Chronique.
Precisamos de falar sobre a Avenida das Nações Unidas e sobre o atravessamento pedonal em frente ao centro comercial.

Há semáforos que nos acompanham durante uma boa parte das nossas vidas. O do cruzamento da Avenida das Nações Unidas, em Telheiras, junto ao centro comercial, está comigo desde os meus três anos. Aquela avenida não é fácil para o peão. E nunca foi. Mas uma alteração recente na semaforização tornou-a ainda pior, nessa intersecção que refiro. A EMEL introduziu aqueles novos sensores inteligentes nos semáforos virados para os carros e deu aos dos peões a contagem decrescente que temos visto por toda a cidade. Com isto, as pessoas que ali atravessam passaram a ter metade do tempo que tinham para atravessar: se antes dispunham de um minuto, agora têm menos de 27 segundos.
Este cruzamento intriga-me desde pequeno. Ali, a avenida – que tem duas a três vias em cada sentido, separadas por um corredor central – intersecta uma azinhaga que só o é no nome, porque, na prática, é uma rua duas vias em cada sentido. Quando fica vermelho na avenida para os carros, primeiro passam os veículos que estão à espera do lado do centro comercial e que podem virar tanto à esquerda como à direita, como seguir em frente; e depois os que aguardam do lado oposto e que podem ir em todos os sentidos também. Mas, se antes os peões tinham verde durante todo esse processo (com um “pisca-pisca” laranja para os condutores), agora o vermelho cai quando a “segunda ronda” de carros da dita azinhaga tem o desejado verde. Com os peões bloqueados, os condutores já não têm de ficar à espera dos que querem atravessar vindos do autocarro ou em direcção ao centro comercial.

Resumindo bem resumido: a mudança privilegia o automóvel numa avenida já muito agreste para o peão. Lembro-me de o meu avô, quando morava ao meu lado, ter medo de atravessar esta avenida para ir ao supermercado – sim, uma pessoa idosa com medo de andar no seu próprio bairro; às vezes, pedia-me para ir com ele e o ajudar a gerir a situação dos automóveis. Lembro-me também de acompanhar a evolução deste cruzamento. Lembro-me de já ter dado para atravessar nos dois lados da avenida, em vez de, como acontece hoje, o peão ser forçado em algumas situações a cruzar três vezes a estrada em vez de a pisar uma só vez. Se a memória não me falha, nunca existiram sinais para peões nos dois lados da intersecção, mas as riscas brancas estavam lá a marcar o atravessamento (não sei precisar quando as removeram mas pelo histórico do Google Street View terá sido algures entre 2009 e 2014).
A Avenida das Nações Unidas tem cerca de 1,2 quilómetros de extensão, dos quais cerca de 300 metros têm um perfil urbano. Os restantes 900 metros são em estilo via rápida, um troço que acompanha o centro comercial e que tem na maior parte da sua extensão três vias – só houve um encurtamento para duas vias com a introdução, no início de 2019, de duas ciclovias unidireccionais que, até hoje, não tiveram continuação. Na parte que recebeu a infraestrutura ciclável, tornaram-se mais fáceis os atravessamentos informais da avenida – e só podem ser informais, porque só há passadeiras em cada ponta desse troço de mais de 300 metros.


O trânsito na Avenida das Nações Unidas é complexo. Há muito tráfego, incluindo de viaturas pesadas que saem do IP7/Eixo Norte-Sul e usam aquele eixo para aceder às zonas industriais que ainda existem nos limites da cidade de Lisboa. Nas horas de ponta, a azinhaga (que, já agora, se chama Azinhaga Torre do Fato) enche-se de carros que querem virar para a avenida, talvez para acederem ao IP7 e 2ª Circular e por essas vias rápidas chegarem onde precisam dentro ou fora da cidade. Alguns desse veículos serão de tráfego de atravessamento – não tenho dados além daqueles que os meus olhos foram registando ao longo dos anos: carros que se metem, por exemplo, pela Rua Poeta Bocage (que deveria ser uma rua calma, de bairro, silenciosa) para encurtar caminho a partir da Rua Padre Américo. (Acho que devia ser feita alguma coisa em relação a isto para levar o trânsito para a rotunda e para a avenida.)

O ruído na avenida é constante – dia e noite. Lembro-me de crescer ali a ouvir corridas ilegais feitas quando as pessoas queriam silêncio e dormir. Felizmente, isso deixou de ser frequente com o evoluir da urbanização daquela zona, mas ainda assim há motas que aproveitam a recta para acelerar e perturbar o ambiente residencial e social. A poluição atmosférica deverá ser também preocupante, não só por ali passarem muitos veículos pesados, mas também pela proximidade com o IP7 que não melhorará nada as coisas. Uma arborização da avenida poderia ajudar nestes aspectos. Há falta de sombra, há falta de árvores, há falta de passeios contínuos e que não terminem no meio do nada, há falta de transportes públicos [o Metro fica longe e havia oportunidade de criar ali um corredor de autocarros contínuo e rápido que ligasse Telheiras a Benfica, pelas avenidas das Nações Unidas e Cidade de Praga].
Há falta de humanidade na Avenida das Nações Unidas. Ao longo destes anos, já ouvi promessas e mais promessas. Lembro-me de uma, aquando das autárquicas de 2017: o PS afixou um cartaz de um projecto de requalificação daquele eixo que prometia o seu estreitamento para duas vias, uma ciclovia contínua bidirecional, um corredor arbóreo no separador central, e mais e melhores atravessamentos pedonais. Não tenho bem a certeza se era tudo assim, mas à boa moda da política a informação não foi publicada e preservada online. No plano de governação da cidade de 2021, elaborado ainda pelo anterior executivo camarário, aparecia referenciada a “nova Avenidas das Nações Unidas, passando pela Estrada do Paço do Lumiar até ao Cemitério de Carnide, pela Azinhaga dos Lameiros”, numa parte referente a “reforçar a coesão territorial do município e a ligação à rede viária regional”. Não havia mais detalhes sobre o que isto significaria, mas se tivesse que arriscar diria que um prolongamento da avenida e uma requalificação da actual. Seria maravilhoso. No plano do novo executivo de Moedas não há referência a esta avenida, mas não acredito que tenha sido intencional mas por se tratar de uma questão de pormenor na globalidade da cidade.


Mas voltando ao cruzamento. Seria bom que os peões voltassem a ter o minuto que tinham para passar ali. Se antes conseguia sair do pequeno centro comercial, ver o verde e atravessar com calma a avenida de um lado ao outro, agora levo rapidamente com o vermelho e sou obrigado a dar prioridade ao tráfego automóvel. Se colocassem passadeiras também do outro lado, se calhar ajudaria. Seria bom que toda a avenida fosse requalificada mas já sei que essa é uma questão mais complexa e dispendiosa. Comecemos, então, por pensos rápidos.
Antes de escrever esta crónica, perguntei na Comunidade do Lisboa Para Pessoas se mais alguém usava esta passadeira. Uma das pessoas respondeu-me que quer viver mais 100 anos e que, por isso, evita atravessar ali. Outra confirmou-me ser pouco tempo para os peões agora. Um membro disse que não reparou porque “não noto mentalmente os tempos”. Outra disse que já se terá habituado, mas que é pouco tempo: “Eu nessa passadeira tenho de ir mais ou menos rápido porque atravesso com um trolley, daqueles trolleys que as velhinhas usam para ir às compras Para lá [para o supermercado] é tranquilo, mas à vinda, quando [o trolley] está cheio, tenho alguma dificuldade.” E acrescentou que acha o tempo de espera pelo verde “uma eternidade”.