Na Semana Europeia da Mobilidade, a Câmara de Almada juntou uma comunidade de pessoas interessadas e partilhou os novos planos para a construção de uma rede ciclável no concelho.

Dos cerca de 186 km de rede ciclável previstos no Plano Almada Ciclável de 2005, foram executados apenas 35 km – ou seja, menos de 20% do que estava previsto. Por cumprir ficou também a meta estabelecida na altura de, em 10 anos (ou seja, até 2015), atingir uma quota modal para a bicicleta de 5% no concelho. Só que os Censos de 2021 indicam uma repartição modal de apenas 0,4%, o que significa, ainda assim, um crescimento de 80% no número de utilizadores em relação a 2011. O Plano Almada Ciclável era ambicioso: propunha a bicicleta como solução para deslocações em curta distância, para a redução do congestionamento automóvel e ainda como meio complementar ao transporte público.
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Apesar de ter sido pioneiro na área metropolitana de Lisboa na conversa de uma rede ciclável, o concelho de Almada tem estado, nos últimos anos, adormecido nesse capítulo. No entanto, e sem entrar em desculpas sobre o que foi feito e não foi feito, a Câmara de Almada quer agora recuperar o seu plano de 2005, actualizá-lo e metê-lo em prática. Para isso, em plena Semana Europeia da Mobilidade, organizou no seu edifício um grupo de trabalho. Convidou pessoas que se movem de bicicleta no concelho, associações, grupos informais e qualquer um que estivesse interessado no tema, pois o convite foi público. Numa sessão de duas horas, apresentou um primeiro esboço da nova proposta de rede ciclável para o concelho, e discutiu com a comunidade interessada algumas ideias, ouvindo também feedback do ponto actual.

Margarida Coelho, técnica do Departamento de Planeamento Urbanístico da Câmara de Almada, liderou a sessão, explicando que, em traços gerais, há uma grande diferença do novo plano em relação àquele que foi pensado em 2005: como agora existem bicicletas eléctricas, é possível prever percursos que não sejam totalmente planos, como é o caso da Avenida do Cristo Rei, recentemente requalificada e que, há duas décadas, não foi incluída na rede ciclável devido à sua inclinação. Margarida indicou que a rede ciclável que Almada pretende construir irá combinar troços segregados nas principais ligações do concelho e, depois noutro nível, uma rede local constituída por arruamentos onde é estimulada uma partilha entre os diferentes modos de transporte, o carro é um mero convidado e a velocidade é limitada a 20 ou 30 km/h. A rede ciclável será, por outro lado, combinada com a estrutura verde do concelho, oferecendo percursos que não só servem o quotidiano como são agradáveis de percorrer.

A responsável da Câmara de Almada explicou que o plano agora em revisão ainda não foi aprovado e que passará por uma fase de discussão, seja junto do grupo de trabalho agora formado, seja ao nível político, entre o executivo municipal. E explicou que a rede ciclável é um desenho para desenvolver à medida que sejam realizadas intervenções de espaço público em arruamentos ou que sejam desenvolvidos novos loteamentos urbanos. Um dos participantes sugeriu o estabelecimento de uma verba no orçamental anual da Câmara de Almada para a construção gradual da rede ciclável, de modo a existir um compromisso com a sua execução. “Dizer que as ciclovias vão acontecer à medida que haja intervenção no espaço público é atirar para as calendas”, declarou. “Sugiro haver uma dotação orçamental para se fazer.”
Durante a sessão, os presentes lamentaram a pouca disponibilidade de lugares nas ligações fluviais para o transporte de bicicletas, principalmente desde que Cacilhas deixou de ser servida por ferry; e pediram estacionamentos seguros nas principais interfaces de mobilidade, como é o caso do Pragal, onde duas linhas do MTS, o comboio da Fertagus (e os longo curso da CP), e os autocarros da Carris Metropolitana se encontram. Falaram também na necessidade de dar às ruas mais locais um aspecto menos rodoviário, reduzindo velocidades para 30 km/h, criando zonas de coexistência e melhorando a circulação pedonal e ciclável.

O grupo pediu a definição de um código visual para as ciclovias do concelho, de modo a que a infraestrutura seja perceptível por todos de forma clara e questionou a utilização de um pavimento empedrado na nova ciclovia da Fonte da Telha, salientando ser desconfortável para quem utilize a bicicleta diariamente naquele trajecto. “É importante ter pessoas que andam de bicicleta a fazer o planeamento e o desenho da rede”, destacou um participante. “A roda já está inventada, não precisamos de reinventá-la e podemos aprender com os erros dos outros”, declarou outra pessoa. “A Câmara de Almada não é um obstáculo, é um aliado. As críticas que estão a ouvir não são uma questão de ataque, mas de necessidade. São pelo bem comum”, clarificou outro participante sobre a discussão que estava ali em curso.




Margarida Coelho adiantou que, no concreto, uma das prioridades é a criação de um corredor ciclável entre a estação do Pragal e a Costa da Caparica. “O caminho já existe, vocês já o usam mas queremos torná-lo mais evidente e confortável.” Por outro lado, a divisão de obras da Câmara de Almada está já a trabalhar numa série de projectos de manutenção de ciclovias existentes; neste campo, está incluído o eixo entre a Trafaria e a Costa da Caparica, actualmente bastante degradado, bem como o eixo entre Cacilhas, o Parque da Paz e Corroios, que também tem vários problemas, incluindo estacionamento abusivo.

As ligações à FCT e a criação de acessos às praias a partir da Estrada Florestal também estão nos planos. Sobre o chamado Eixo Central de Almada, que a autarquia queria requalificar em 2021 dando prioridade ao automóvel, continua em estudo um novo projecto, depois de o anterior ter sido cancelado devido à contestação popular; na nova proposta de rede ciclável, prevê-se que o Eixo Central tenha uma infraestrutura dedicada a bicicletas. Os presentes concordaram que uma ciclovia no Eixo Central é essencial não só pela proximidade a comércio e serviços, mas também pelo desconforto que é pedalar naquele eixo; além do piso empedrado, destacaram a pressão que os carros provocam nas bicicletas no sentido que é mais a subir.

Margarida não tem dúvidas: “Não podemos continuar a desenvolver para mais carros ao mesmo tempo que queremos diminuir o número de carros. Temos de encontrar um equilíbrio. Temos essa dificuldade seja ao nível do Estado central, seja ao nível local.” A técnica da Câmara de Almada explicou que há assuntos sobre os quais o município não tem jurisdição, como é o caso do transporte fluvial – que é da TTSL, empresa pública detida pelo Ministério do Ambiente – ou do controverso alargamento do IC20 – uma responsabilidade da Infraestruturas de Portugal (IP), empresa detida pelo Ministério das Infraestruturas, e da concessionária, a Baixo Tejo. A Câmara pode pressionar e tentar influenciar, mas a gestão do território é uma questão envolta em complexidade (como vimos também aqui).
A autarquia almadense defende a amplicação do MTS, o metro ligeiro de superfície da Margem Sul, à Costa da Caparica e à Trafaria, sonhando com uma ligação a Lisboa (o município almadense tem vindo a defender, com Oeiras, uma nova travessia ligando a Trafaria a Algés); defende também a ampliação e modernização do Transpraia, conferindo-lhe um carácter de transporte público, conjugando-o com o MST e levando-o até à Trafaria. Outra grande proposta seria a construção de um apeadeiro ou estação ferroviária em Vale Flores, servida pelos comboios da Fertagus. A bicicleta enquadra-se nesta estratégia mais ampla para a mobilidade em Almada, conforme está no PDM (Plano Director Municipal) e conforme estará no PMUS (Plano de Mobilidade Urbana Sustentável), em desenvolvimento

O grupo de trabalho constituído de modo informal nesta Semana Europeia da Mobilidade irá continuar a ser envolvido na definição da rede ciclável do concelho almadense. É vontade de Margarida e do Departamento de Planeamento Urbanístico continuar a articular-se com estes les parties prenantes na recolha de contributos e discussão de propostas. Nesta primeira sessão, foi desenvolvida uma actividade de “quebra-zelo” com o intuito de desbloquear as primeiras conversas e de eventualmente gerar novos insights: os participantes foram desafiados a partilhar os obstáculos à mobilidade ciclável no concelho de Almada e depois a propor soluções. Ao mesmo tempo, puderam ver o primeiro esboço da nova rede. Estão prometidas novas sessões logo que haja tema e novidades para tal. Todos os interessados em falar deste tema podem, em nome individual ou colectivo, mostrar esse interesse ao Planeamento Urbanístico da Câmara de Almada através do e-mail diacs@cma.m-almada.pt.

