Foram apresentados os resultados do inquérito Mãos Ao Ar! de 2021. Relatório traça a mais completa radiografia de como as crianças e jovens vão para a escola em Lisboa. Carro continua a ser dominante mas o transporte público recuperou em relação a 2020.

Anualmente desde 2018, a Câmara de Lisboa promove junto das escolas da cidade o inquérito Mãos Ao Ar!, que tem permitido à autarquia ter uma radiografia da mobilidade escolar. Os dados de 2021 foram apresentados num evento público na passada quinta-feira, 28 de Abril, e dão conta de que as deslocações em automóvel decresceram ligeiramente para o transporte público, recuperando-se um pouco o cenário pré-pandemia. No entanto, registou-se um aumento das deslocações de carro para a escola no ensino privado.

A apresentação dos resultados do inquérito Mãos Ao Ar! decorreu na Sala do Arquivo nos Paços do Concelho e foi conduzida por Inês Castro Henriques, chefe da divisão de estudos e planeamento da mobilidade da Câmara de Lisboa. Na sessão, Inês explicou que os dados são recolhidos “sempre entre 1 e 15 de Outubro” e que a escolha dessas duas semanas não é ao acaso: no dia 12 assinala-se o Dia Mundial da Obesidade e “a mobilidade tem a ver com uma serie de questões e também com a saúde”. Para a realização do Mãos Ao Ar!, a Câmara de Lisboa conta com o apoio das escolas e dos professores, pedindo-lhes apenas alguns minutos de aula para que possam colocar aos alunos uma pergunta simples:
Como vens habitualmente para a escola?
As respostas são dadas com o simples levantar do braço por cada criança ou jovem, consoante cada uma das 10 opções de resposta: exclusivamente a pé, à partir de bicicleta, trotineta, patins ou skate, à partir de autocarro, à partir de comboio, à partir de metro, à partir de eléctrico, à partir de automóvel, à partir de mota, à partir de transporte escolar (“carrinha”) ou noutro modo (como barco, táxi ou uber). Em 2021, o registo das respostas dos alunos por parte dos professores deu-se em formato digital, tendo-se abandonado o papel. “A pedido das escolas, o processo foi completamente desmaterializado”, disse Inês, referindo que a pandemia também acelerou nessa mudança.
Das 226 escolas abrangidas, participaram – com pelo menos uma turma a responder ao questionário – 179 escolas, o que corresponde a cerca de 80%. Esta participação corresponde a 123 escolas públicas (69%) e 56 privadas (31%). Relativamente ao número de alunos, participaram neste ano 38 078 alunos (46% da população escolar do 1º ao 12.º ano), correspondendo a 26 316 alunos do ensino público (49%) e 11 762 do ensino privado (41%).


Em relação aos anos anteriores, a participação foi em número de alunos inferior a 2020 (39 883 alunos) e a 2019 (47 141 alunos). No relatório agora apresentado, a autarquia justifica a diminuição na taxa de resposta com a “situação de pandemia que fez com que algumas turmas se encontrassem em isolamento, não estando a frequentar o estabelecimento de ensino na data da realização do inquérito”. Olhando para o número de escolas, em 2020 participaram 159 escolas (107 públicas e 52 privadas) do total de 229; e no ano anterior 188 escolas (91% das escolas públicas e 71% das privadas) do total de 228.
No Mãos Ao Ar! são analisados todas as escolas de ensino básico e secundário da cidade de Lisboa, a partir da informação das bases de dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) – com a excepção das escolas do ensino militar, profissional e artístico (nomeadamente os conservatórios). Tal deve-se à impossibilidade de controlar (e, consequentemente, excluir ou incluir) os factores que poderiam influenciar a relevância dos resultados obtidos, como a existência de alunos em regime de internato, especialmente no caso do ensino militar; a impossibilidade de distinguir entre ensino noturno e diurno, no caso das profissionais; e a existência de turmas em ensino não-integrado, com impossibilidade de distinção dos anos lectivos, no caso do ensino artístico e profissional.
O que há a saber deste ano?
- 78,9% dos alunos das escolas privadas disse que vai habitualmente de carro para a escola, enquanto que nas escolas públicas essa percentagem é de 34,5%;
- nas escolas públicas, as deslocações pedonais representam 32,1%, as de autocarro 19,6%, o metro 6,3%, o comboio 3,0% e a bicicleta (ou outros modos suaves) 1,4%. Nas privadas, o autocarro, o metro e o comboio são quase residuais (1,9%, 1,9% e 0,4% respectivamente), a bicicleta sobe para 1,7% e o caminhar representa 11,7%;
- olhando aos ciclos, a utilização do automóvel diminui à medida que as crianças e jovens crescem: se no 1º e 2º Ciclos ronda os 56,8%, no 3º Ciclo desce para 45,7% e o Secundário é de apenas 28,4%. No sentido contrário, evolui o transporte público: se no 1º Ciclo somente 7,8% vai de autocarro e 1,9% de metro, no Secundário essas percentagens aumentam para 25,5% e 13,8%, respectivamente; já o comboio é serve nestas idades 6,2% das deslocações para a escola, enquanto que no 1º Ciclo tem uma percentagem inferior a 1%.
- em relação à bicicleta, a percentagem desce do 1º Ciclo para o 2º Ciclo de 1,5% para 0,8%, e aumenta do 3º Ciclo para o Secundário de 1,6% para 1,7%. São as crianças do 1º e 3º Ciclos das escolas privadas que mais se deslocam de bicicleta, reportando 2%. No público, a maior percentagem é registada entre os jovens do Secundário: 1,8%.
Podes consultar todos os dados no relatório em baixo:
Em média, responderam 48% dos alunos de cada escola. As freguesias de Santa Clara, Santa Maria Maior, Santo António, São Domingos de Benfica e São Vicente foi onde houve maior taxa de respostas, com valores superiores a 60%. A Câmara de Lisboa não divulga publicamente os dados de cada freguesia e de cada escola, mas entrega-os aos respectivos responsáveis a seu pedido, cabendo-lhes a decisão de divulgar ou não essa informação. A Junta de Freguesia dos Olivais, por exemplo, publicou o seu relatório local de 2019. No entanto, Inês Castro Henriques revelou na sessão que há uma escola na cidade onde a percentagem de utilização da bicicleta entre os alunos é de 9% – especificou qual.
À apresentação dos resultados do inquérito Mãos Ao Ar! 2021, seguiu-se uma intervenção de João Vieira, da Carris, sobre os esforços do operador municipal no campo da mobilidade escolar e uma outra de David Vale, investigador da Universidade de Lisboa, sobre a importância do andar a pé. O evento contou ainda com a presença do vereador da mobilidade, Ângelo Pereira. Num breve discurso, no final da sessão, destacou a gratuitidade dos transportes gratuitos para os jovens estudantes, o lançamento de um novo serviço de transporte escolar com a Carris e os Comboios de Bicicleta como os três grandes investimentos da Câmara de Lisboa no campo da mobilidade escolar. O responsável executivo realçou que o Mãos Ao Ar! é “um trabalho importante para os decisores políticos”, apesar de “estamos a comparar anos atípicos”. Ângelo Pereira disse ter “a certeza de que os resultados deste ano de 2022 vão ser bem diferentes. Acho que vai conseguir diminuir a utilização do automóvel, até pelas medidas que estamos a implementar” e disse que vai ajudar pessoalmente na divulgação do inquérito para aumentar as taxas de resposta, especialmente nas freguesias mais fracas.
As carreiras da Carris mais utilizadas pelos estudantes
Já João Vieira, da Carris, revelou que 28% dos clientes da Carris são jovens estudantes com menos de 23 anos e que no passado mês de Março representaram 12% das validações. A operadora consegue traçar estas conclusões através das modalidades 4_18 e sub23 do passe Navigateur, bem como do título Navegante 12, do qual todas as crianças até aos 12 anos de idade podem usufruir desde 2019 e que lhes dá acesso a transportes públicos gratuitos em toda a Área Metropolitana de Lisboa. Em relação a Março de 2019, o número de crianças até aos 12 anos a viajar na Carris subiu 12% e o número de validações aumentou 4%.
As carreiras da Carris com mais jovens estudantes até aos 23 anos são o 52B (30,0% do total de clientes), o 771 (28,2%), o 723 (25,8%), o 26B (23,0%), o 776 (21,3%), o 19B (20,8%), o 40B (20,7%), o 37B (20,3%), o 768 (19,6%) e o 731 (19,6%). Todas as carreiras identificadas com a letra “B” pertencem ao serviço Carreiras de Bairro e são linhas mais locais, que servem os bairros e, que de acordo com João Vieira, podem ser melhor promovidas como linhas escolares. Para o responsável da Carris, a forma como as crianças vão para a escola é duplamente importante, porque, por um lado, “vai influenciar a escolha modal ao longo da sua vida” e, por um lado, “também influencia a mobilidade dos pais” no dia-a-dia – por terem os filhos para levar à escola, muitos pais optam pelo automóvel. “Gostávamos que em 2022 tivéssemos mais crianças a levantarem o braço e a dizer que vão de autocarro.”
David Vale falou de mobilidade pedonal na sessão, lembrando que “o andar a pé é algo que muitas vezes é permitido mas não é promovido” para salientar que, se queremos aumentar a quota pedonal, “temos que melhorar as condições” que são dadas às pessoas para caminhar. “O peão é sensível a uma série de coisas que de carro não somos”, como a beleza dos espaços, contou. Para o académico, é fulcral restringir e reduzir o automóvel e também concentrar distâncias para que a mobilidade pedonal passe a ser uma opção. “Temos de olhar para a estrutura urbana e para a infraestrutura pedonal” em conjunto, até porque só cidades com uma “densidade média” et un “escala humana” podem ser boas cidades para andar a pé.
Ao mesmo tempo, há que melhorar a segurança das ruas, apontou David Vale. “Se perguntarmos aos pais porque é que não deixam os filhos ir a pé para a escola, muitas vezes a resposta tem a ver com um único cruzamento no trajecto que acham perigoso”, apontou. Adepto de soluções de coexistência, David deixou uma provocação no final da sessão, mostrando uma imagem de um veículo autónomo: “Eu acho que a autonomia dos automóveis é uma coisa disparatada. Temos de promover a autonomia das pessoas, não de carros.”
Os dados do Mãos Ao Ar! já estão disponíveis numa plataforma de dados para fins académicos, podendo ser utilizados pelas universidades para trabalhos de investigação e não só. Sobre a sua disponibilização de forma aberta, para todas as pessoas, Inês Castro Henriques disse, em resposta à pergunta de um munícipe, que pensa que “não haverá problema” et que “caminharemos para aí”, mas sem certezas sobre esse passo.
Podes consultar, de seguida, os relatórios de 2020 e de 2019: