A Câmara de Lisboa requalificou a envolvente da EB1 Rosa Lobato Faria, uma escola “esquecida” da cidade, na freguesia de São Vicente. O antes e depois mostram uma mudança significativa.

A maioria dos alunos em Lisboa vai para a escola de automóvel. Um inquérito de 2021, que é realizado anualmente pela autarquia em várias escolas da cidade, dá conta de que 48,2% das crianças e jovens se desloca de carro para a escola, 25,8% a pé, 23,6% de transporte público e apenas 1,5% de bicicleta. Já um relatório sobre o estado da obesidade infantil, publicado em Dezembro de 2017 com dados do país inteiro sobre 2016, indicava que 76,6% das crianças iam para a escola de automóvel, apenas 17,5% a pé ou de bicicleta. E a maioria dos encarregados de educação (64,1%) não considerava o caminho para a escola seguro para os filhos.
Os números pintam a realidade que diariamente podemos ver à frente dos portões das escolas da cidade. Especialmente de manhã, à hora de entrada, que acaba por ser comum às diferentes turmas, parecem intermináveis as filas de trânsito, há carros parados por tudo o que é sítio – mesmo que se trate de uma paragem de autocarro, de um passeio ou de uma passadeira – e o transporte público atrasa-se no meio de toda esta confusão. O caos dura alguns minutos apenas – é como uma tempestade que vem e vai, mas que se repete manhã após manhã, durante todo um ano lectivo. Ouvem-se buzinas porque há quem não se despache e sente-se o stress de quem tem ainda de correr para os empregos. A poluição adensa-se, mesmo à frente dos narizes das crianças.
O antes
Na escola da filha de João Campos, não é diferente. Numa quarta-feira bem cedo, João foi deixar a sua mais pequena à EB1 Rosa Lobato Faria, na freguesia de São Vicente. Moram a cerca de um quilómetro e por isso vão a pé. A rotina costuma ser esta, mas, naquele dia 29 de Setembro de 2021, João ficou mais um bocadinho para falar connosco e nos mostrar o que, rotineiramente também, lhe desagradava na envolvente da escola da filha. Naquele dia 29 de Setembro, percorremos a rua da escola de fio a pavio. Vimos os passeios cheios de carros, dificultando a mobilidade pedonal das crianças e aumentando o perigo nas passadeiras. Atentámos na sinalização a limitar a velocidade a 30 km/h mas que pouco efeito devia produzir num desenho urbano pouco propício a velocidades calmas. Observámos a subida penosa desde a Avenida Avenida Mouzinho de Albuquerque, que liga Santa Apolónia à Praça Paiva Couceiro – penosa não só pela inclinação mas também pelos passeios estreitos que, quando existem, estão ocupados por automóveis. Mirámos ainda as escadas escorregadias e tortas que oferecem um atalho para a dita avenida.

“Se há dinheiro para meter pinos [para bloquear o estacionamento abusivo] e para embelezar o centro da freguesia, também tem de haver para aqui. Esta zona não pode ser esquecida”, lamentava. João referia-se ao arranjo urbanístico que foi feito mesmo ali ao lado, na zona histórica da freguesia de São Vicente: ruas estreitas e de sentido único, com um piso empedrado e estacionamento devidamente ordenado – obras que ficaram mesmo à porta da rua da EB1 Rosa Lobato Faria. A área da envolvente da escola integra um plano urbanístico maior e que prevê um plano de requalificação de todo o chamado Vale de Santo António, transformando um sítio carregado de baldios e de incoerências urbanísticas numa zona consolidada, humanizada e com serviços de proximidade.
Enquanto se aguardou por esse plano, a EB1 Rosa Lobato Faria foi vivendo no meio de um pandemónio. João reconheceu que “não se consegue resolver do pé para a mão” mas considerava que “se tem de começar por algum lado, e sou da opinião que se deve começar pela escola”. Criar um melhor ambiente na envolvente escolar não era difícil, nem muito menos organizar o estacionamento na zona de forma a compatibilizar os interesses dos residentes com os da comunidade escolar – as ruas eram largas e tinham espaço para o recorte de lugares, e há vários baldios por ali. João contava-nos que estava previsto um parque de estacionamento num deles.




Enquanto caminhamos pelos passeios estreitados pelos automóveis, um vizinho cumprimenta João enquanto seguia para a sua viatura. Antes de sair, tira-nos discretamente uma fotografia. Não sabemos se a imagem teve como destino algum grupo de Facebook ou WhatsApp, mas João sabia que incomoda na sua luta por um bairro melhor e por uma escola mais segura. Há que “sensibilizar e não multar”, garantia. João Campos integra a associação de pais da EB1 Rosa Lobato Faria, uma associação que procura representar todas as famílias e, por isso, deverá ser consensual. É um trabalho complicado quando muitos dos problemas que João identifica na envolvente escolar partem de outros pais ou mães.

Era cedo quando nos encontrámos e, por isso, tivemos tempo de ver a rua calma antes da habitual agitação de carros à hora de deixar as crianças. Vimos muitas a chegarem a pé, acompanhadas pelos seus pais e mães, mas também muitas a serem transportadas de carro. Havia quem o pare mesmo em cima do portão, quem arriscasse em manobras apressadas em cima de uma curva de pouca variabilidade e quem desrespeite o sistema “kiss&drive” ali montado há não muito tempo pela autarquia – um canal “kiss&drive” é uma via onde os condutores podem parar durante um minuto, deixar o filho à porta da escola e seguir viagem. As crianças devem estar no lado do carro virado para a escola e os pais ou mães não devem sair do carro, para que as paragens sejam o mais rápidas possível.
João dizia-nos que a EB1 Rosa Lobato Faria fica “mesmo no centro da cidade”, mas é difícil sentimo-nos sequer em Lisboa. A zona da escola parece incompleta. Entre os edifícios não há qualquer coerência, nem existe um arranjo urbanístico exterior a que estamos habituados noutras zonas da cidade, devidamente consolidadas, como Alvalade ou o Areeiro. “Se houvesse condições, traria a miúda de bicicleta”, comentava João, que gostava de ali eventualmente dinamizar um Comboio de Bicicletas com outros outros pais e mães.

E o depois
Regressámos à EB1 Rosa Lobato Faria. A 14 de Junho de 2022, encontrámos uma envolvente muito diferente. A escola conta agora com um amplo passeio à porta, os carros deixaram de estar em cima dos passeios e as passadeiras passaram a estar desimpedidas também. Foram colocadas marcações horizontais e verticais a indicar 30 km/h como limite de velocidade mas este não é um daqueles casos de pintura a limitar velocidades – a via foi efectivamente reduzida, nomeadamente a curva, e foi sobrelevada uma das passadeiras. Pilares bloqueiam o estacionamento onde antes este, não sendo permitido, era feito na mesma.

O ambiente ficou efectivamente melhor, como reconhece João Campos. Ainda assim, aponta algumas falhas e a inexistência de um local para paragens rápidas à frente da escola é um deles. Antes existia uma zona de “kiss&drive” que foi eliminada; em vez disso, foram reservados seis a sete lugares para largada de passageiros mesmo ao lado da escola, na rua a descer. Mas, com muitos deles bloqueados com carros permanentemente estacionados, pais e mães ficam sem alternativa que não parar no em plena via. “Param ali no meio da rua, muitas vezes na curva”, diz João, confirmando algo que os nossos olhos foram vendo. “Mas agora, pelo menos, já não é em cima do portão.”












Há um agente da Polícia Municipal destacado para acompanhar pelo menos as entradas das crianças de manhã, mas que pouco parece ajudar na organização do trânsito. Um motorista de autocarro, por exemplo, teve de fazer toda a manobragem do veículo sozinho e improvisar um local de paragem – ocupando parcialmente uma passadeira – para apanhar várias crianças a caminho de uma qualquer actividade escolar. João explica que chegou a ser pensada uma zona mista na zona em frente à escola, onde veículos pudessem parar em algumas horas do dia apenas para apanhar e largar passageiros. Mas essa hipótese acabou por ser posta de lado.
O passeio amplo criado à frente do portão da escola permite aos pais e mães caminharem confortavelmente com as suas crianças até à escola – são muitas as que chegam a pé. Ainda falta plantar as árvores na frente da escola, os canteiros estão por agora vazios. A revisão e alargamento do passeio não foi feito em toda a rua e existem estrangulamentos antes e depois da zona da escola. João diz que está prevista a alteração de toda a zona pela EMEL no âmbito da regulação do estacionamento que será feita ali na zona; a empresa já está a intervir no local. “Todo o estacionamento vai ser regulado e ali em baixo, naquele baldio, vai ser criado um parque”explique-t-il. No futuro, toda a zona do chamado Vale de Santo António, aguarda por uma requalificação e dignificação a sério.
Mesmo com as melhorias, João continuará a pedir melhor espaço público na freguesia de São Vicente. A página no Facebook que alimenta – Escola Básica Rosa Lobato Faria segura – conta com mais de quatro mil seguidores.