel a adesรฃo das pessoas a este instrumento: este ano foram recebidas 251 propostas, ainda assim quase metade das candidaturas do ano anterior (539). Nesta ediรงรฃo do Orรงamento Participativo, a autarquia tem uma verba global de 2,5 milhรตes de euros para financiar os projectos vencedores, aqueles que apรณs o processo interno de selecรงรฃo foram validados.
Ao alcance dos cidadรฃos estรก ainda a aplicaรงรฃo Na Minha Rua, que permite reportar atravรฉs do telemรณvel, de fotografias e descriรงรตes situaรงรตes que precisem de ser rectificadas na cidade. Os relatรณrios sรฃo processados por um sistema informรกtico centralizado pela Cรขmara e Juntas de Freguesia, em que tudo รฉ categorizado para ser resolvido. โUma pavimentaรงรฃo total pode demorar sรฉculos porque รฉ preciso empreitada. Se for uma lรขmpada, vรฃo juntando diligรชncias para optimizar os recursosโ, refere Gonรงalo, que se diz um utilizador da aplicaรงรฃo. A Minha Rua estarรก a ser redesenhada do backend como frontend para dar resposta ร s muitas dificuldades que a aplicaรงรฃo tem actualmente, esperando-se que os problemas possam ser resolvidos de modo mais cรฉrebre. โEsta decisรฃo de investimento sรณ acontece porque se prova que aquela aplicaรงรฃo faz todo o sentido na cidade e o seu funcionamento รฉ indispensรกvel. Este trabalho cรญvico tambรฉm vale, este trabalho de insistir para que as ferramentas funcionem รฉ uma coisa boa.โ
โProcessos de discussรฃo pรบblica como o do Martim Moniz, Tapada das Necessidades e loteamentos do Alto do Restelo sรฃo bons exemplos de como a Cรขmara esteve ร altura dos desafios que processos participativos abrangentes como esses projectos acarretam.โ
No site da autarquia tambรฉm รฉ possรญvel participar no processo de decisรฃo do futuro da Praรงa do Martim Moniz. Depois de um primeiro processo pouco participado e que culminou no cancelamento dos projectos de renovaรงรฃo da praรงa por pressรฃo forte da populaรงรฃo, a Cรขmara Municipal procura agora um maior e melhor entendimento com a comunidade atravรฉs de um processo aberto de auscultaรงรฃo de ideias e de recepรงรฃo de desenhos. ร possรญvel participar nesta discussรฃo atravรฉs do site de cidadania da autarquia, onde vรฃo sendo publicados outros projectos para a cidade. Um deles, tambรฉm polรฉmico, รฉ o da Tapada das Necessidades. Uma petiรงรฃo dos Amigos deste espaรงo verde, que no final de Marรงo juntava oito mil assinaturas, reรบne agora quase 12 mil, obrigando a autarquia a esclarecer o projecto previsto para ali (e que nรฃo era pรบblico) e preparar um โPlano de Salvaguarda da Tapada das Necessidadesโ, colocando-o ร discussรฃo de todos antes de se avanรงar com qualquer obra. โProcessos de discussรฃo pรบblica como o do Martim Moniz, Tapada das Necessidades e loteamentos do Alto do Restelo sรฃo bons exemplos de como a Cรขmara esteve ร altura dos desafios que processos participativos abrangentes como esses projectos acarretam. No entanto, nenhum desses processos partiu da Cรขmara inicialmente. Sรณ foram possรญveis por exigรชncia da cidadania mobilizadaโ, conclui Gonรงalo Matos.
Os loteamentos do Alto do Restelo foram uma das polรฉmicas mais recentes na freguesia de Belรฉm e o trabalho de cidadania dos Vizinhos de Belรฉm, juntamente com o processo de participaรงรฃo pรบblica promovida pela autarquia, terรก sido importante para um novo consenso: os novos edifรญcios previstos, vulgarizados como โtorres do Resteloโ, vรฃo ter menos altura, resolvendo-se uma das primeiras crรญticas, mas hรก tambรฉm um reforรงo de equipamentos de utilidade pรบblica e social na freguesia. Mas Gonรงalo e os Vizinhos ainda nรฃo estรฃo descansados e prometem continuar a exercer a sua pressรฃo construtiva para a melhoria deste projecto urbanรญstico.
Artigo actualizado a 27/07/2021 com algumas correcรงรตes.