Carlos Moedas prometeu 20 minutos grátis de estacionamento e 50% de desconto nos minutos seguintes para quem mora em Lisboa. Medida pode comprometer metas da cidade e do país para 2025 e 2030.

Entre as propostas do programa eleitoral de Carlos Moedas há várias ideias de incentivo à mobilidade ciclável e pedonal e ao uso do transporte público, mas uma medida em particular pode rivalizar com a meta de reduzir para um terço as deslocações de automóvel na cidade: oferecer a quem vive na cidade 20 minutos grátis de estacionamento por dia e 50% de desconto nos restantes períodos em todas as tarifas EMEL.
De acordo com o MOVE Lisboa – Visão Estratégica para a Mobilidade 2030, documento aprovado por maioria no mandato de Medina que agora termina, a capital ambiciona reduzir para 34% o número de deslocações de automóvel e aumentar a quota modal da chamada “mobilidade verde” (andar a pé, bicicleta e transporte público). Com o automóvel a ter em 2017 na cidade uma repartição de 46% (INE), essa ambição representa uma redução de 28% dos carros que circulam actualmente na capital portuguesa. O MOVE Lisboa estabelece ainda a triplicação do número de viagens realizadas em bicicleta até 2025.
Contudo, as promessas de Moedas de 20 minutos de estacionamento gratuitos para quem vive na cidade e um desconto de 50% nos minutos seguintes são um incentivo à utilização do automóvel na cidade e poderá desajudar no cumprimento das quotas estabelecidas para 2030. Quem o diz é Mário Alves, engenheiro civil, especialista na área dos transportes e mobilidade: “Reduzir o tarifa horária para residentes exacerba o uso do automóvel dentro da cidade, com todas as consequências negativas que daí advêm. Viagens curtas dentro de Lisboa e rotações de lugares de menos de 20 minutos aumentam os congestionamentos, a poluição (com inícios de ignição frequentes) e expõem os modos activos a mais perigo.”
“Poderá inclusivamente aumentar o tráfego de procura de estacionamento, ao aumentar o desejo de estacionar por parte de Lisboetas, em competição com visitantes da cidade, num contexto de uma oferta que será sempre limitada e escassa”, acrescenta o especialista, relembrando outras medidas de incentivo à utilização do automóvel levadas a cabo pelos executivos camarários anteriores, incluindo o de Fernando Medina, como a gratuitidade do primeiro dístico da EMEL para famílias com mais que uma viatura ou o aumento do número de lugares de estacionamento na cidade. “O controle e gestão do estacionamento é uma das formas mais eficazes para reduzir a propriedade e uso do automóvel na cidade”, entende.
A Visão Estratégia para a Mobilidade da Cidade para 2030, ou MOVE Lisboa, foi um documento aprovado em reunião de Câmara no final de 2019 com maioria de 11 vereadores, incluindo o voto favorável dos dois vereadores do PSD. Já o CDS, com os seus quatro vereadores, votou contra, ao lado do PCP. Da reunião de Câmara, o MOVE Lisboa seguiu para a Assembleia Municipal, tendo sido debatida e votada em Janeiro de 2020: aqui, o PSD já se absteve juntamente com o PAN; o CDS voltou a votar contra ao lado do PCP e também do PPM. A favor votou, além do PS e BE, o MPT, partido que integra com o PSD, CDS, Aliança e PPM, a coligação New Times de Carlos Moedas, vencedora das eleições de 26 de Setembro.
PSD concordou com o MOVE Lisboa, CDS subscreveu “algumas boas intenções”
Da acta de reunião de Câmara, que pode ser consultada em baixo, pode ler-se que o MOVE Lisboa contou com os contributos prévios dos vários partidos através de encontros privados com a equipa de mobilidade da Câmara de Lisboa. João Pedro Costa, vereador do PSD, disse, nessa mesma reunião camarária, que o documento parecia ao partido “relativamente consensual” e que seria importante que o mesmo “possa perdurar para além dos mandatos autárquicos, e dos partidos que liderarem a Câmara Municipal de Lisboa”. “Onde depois surgirão dúvidas e eventualmente algumas diferenças será na forma de concretização das várias medidas, mas cá estaremos depois para também discutir activa e construtivamente como temos feito”, acrescentou o vereador social-democrata.
João Gonçalves Pereira, vereador do CDS, explicou que o documento “enuncia algumas boas intenções, que nós até acompanhamos e subscrevemos”, mas as “várias reservas” que o partido levantou – como a não existência de uma visão para a mobilidade que abranja todo o contexto metropolitano de Lisboa, a não integração da expansão do Metro de Lisboa na estratégia ou a não contemplação do automóvel eléctrico enquanto “modo suave” de mobilidade (na perspectiva do CDS) – terá levado ao voto contra. Já o PCP, na voz do vereador Jorge Alves, alegou que o MOVE Lisboa, apesar de conter “um conjunto e intenções genéricas e abrangentes, não discordando o PCP da maioria dos princípios gerais evocados”, a visão estratégia expressa nesse documento não considera a “situação presente” la ville de Lisbonne e pode “não ser entendida pelos cidadãos que tenderão a olhar para este momento como desfasado da realidade e dos problemas sentidos no dia-a-dia”.
Miguel Gaspar, então vereador do PS com a pasta da mobilidade, congratulou-se, depois de ouvir os seus colegas do executivo, com a “concordância” existente entre PS, PSD e BE em relação a uma visão estratégia para o futuro da mobilidade em Lisboa e no esforço para se chegar a um “acordo nos princípios para que haja alguma estabilidade de políticas”, que duram para além dos mandatos de quatro anos que “todos nós temos para cumprir”.
Visão estratégia permite dar estabilidade política à cidade
O MOVE Lisboa encontra-se publicado no site da autarquia e pode ser consultado no final deste artigo; também existe uma versão impressa que terá sido distribuída em alguns locais, como recentemente na conferência Velo-city. A existência de uma visão estratégica como a estruturada no MOVE Lisboa é crucial para criar consensos na cidade, como explicou Mário Alves numa conversa durante o Verão com o Lisboa Para Pessoas. “Lisboa é capaz de ser a única capital europeia que não tem um plano de mobilidade”, disse em Julho. Um plano de mobilidade descreveria uma visão em que se imagina “com as pessoas o futuro, como gostaríamos que fosse a nossa cidade”. Essa visão, “que até pode ser utópica e optimista”, permite traçar um caminho político e definir medidas para lá chegarmos, como se estivéssemos a caminhar rumo a um horizonte sem fim. “Depois também acontece que a visão vai mudando, daqui a 10-15 anos podemos estar a aproximarmo-nos da visão que se tinha e tornamo-nos ainda mais ambiciosos.” A visão deveria ser construída com a sociedade civil, as pessoas, as associações, os núcleos de vizinhos e todos os que quiserem participar.
“Isto podia ser simbólico mas se assinarmos todos o documento a dizer que queremos zero poluição ou quase nenhuma poluição na cidade, ao aumentar o número de estacionamento ou a alargar uma avenida, estar-se-ia a contradizer um documento assinado”, disse Mário ainda nessa conversa. “A visão é fácil. Tanto a MUBi como o ACP, por exemplo, poderão concordar na visão, mas nas medidas para lá chegar é que podem não concordar. Mas não se poderia andar para trás. Poderia adiar-se medidas – por não haver um horizonte temporal. Mas pelo menos não se poderia andar para trás. Não se iria poder colocar agora mais uma via porque isso contradiz claramente o documento que assinaste.”
Apesar de o MOVE Lisboa ter sido construído com os partidos representados na Câmara Municipal de Lisboa no último mandato (PS, CDS, PSD, PCP e BE), o documento não passou por um processo de consulta pública como outros. No entanto, não deixa de ser uma visão estratégica que teve consenso maioritário dos partidos, incluindo do PSD que sustenta a coligação de Carlos Moedas que venceu a última corrida autárquica.
PSD e CDS concordaram com 4% para a bicicleta em meio urbano até 2025
O MOVE Lisboa procura que as viagens de automóvel na capital representem apenas 34% do total de deslocações, uma redução de 28% que será trabalhada com investimentos na mobilidade pedonal, nos transportes públicos e também na mobilidade ciclável. A Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 estabelece compromissos para a bicicleta até 2025 e 2030. Já para daqui a quatro anos a ambição nacional passa por 4% de quota modal para a bicicleta nas cidades; a meta são os 10% até 2030. A nível de todo o território, espera-se até 2025 que 3% de todas as viagens em território nacional sejam de bicicleta e que, até 2030, esse valor suba para 7,5%.
O Governo de António Costa tem demorado a aplicar a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável 2020-2030 (ENMAC 2020-2030), como associações como a MUBi têm vindo a denunciar. No entanto, Eduardo Pinheiro, Secretário de Estado da Mobilidade, garantiu no início deste mês que a equipa do ENMAC será aumentada, promessa que reiterou recentemente na cerimónia de entrega do Prémio Nacional da Mobilidade em Bicicleta.
Os partidos com assento parlamentar têm, no entanto, vindo a pressionar o Governo para a concretização do ENMAC 2020-2030. Em Fevereiro deste ano, PSD e CDS votaram ao lado do PS, BE, PCP, PAN e PEV uma recomendação ao executivo governamental para que calendarizasse e começasse a concretizar a ENMAC até ao final do 1º trimestre de 2021. Já em Julho de 2020, o Parlamento tinha pedido ao Governo que priorizasse e acelerasse a execução da Estratégia Nacional através da Resolução da Assembleia da República nº 61/2020, que agregou projectos de resolução do PS, PSD, PAN e PEV.